Jornalista, comentador da SIC, autor do podcast Ontem Já Era Tarde e da biografia de Bruno de Carvalho (ex-presidente do Sporting), Luís Aguilar é, aos 42 anos, umas das caras mais conhecidas do jornalismo desportivo em Portugal. Assume um gosto particular pela escrita e deixa alguns conselhos aos estudantes de comunicação.
Como começou a sua carreira no jornalismo desportivo?
Comecei a escrever em jornais locais. Com 15,16 anos escrevi umas crónicas sobre a atualidade desportiva, na altura sobre os grandes jogadores da época. Mais tarde, pedem-me para fazer jogos das equipas locais. Entretanto, acabei por entrar no Record. Levei uns textos e comecei como correspondente do distrito de Setúbal. Depois, começo com os livros, com biografias de antigos jogadores e isso permitiu-me ir à televisão. Após falar dos livros, começaram também a pedir-me para falar das jornadas, para fazer algumas antevisões. Quando dei por isso, estava a fazer televisão. Já lá vão alguns anos.
Hoje é, sobretudo, reconhecido pelo trabalho na televisão, mas mantém o fascínio pela escrita. Pretende deixar uma marca nesta área?
A escrita sempre foi a minha primeira casa e sempre há de ser, por mais que possa fazer outros formatos de televisão. Sempre tive a ideia, ainda em miúdo, de fazer livros sobre futebol e, sinceramente, não esperava que aparecesse tão cedo. É algo que nunca vou deixar para trás porque funciona como terapia. Não posso ficar muito tempo sem escrever. Com certeza, irei fazer mais livros e continuarei a escrever artigos e reportagens para diferentes publicações. Atualmente, não tenho tanto tempo como noutra fase, mas interessa-me estar sempre a escrever. Se vou deixar uma marca ou não, isso não sei (risos).
Faz parte do programa Mercado Aberto, na SIC, que se foca nas transferências dos jogadores e treinadores. Como lida com a pressão de produzir notícias precisas e rápidas?
É uma altura de muita pressão não apenas para nós que estamos a fazer esse tipo de trabalho, mas, sobretudo para os agentes que estão no mercado e que naquela altura procuram os negócios que podem mudar a sua vida. Pode-se, muitas vezes, receber informações que estão bastante longe da verdade e há que fazer um rastreio grande. Nunca nos podemos atirar de cabeça para algo que não conseguimos confirmar, até porque é a nossa imagem que fica associada a isso. Recordo-me de um que foi o caso Cavani, na altura que esteve para ingressar no Benfica e acabou por não acontecer. O negócio existiu, esteve em cima da mesa, houve essa possibilidade, teve vários avanços e recuos, e depois não se concretizou. É interessante e desafiante o mercado ali naquela fase final e adoro fazer, é um dia sem alinhamento com vários negócios de última hora a cair. Nós dependemos também muito dos bastidores que estão atentos a coisas que nós não estamos.
Ser comentador tem um grande impacto mediático. De que forma lida com o feedback negativo?
Isso faz parte. Uma vez ou outra pode haver algum alarido, se bem que a ideia não é essa, ainda para mais no canal onde estou. A ideia é haver um debatezinho saudável, onde haja espaço de manobra com essas opiniões diferentes. Se estivermos ali todos permanentemente de acordo isso torna-se um pouco fastidioso.
“Por vezes farto-me [da minha própria voz]. Prefiro ouvir a voz dos outros”
Além da televisão e da escrita tem vários outros projetos, desde logo o podcast de entrevistas, Ontem já era tarde. Como surgiu a ideia?
Era algo que andava para fazer há muito tempo e depois, por este ou aquele motivo, estava sempre a adiar porque é sempre aquela coisa do “Ah, não tenho tempo”. Daí o nome. Não sabia que nome lhe dar e pensei: “não vou pensar mais porque ontem já era tarde”. Acabou por ficar. Numa fase inicial, fazia-o a partir de casa e a ideia até era poder falar com pessoas de outras áreas que nada tinham a ver com futebol, mas que pudessem dar a sua visão sobre este desporto — porque acabam sempre por ser outro tipo de experiências e ter ali um tipo de feedback para o meu engrandecimento.
