O significado de fobia tem gerado muita confusão na sociedade. A psicologia descreve o fenómeno como um medo irracional e exagerado que se apropria de algumas pessoas e lhes condiciona a vida. Um “bicho papão” que desencadeia um processo retroativo e de que ninguém está a salvo. Conheça os medos mais comuns entre os portugueses, quando procurar ajuda e como superar o problema.
“É ridículo o que estou a sentir, mas eu não consigo”, cita Cristiana Pereira, psicóloga clínica especializada em pânico e fobias, que revela uma das frases mais frequentes nas consultas. “A pessoa sabe que esse medo irracional é ridículo e é a primeira a admiti-lo”, acrescenta.
Quem não conhece é capaz de julgar que o medo e a fobia são a mesma coisa. Contudo, é importante elucidar que o medo é apenas o maior integrante do real conceito de fobia. “O medo numa fobia não é simplesmente medo. É algo muito exagerado tendo em conta os nossos parâmetros culturais e sociais. Algo desproporcional à realidade, que é capaz de despoletar vários condicionamentos na vida da pessoa, impedindo-a de agir”, explica a psicóloga.
Associado a estes sintomas, surgem também mais dois conceitos. Por um lado, a ansiedade exacerbada que pode transformar-se em pânico dependendo do grau do medo. Por outro, o evitamento, visto como a fuga ao objeto ou situação em questão. “Por exemplo, se eu tiver a fobia a cães, ao me encontrar com um, vou ter de imediato a reação do evitamento. Vou querer fugir para não me cruzar com ele”, exemplifica.
São inúmeras as fobias existentes. Desde as mais comuns, cinofobia (a cães), claustrofobia (espaços fechados), aerofobia (andar de avião), às mais invulgares, astrofobia (ao céu e às estrelas), bibliofobia (a livros) ou caetofobia (a cabelos). Em Portugal, apesar da fobia mais comum ser a aracnofobia, o receio de aranhas, os casos de agorafobia têm apresentado um aumento muito considerável. “Esta tem impedido muitas das suas «vítimas» de saírem de casa, pelo medo de poderem vir a sentir uma indisposição e tem-nas privado de se reunir com as suas famílias e conviver com amigos.” Segundo a psicóloga, “é extremamente difícil lidar com esta condição em específico. É talvez das mais complicadas”.
As causas do “bicho papão”
Existem diversas causas para o aparecimento de uma fobia, mas a sua origem recai sempre num evento traumático. “Muitas vezes, na infância, alguns familiares alimentam o medo por alguns objetos que, mais tarde, se transforma numa fobia. Ao se dizer, constantemente, a uma criança que as agulhas magoam, é possível que em adulta desenvolva uma fobia a vacinas”, especifica.
A aprendizagem é também apresentada como uma motivação ao desencadeamento de uma fobia, uma vez que “se alguém está sempre com uma pessoa que tenha o um determinado medo, também fica propícia a desenvolver esse medo”, aponta. Para além desse fator, a vivência da pessoa e a maneira como esta encara as situações é, também, uma das responsáveis pelo surgimento da fobia: “Também tem muito a ver com as vivências da própria pessoa. As situações de maior stress e vulnerabilidade podem fazer com que uma determinada situação se transforme numa fobia. Mas o nosso cérebro é uma coisa fantástica porque nem sempre é preciso haver um acontecimento específico. Por vezes, vamos lá por associações. E podemos desenvolver estas reações em qualquer altura da vida, precisamente porque podemos deparar-nos com um evento traumático.”
A possibilidade do autocontrolo da fobia depende sempre do grau do medo e da ansiedade. “É possível tentarmos confrontar a fobia e é por aí que devemos ir, sempre de uma forma gradual”, afirma. Dando novamente o exemplo do cão: “Se alguém tiver fobia a cães, não se vai confrontar logo com um, porque estaria a retraumatizar essa sua fobia. Teria de ir por fases. Por exemplo, ver uma fotografia de um cão, depois vê-lo de longe, isto tudo antes de contactar diretamente com o animal. Ou seja, é possível irmos desconstruindo por nós próprios, mas é preciso sabermos que devemos ir passo a passo.”
Os diferentes graus
As fobias apresentam vários graus, desde o mais simples ao mais perigoso. Uma das condicionantes do grau é a frequência com que nos deparamos com o objeto ou situação. Se a frequência for quase nula, a fobia não é alimentada e, muitas vezes, tendemos a esquecê-la. Por isso, segundo os especialistas, quanto maior a frequência, maior a fobia. Por outro lado, o nível de ansiedade, do medo e do evitamento ilustram em que estágio da fobia a pessoa se encontra. “Há quem não goste de andar de elevador, mas se for acompanhado, vai. Aqui estaríamos a falar da fobia de primeiro grau. Agora, aquelas pessoas que nem mesmo acompanhadas vão de elevador e que têm pânico a essa situação, já se apresentam no último grau das fobias”, explica Cristiana Pereira.
As fobias podem tornar-se perigosas, uma vez que pressentir o risco desperta o instinto de defesa no ser humano. Como exemplifica a psicóloga, “se um animal está em perigo, foge. Nas fobias, acontece o mesmo. Se um cão se cruza na rua com uma pessoa que o teme, esta terá logo o ímpeto de atravessar a estrada para evitar esse cruzamento e, aí, está a colocar-se numa situação de perigo”. Quando se tem uma fobia, o medo e a ansiedade do que pode acontecer se nos depararmos com o objeto ou situação é muito maior do que a racionalidade.
Tratamentos possíveis
Segundo a especialista, existem vários tipos de tratamento para superar o problema. Na Oficina da Psicologia onde trabalha, os profissionais aplicam essencialmente três, que são considerados os mais eficazes: abordagem cognitivo-comportamental, a hipnoterapia e o EMDR (Eye Moviment Desensitization and Reprocessing).
A abordagem cognitivo-comportamental tem como base numa lista de comportamentos de aproximação ao objeto fóbico. “Por exemplo, ver uma imagem, dizer o nome, ver o objeto fóbico ao longe, tocá-lo, etc. permite expor gradualmente o medo através de estratégias de regulação da ansiedade. Ensina ao organismo a estar perante o objeto ou situação de uma forma descontraída. Estabelecemos uma escala gradual de 0 a 10, onde se vai pontuando o medo da pessoa, depois de cada passo no processo, até chegarmos ao 0”, refere.
O EMDR é uma técnica recente que permite resgatar memórias com imagens. “Está estruturada em protocolos com temas específicos que ajudam a processar, através da estimulação dos dois hemisférios do cérebro, memórias ou imagens relativas à fobia.”
A hipnoterapia consiste, continua a especialista, “na utilização do estado de relaxamento induzido em hipnose para alterar a relação emocional com o objecto ou situação que provoca medo”.
A duraçāo dos tratamentos depende sempre da intensidade do medo com que o paciente chega ao consultório e da sua motivação para a resolução do problema. “Normalmente, o tratamento é eficaz e a fobia desaparece permanentemente, porque aquele medo, aquela imagem foram processadas e desaparecme. Agora, não estamos livres de desenvolver outra fobia, noutra fase da nossa vida”, avisa a psicóloga.
A procura de ajuda especializada vai depender sempre daquilo que a pessoa sente. Como sublinha a especialista, “a vontade de solucionar o problema está nas mãos de cada um. Normalmente, essa busca acontece quando a pessoa começa a ver a sua vida condicionada pelo medo”.