Membro fundador da Iniciativa Liberal (IL), deputado e vice-presidente da Assembleia da República, Rodrigo Saraiva fala sobre o partido e a sua visão política para o país.
A ideia da Iniciativa Liberal é sua, de Alexandre Krauss e de Bruno Horta Soares. O encontro fundador foi a 23 de dezembro de 2015, num almoço de Natal. Como é que, a partir de um almoço de Natal, o projeto Iniciativa Liberal anda para a frente?
Esse é um primeiro encontro que temos, mas a história naturalmente começa antes. As conversas entre mim, o Alexandre e o Bruno começaram após as eleições legislativas de 2015, as que resultaram no governo “Geringonça”. Isso foi o agitar para que um grupo de pessoas que já se conhecia, já tinha tido intervenção cívica ou partidária, se juntasse. Demonstra que sempre existiram liberais em Portugal, mas estavam integrados noutros partidos políticos. Também havia a participação cívica de liberais, ao longo de anos, na chamada blogosfera. Sempre dissemos que o nosso caminho ia ser uma maratona, se nos queríamos afirmar como partido político. Achávamos que ia demorar mais tempo, mas o mérito do que fomos fazendo e os contextos em que fomos vivendo fizeram com que a IL seja a quarta força política hoje em Portugal.
Como explica e caracteriza esse crescimento?
Por essa Europa fora as ideias liberais sempre estiveram muito presentes, através de partidos históricos bem sedimentados. O Sul da Europa não tinha esta tradição político-partidária, mas tinha uma tradição político-filosófica. Sempre achámos que esta onda liberal acabaria por chegar a Portugal e o contexto português originou isso. Entre aquilo que é o contexto geográfico e o contexto político-social, foi uma questão de sabermos ler o jogo, ter o mérito e os planetas alinhados para este sucesso.
Foi um crescimento natural e uma oportunidade que veio na altura certa?
Sim. Eu não gosto muito da história dos ‘ses’: se não tivesse havido o governo “Geringonça” ou, anteriormente, a Troika… Temos de viver com aquilo que aconteceu. Houve pessoas que perceberam que tinha chegado a altura de haver um partido liberal. Em Espanha não havia, houve, mas foi um projeto que já desmoronou. Foi um epifenómeno. Nós não queríamos ser um projeto a curto-médio prazo.
Quais foram os momentos mais marcantes, para si, na história do partido?
As descidas na Avenida da Liberdade no 25 de Abril, nomeadamente quando nos tentaram impedir de participar [em 2021] e a resposta dos liberais foi massiva. Éramos 500 pessoas, uma grande mancha azul de liberais. Nas eleições legislativas de 2022 fizemos um comício no Mercado de Santa Clara a meio da campanha. Tínhamos o mercado cheio de pessoas que se tinham juntado e é um momento “calma lá, isto vai mesmo correr bem”. Ao longo da nossa história, há momentos, para além dos resultados eleitorais, que nos demonstraram que estávamos a fazer bem as coisas.
“Não devemos ter medo do pluralismo”
“É possível que no final desta sessão a esmagadora maioria das bancadas neste Parlamento tenha contribuído contra a vontade dos portugueses e os interesses de Portugal para mergulhar numa crise política.” São palavras de Rui Rocha antes da votação da moção de confiança. Acha que a dinâmica governativa mudou nos últimos oito anos?
Desde que chegámos à Assembleia da República ainda não houve uma legislatura inteira. Os tempos são outros e o valor da estabilidade, que era tido como grande, neste momento está muito enfraquecido e nem com maioria absoluta a temos. Se os governos duram um, dois anos, não há espaço e tempo para que haja reformas. Não devemos ter medo do pluralismo, se for essa a vontade dos eleitores. Os partidos políticos têm de viver com isso.
A estabilidade política deve ser a máxima de um Governo?
Não. É um valor importante para dar tempo a quem governa e aos eleitos de serem avaliados. Não pode ser um valor que impeça o escrutínio, o debate, a transparência, e não se pode impor acima de outros.
Segundo o politólogo João Cancelas em declarações ao Diário de Notícias, grande parte dos eleitores que votam IL são mais instruídos e têm formação superior. Investir na educação é sinónimo de que estamos a investir num país com mais eleitores na Iniciativa Liberal?
Isso é um bocado ‘achismo’. Olhando para os resultados, quem vota IL está mais nas grandes malhas urbanas, tem mais níveis de ensino e tem rendimentos médios superiores, mas não é um exclusivo. Conheço pessoas que são membros ou que votam em nós e não correspondem a qualquer uma destas características. Não obstante isso, acreditamos muito em literacia, seja qual for, é sempre importante para qualquer sociedade. E é a melhor forma de munir todos os indivíduos para tomarem melhores decisões.
“Com menos traumas vamos ter mais capacidade de diálogo”
“Gostava que o próximo Presidente da República fosse alguém já nascido em democracia”, disse em conversa à Rádio Observador, durante a IX Convenção da Iniciativa Liberal. O ideal para a democracia portuguesa são candidatos mais jovens?
Disse isso porque seria bom e diferente daquilo que tivemos até agora. Também não houve ainda um primeiro-ministro nascido depois do Estado Novo. Pela lógica do tempo, isso acabará por acontecer, mas não podemos esperar que seja o tempo a resolver as questões de renovação. Acreditamos, enquanto projeto político, na necessidade de renovação. Por isso, achamos que uma pessoa nascida em democracia, que não viveu os tempos agitados do seu nascimento, não vai ter traumas desses tempos. Com menos traumas, vamos ter mais capacidade de diálogo.
Ainda na IX Convenção da Iniciativa Liberal, quando lhe perguntaram sobre uma possível coligação para as autárquicas em Lisboa com o PSD, disse que seria possível se o atual presidente de Câmara tivesse vontade de mudar e quisesse fazer o que não fez durante estes quatro anos. Mantém a afirmação?
Mantenho completamente.
Mas já existem perspectivas para uma possível coligação?
Não sei, com as legislativas à porta, esses processos autárquicos estão em standby.
Para além de fundador do partido, foi líder da bancada parlamentar na XV legislatura e é agora deputado na XVI legislatura. O que lhe falta conquistar enquanto político e fundador da Iniciativa Liberal?
Há uma coisa engraçada nestas funções que tenho desempenhado: não foram planeadas. Aconteceram com naturalidade e nem tenho como objetivo desempenhar funções governativas. Acredito que Portugal e os portugueses podem muito mais. Temos características brutais para isso. Falta capacitar indivíduos para tomarem decisões. A Educação e a Saúde têm processos muito centralizados, que não habilitam as pessoas na tomada de decisões. Outra coisa que capacita as pessoas é terem mais rendimento. Isto tem sido o eixo do nosso discurso político, a questão do crescimento económico. Portugal ainda tem de mudar tanto que já não vai ser a minha geração a beneficiar daquilo que eu e a IL possamos fazer, serão as próximas.
