Braço direito de Rúben Amorim desde 2018, Adélio Cândido teve uma ascensão notável no mundo do futebol, desde o modesto Casa Pia até ao gigante Manchester United. Ao longo desta entrevista — concedida em pleno processo de negociações com o clube inglês — exploramos os bastidores da sua carreira e a mudança para a mais prestigiada liga do mundo. Ele que, além do líder da sua equipa técnica, tem em José Mourinho uma das maiores referências.
Já foi confirmada a saída de Rubén Amorim para o Manchester United. Vai acompanhá-lo nesta nova etapa?
Tudo indica que sim.
Quais são as suas expectativas em relação a trabalhar na Premier League?
É a melhor liga do mundo, um passo diferente na nossa vida. A liga portuguesa tem muita qualidade, sempre o defendi, mas é uma possibilidade única e permite conviver com um contexto diferente.
Recuemos ligeiramente no tempo…. Pode contar-nos um pouco do seu percurso até se tornar treinador-adjunto do Sporting?
Comecei no Beira Mar de Almada com o Cristiano Marques (jogador e colega de faculdade). Entrei na faculdade muito jovem, e ele já era mais velho e trabalhava no futebol. Gostava de mim e convidou me para trabalhar com ele. Eu também já estava à procura de um clube, queria trabalhar cedo, surgiu essa oportunidade e fui trabalhar para o Beira Mar de Almada, onde aprendi muito.
Entretanto, o João Suzano, também colega da faculdade, convidou-me para os Sub-15 do Casa Pia, onde fiquei até aos sub 17. Pedi um estágio com o Mister Tiago Zorro nos seniores. Fiquei com ele durante um tempo e, entretanto, chegou o Rúben. Depois fomos para o Braga B, Braga A e, posteriormente, para o Sporting.
Teve alguma influência na sua vida para seguir esta carreira?
A minha mãe foi professora de Educação Física e cresci sempre rodeado de desporto. O meu pai também é fanático por futebol, mas a grande influência foi o José Mourinho. Numa fase que ainda era muito jovem, teve uma imagem muito forte mesmo em termos de comunicação no futebol e passou uma ideia da possibilidade de ser treinador. Penso que ele foi quem me empurrou e a minha maior inspiração para seguir este trabalho.
Quais foram os principais desafios que encontrou no começo da sua trajetória como treinador?
Na altura, estava a estudar na faculdade e não ganhava dinheiro nenhum com aquilo, mas trabalhava com o mesmo empenho e dedicação de hoje. Não me preocupava com ordenados, no nosso meio é um bocado assim. Profissionalmente, o que me dava dinheiro era a escola, não era o futebol, era a escola para pagar o futebol, só quando fui para o Braga B é que passei a ganhar dinheiro suficiente para viver apenas do futebol. Tem de se acreditar que vamos buscar alguma coisa mais à frente. Depois, comecei a dar aulas de Educação Física e conciliar isso com as aulas na faculdade. Os treinos e a organização do treino, pode ter sido a maior dificuldade.
“O que nos distingue das outras equipas técnicas é a questão da nossa organização ser muito parecida com o futebol americano, tudo dividido por setores”
Como descreve o seu papel como treinador-adjunto? Quais as principais dificuldades e desafios que enfrenta no dia a dia?
As equipas técnicas funcionam de maneiras diferentes, e ao longo do tempo, a nossa tem alterado com mudanças aqui e ali. Atualmente, eu trabalho mais preocupado com a linha defensiva e com questões das bolas paradas, em colaboração com outros colegas, além de trabalhar na metodologia de treino. Em relação à estratégia, técnica, e táticas para o jogo, a responsabilidade é do Rúben. Nós damos um apoio, pois é isso que é ser assistente. O que nos distingue das outras equipas técnicas é a questão da nossa organização ser muito parecida com o futebol americano, tudo dividido por setores.
O papel de treinador-adjunto não costuma ter tanta visibilidade. Quais são as principais diferenças entre o trabalho de um treinador principal e de um adjunto?
