São miúdos, mas respiram o rock e tornam-no numa forma de estar na vida. Os Zanibar Aliens lançaram o seu segundo álbum, “Space Pigeon”, e receberam-nos para a festa de lançamento.
O fim de tarde de uma sexta-feira é sempre apetecível, ainda mais quando o sol e o calor fazem parte do cenário. A cidade anda mais despida, os jardins cobrem-se de corpos mais leves, as esplanadas enchem-se de copos e as pessoas passeiam pela zona ribeirinha. Uma hora de ponta mais descontraída do que a trágica rotina habitual. A afluência turística também proporciona tudo isto. É véspera de fim-de-semana prolongado e, também por isso, a noite de Lisboa tem agenda cheia, carrega-se de eventos, acontecimentos e concertos.
Após a estação de comboios do Cais do Sodré em direcção ao Tejo, ao fundo, já se ouve o bombo, a tarola e os acordes da guitarra eléctrica. O Titanic Sur Mer, bar e sala de concertos do controverso artista Manuel João Vieira, prepara-se para receber uma das mais promissoras bandas portuguesas de rock n’ roll: os Zanibar Aliens. São 18:00h e lá estão eles a afinar os últimos pormenores antes do soundcheck. É noite de lançamento do novo álbum, “Space Pigeon”, gravado e misturado na Factory Road Studios, em Southampton, Inglaterra.
São miúdos novos e fazem rock à antiga. Soa a Doors, Pink Floyd, Deep Purple, Led Zeppelin ou Black Sabbath. Todos eles estão na casa dos 19 e 20 anos, jovens mas ostentam cabelos como ícones de rock dos anos 60 e 70. Na verdade, podiam ser netos de Ozzy Osborne, Patti Smith ou Robert Plant. Lendas provenientes das colecções de discos dos pais e que se passeiam pelo imaginário da jovem banda do Estoril.
A espera na esplanada e o soundcheck
Enquanto não chega a hora do soundcheck, Martim Seabra (guitarrista) toma uma cerveja numa esplanada à beira rio. A ele junta-se o fundador da Sentimento Fuerte, promotora e agência gerida pelo também vocalista e violinista da banda de punk cigano Pás de Problème, Gil Dionísio. À mesa, a discussão prende-se com o futuro das bandas mais underground da cena musical portuguesa. “É muito difícil para nós chegar a um festival como o Super Bock Super Rock. A verdade é que, no ano passado conseguimos e foi incrível”, disse Gil referindo-se ao concerto da sua banda no mítico festival. No entanto, o carismático personagem, de crista “apunkalhada” e bigode fininho, admite que prefere palcos mais intimistas: “prefiro sentir o calor das pessoas, de poder tocá-las e elas a mim”. Numa conversa que vai enchendo o cinzeiro de beatas e as garrafas começam a acumular-se pela mesa, Gil afirma: “o que desejo é manter-me na cena underground, mas viver dela já é outra conversa”.
Martim é mais ambicioso e admite mesmo que o seu sonho é tocar no Coliseu dos Recreios, mas assume que é muito difícil lá chegar. Contudo partilha da opinião de Gil em relação aos ambientes intimistas. Uma chamada interrompe a conversa. É hora de Martim voltar ao Titanic Sur Mer para o soundcheck.
Conversas cruzadas, muito fumo, riffs de guitarra para aqui, notas de baixo para ali e umas taroladas pelo meio. E, finalmente, podíamos ouvir o single “Space Pigeon” a servir como teste para o técnico de som. Páram. “‘Bora malta! Mais uma!”, exclama Pedro, técnico de som da banda. E o jovem quinteto retribui com uma malha de rock carregado de maturidade. Terminada a chinfrineira, Pedro faz sinal com a mão direita: “Malta, está perfeito! Bora jantar!”
“Palheta”, bitoques & rock n’ roll
Sexta à noite. Encontrar lugar no Cais do Sodré para sentar 12 pessoas a jantar não é tarefa fácil. Muitas voltas pelas ruas mais movimentadas, pelos restaurantes caros, mas está tudo lotado. Alguém soltou uma tentativa de fast food: “vamos aí a um kebab!” Diogo Braga (baterista) responde indignado, exigindo “pelo menos, um bitoque”. A luz ao fundo do túnel foi mesmo o pequeníssimo restaurante “Sabores da Ribeira”, nas traseiras do Mercado da Ribeira. Lá serve um velho conhecido: Sr. Vítor. Homem das bifanas durante o dia, na casa que gere mesmo a paredes meias com esta, à noite serve bitoques e outras especialidades tradicionais empratadas. Por ali comem-se bitoques, alheiras e bifes de perú empurrados por jarros de vinho tinto para uns e canecas de cerveja para outros. A mesa enche-se das conversas do costume: o sportinguismo do Sr. Vítor e da maioria presente puxou a cassete ao derby da semana anterior, pelo meio, os comentários a Trump e à Coreia do Norte. As conversas vão sendo interrompidas pelo “está tudo óptimo?” do Sr. Vítor. Depois do clássico café com cheirinho, está quase na hora do rock n’ roll…
Poucos minutos antes da subida ao palco do Titanic Sur Mer, junto-me à banda no backstage onde paira o fumo dos cigarros. Sentados em círculo contam tudo sobre a viagem a Inglaterra que resultou no novo disco, e obviamente, das influências que ouvem, mas também do estado da música actual.