Depois a SIC pediu-me para fazer o podcast e acabei por afunilar mais para as histórias do futebol. Tem sido interessante porque permite-me falar com pessoas que não conhecia e com outras que já tinha entrevistado há muito tempo, mas que foram fazendo outras coisas na sua vida, portanto é uma nova conversa. Não sendo um daqueles comentadores que têm um fascínio enorme por estar sempre a ouvir o barulho da sua própria voz — por vezes farto-me (risos) — prefiro ouvir a voz dos outros. E isso também foi uma forma de regressar um pouco a essa base.
O podcast começou por ser gravado em casa do jornalista, tendo posteriormente transitado para a SIC
É também autor da rubrica Minuto a Rasgar, no Instagram. Como escolhe aquilo de que vai falar? É planeado?
Sim, é planeado, mas muito em cima do acontecimento. O Minuto a Rasgar foi uma forma de poder chegar a algumas gerações mais novas e que acabam por consumir muito mais o seu conteúdo através das redes sociais. Senti essa necessidade, precisava de criar conteúdo imediato. Quis associar-lhe ali uma vertente mais pesada, daí o rasgar. Acabou por funcionar bem. Muitas vezes, vejo um acontecimento num dia e prefiro fazer a rubrica no outro dia, porque já é tarde ou para encontrar um cenário exterior que funcione melhor. Outros, faço logo no próprio dia. Começo a falar e vou contando o tempo para não passar de um minuto.
“Muitas vezes, a forma como nos interpelam é tudo menos simpática”
De que modo vê o momento atual do futebol português?
Tem sempre uma vertente de polémica muito grande e uma certa nuvem, mas não deixa de ser ainda assim um país em matéria do talento futebolístico, seja a nível de jogadores e de treinadores. Em matéria de formação, de exportação, a seleção que temos… isso é o lado positivo. O lado negativo é que, como país muito pequeno, os clubes que têm mais poder pensam que podem controlar e influenciar tudo. E isso, claro, acaba por não correr bem. Além disso, trata-se de um país em que 80% dos adeptos que gostam de futebol são do Benfica, do Porto ou do Sporting. Muitas vezes, a forma como nos interpelam é tudo menos simpática. Aquilo que faço, e o que a generalidade dos comentadores fazem, é deixar de ligar ao que dizem porque, caso contrário, a pessoa fica louca (risos).
Como vê o futuro do jornalismo de desporto? Quer deixar algum conselho a quem pretende seguir esta área?
Neste momento, existem vários desafios porque há a possibilidade de aparecer em diferentes plataformas. Há projetos independentes em que as pessoas acabam por ganhar algum mediatismo e, depois, vão para televisões ou para jornais. Ou não, porque muitas vezes nem sequer compensa do ponto de vista financeiro. Esse é um lado bom. Por outro, há mais concorrência e é também uma indústria que está mais fragilizada financeiramente, até porque o mercado publicitário cresce para diferentes sítios. O orçamento das empresas para investir nesse mercado publicitário não cresce. Por exemplo, hoje a situação dos jornais é complicada porque são poucos os jovens que compram jornais e, ao mesmo tempo, pede-se às redações que tenham uma capacidade constante de estar a pôr cá fora notícias. O conselho que posso dar aos vários estudantes de comunicação é que não fiquem à espera que vos batam à porta. Que sejam vocês a iniciar esse caminho, que pensem nos vossos projetos com os vossos recursos, até porque não são poucos, atualmente. Trabalhem naquilo em que acreditam e aprendam com esses erros. É mais fácil chegar com algo para mostrar do que propriamente apenas e só com a licenciatura na mão e sem essa experiência de trabalho.