O treinador-adjunto deve garantir que as coisas funcionam de forma ordeira e respeitar uma pirâmide. Temos um treinador principal e necessitamos de analisar a liderança, canalizar tudo para o líder máximo, levar a que todos acreditem nele e acreditarmos também nós no seu potencial. Trabalhar com alguém com quem concordamos nas ideias facilita muito e, no caso, a equipa técnica concorda com quase tudo. Acho que funcionamos bem, muito por causa disso. O nosso trabalho é ilibá-lo de preocupações externas desnecessárias, resolver conflitos mínimos, questões que temos de ter sensibilidade e perceber o que deve ou não chegar até ele.
O treinador principal lida com a pressão da comunicação social, a preparação do jogo e o conhecimento do adversário. É uma profissão totalmente diferente e muito mais pressão. Eu posso dar uma opinião, mas, se a minha opinião não correr bem, quem vai levar com a comunicação social é ele. Ou seja, a decisão é sempre dele. Eu estou sempre nas costas: se correr bem, correu bem. Se correr mal, a culpa será sempre dele.
“Gosto da relação com os jogadores, com o treino. É isso que me dá vida”
A sua relação profissional com Rúben Amorim tem sido traçada desde que se cruzaram no Casa Pia, na época 2018/2019. Como surgiu a oportunidade de integrar a equipa de Rúben Amorim?
Na altura, fiquei no Casa Pia a convite do diretor desportivo Carlos Pires. Acabou por aparecer o Rúben e fiquei com ele. Foi uma situação natural, morava muito perto de lá e escolhi, desde muito cedo, o Casa Pia como o clube em que eu queria crescer. Defini uma estratégia para mim e o Casa Pia era um clube muito estável, que tinha como objetivo chegar às competições profissionais, para a Segunda Liga. Quando entrei, o clube já tinha estado duas vezes no play off para a subida de divisão, e eu já tinha definido que queria continuar ali. Foi por isso que pedi o estágio nos seniores.
Até hoje, qual foi o momento mais marcante da sua carreira?
No outro dia, estava a falar com a minha mulher sobre o facto de ter sido campeão nacional (em 2020/2021) e não ter sentido grande emoção. Na segunda vez, celebrei um pouco mais, mas na primeira nem tanto. O momento que mais me marcou no futebol foi mesmo o dia em que estava no Casa Pia, com o mister Tiago Zorro. Na altura, entrei como estagiário, fazia filmagens e cortes. Estava em casa e ele liga-me para avisar que ia passar a treinador, este foi talvez o momento que eu mais celebrei. Era um passo importante para o que eu queria, pois nunca quis ter uma carreira como analista, gosto da relação com os jogadores, com o treino. É isso que me dá vida.
“O essencial é ter ambição, acreditar em si próprio e desenvolver competências sociais especialmente na liderança e na forma de tratar os outros”
E quais foram as figuras mais importantes para o seu desenvolvimento?
É inevitável falar do Rúben. Conheci-o quando eu era amador, trabalhava num ambiente não profissional e passei ao profissionalismo com ele. Hoje, consigo viver do futebol. Tenho um primo que é como um irmão, crescemos juntos, ele é um pouco mais velho do que eu, e sempre me criou também nessa relação com futebol. Além disso, os meus pais e a minha mulher, que são um grande suporte hoje em dia.
Que conselhos daria a um jovem que quer seguir carreira de treinador?
O mais importante é trabalhar como profissional desde o início, sem se focar no que se recebe ou não. O essencial é ter ambição, acreditar em si próprio e desenvolver competências sociais especialmente na liderança e na forma de tratar os outros, ser honesto na relação, mesmo com os jogadores. Não é eliminatório começar a trabalhar tarde, mas quanto mais cedo, melhor. Para os jovens que estão a entrar agora na faculdade sei que no início às vezes é um bocado difícil, mas se acreditarem, não se vão arrepender. Mesmo que não corra bem durante cinco anos, há-de correr ao décimo. Algum dia, há-de surgir uma oportunidade e só é preciso estar pronto para quando isso acontecer. Sei também que tive muita sorte, e falo um bocado de boca cheia, porque acabei por ter essa oportunidade a passar muito cedo na minha carreira. Não precisei de esperar muitos anos para isso. Não sei como seria a minha vida se o Rúben não tivesse aparecido minha carreira naquela altura. Poderia até já estar a trabalhar noutra área.