Conversa com os Zanibar Aliens no backstage
“Cada vez que sai uma entrevista de um músico rock mais velho, eles estão sempre a dizer: ‹‹rock está morto››” diz Martim, que não tarda em acrescentar: “Mas o rock não está morto e nós somos uma das provas que isso não é verdade!” Algo que não é totalmente descabido, uma vez que estes jovens da linha de Cascais tocam rock n’ roll, mesmo à séria. No entanto, Ricardo acrescenta que, hoje, o público já não está tão segregado como no passado: “o público é muito mais versátil, não vai aos concertos para ouvir géneros, vai para ouvir música, ponto final”.
Há que passar ao que interessa e à razão, deste encontro: “Space Pigeon” e respectivo concerto de lançamento. Como não pode deixar de ser, a conversa girou em torno da viagem numa Ford Transit ’89. O destino: Inglaterra. Lá, os Zanibar Aliens gravaram o novo disco que apresentam ao vivo. “A oportunidade surgiu porque o Carl Karlsson [vocalista e teclista], o Filipe Fernandes [guitarrista] e o Ricardo foram da turma do André Pires [engenheiro de som] no secundário, que, entretanto foi estudar para uma faculdade em Southampton e arranjou trabalho na Factory Road Studios. Tínhamos a carrinha, as ideias, agarrámos no material e fomos.” Estas ideias, explica Diogo, foram todas materializadas in loco, ou seja, quando chegaram a Inglaterra não tinham composições terminadas e prontas a gravar. Diogo refere também que “a nossa música soa muito ao rock dos 60’s e 70’s, no entanto, também temos outras influências actuais como Josh Homme, Ty Segall ou Black Keys.” Isso atrai públicos das mais variadas faixas etárias, embora, para Martim a grande maioria do público seja “a malta da velha guarda”.
Para Filipe Fernandes, o facto de terem gravado em Inglaterra é um marco importante, “porque a banda estabelece um patamar e, a partir daqui, estamos dois anos à frente.” Filipe admite também, que a deslocação a Inglaterra tornou-os, de certa forma, mais maduros: “Foi uma experiência completamente diferente gravar em Inglaterra, porque existia uma certa pressão, não tínhamos aquele conforto de sair do estúdio e ir para casa. Andámos a pensar nas músicas diariamente, íamos para o hotel IBIS compor e tínhamos pouco dinheiro.”
Em relação ao impacto que esperam por parte de “Space Pigeon”, a banda não faz por menos: “esperemos que daqui por muitos anos, ‹‹Space Pigeon›› se torne num disco de culto”. Realçam ainda que os custos da edição do disco foram completamente assegurados por eles. “O álbum não tem código de barras, foi tudo feito por nós, é completamente DIY.”
Abrem-se as cortinas para a noite dos Zanibar Aliens
Chega a hora do concerto da banda de abertura, os Zarco, e há que descer até junto ao palco. No bar mais próximo, Martim faz questão de pagar uma imperial. A casa já está bem composta e o rock divertido dos Zarco já faz mexer muita gente. Óculos de sol, tentativas de piadas nas entrelinhas, mas competentes na execução das canções. A banda, também muito jovem, está claramente à procura de definir a sua sonoridade. Uma música soa a Capitão Fausto, outra soa a Kusturica e outras a Rui Veloso, tornando o repertório do quinteto lisboeta muito pouco coerente.
A sala está muito próxima da lotação esgotada – cerca de 300 pessoas – e espera pela entrada dos Zanibar Aliens. Mais ou menos meia hora depois da meia-noite, ali estão eles, a rasgar as guitarras. Até Manuel João Vieira fez questão de se aproximar, com o telemóvel em punho para registar a excitação que aqueles miúdos transbordam em cima do palco. A abertura dá-se com três faixas do novo álbum. A terceira, mostra que a malta lá da frente já sabe, perfeitamente, a letra do single. Claro que a apoteose dá-se imediatamente a seguir, com “Baby I’Cant Let You Go”, canção do primeiro álbum “Bela Vista”. Está inaugurado o primeiro moshpit e crowdsurfing da noite.
As luzes denunciam a fumarada que se apodera da sala, mas ainda assim não corta a respiração a nenhum dos presentes. Por falar em fumo, segue-se “Bongsmoker”, uma faixa que leva a banda pelos caminhos do stoner e blues rock. “Ô Ô Ô Ô” entoa a plateia em coro, seguindo o refrão berrado por Carl Karlsson. A existência dos Black Sabbath fez todo o sentido – a banda britânica abandonou os palcos este ano, e isso reflecte-se em “Circus Woman”, faixa dos Zanibar Aliens que baixou o ritmo cardíaco da audiência. Encorpada, lenta, abre-se com um solo de baixo vaidoso. Ainda assim, não foi suficiente para segurar as filas da frente, porque “Losing My Mind” e “Only One” voltam para mexer com a electricidade dos corpos e levá-los suados de volta para casa. A plateia volta as costas ao palco e a sala vira pista de dança. Gil Dionísio entrega-se aos pratos e dá música aos que resistem até de manhã.
A noite foi uma lição de rock n’ roll foi que não vem nos livros, vem nos discos. Os tais que se vão buscar às colecções dos pais. Os “putos” bem educados, mostraram que o rock e a música não se mede aos palmos. Costuma dizer-se nestes casos que “têm uma vida pela frente”. É verdade, mas eles já levam dois discos editados, um deles produzido em Inglaterra. Há esperança no rock em Portugal e já tem nome: Zanibar Aliens.