Estudou em Portugal, mas foi em França que o seu sonho se tornou realidade. Chegou aos palcos nacionais em 2016 com o objectivo de dar visibilidade ao mastro chinês. E, em certa medida, conseguiu. Eis Ricardo Paz na primeira pessoa.
Formação profissional
Aos 19 anos, teve o primeiro contacto com as artes circenses através do curso que tirou na escola Chapitô. Como descreve a sua passagem por esta escola? Acha que lhe abriu portas para o mundo do circo em Portugal?
Na escola Chapitô, pude descobrir e interessar-me por uma variedade de coisas e de áreas profissionais, e uma delas foi sem dúvida as artes circenses. Apaixonei-me de tal forma pela vertente artística do circo que comecei a treinar na escola várias vezes por semana. Sentia-me bem e realizado ao aprender toda aquela técnica, e isso transparecia para qualquer pessoa que me acompanhasse nos treinos.
Porém, não foi o Chapitô que me abriu portas para o mundo profissional, mas sim o meu investimento pessoal na minha formação fora de Portugal. Posso dizer até que, enquanto estudava na escola Chapitô, consegui entrar no mercado de trabalho com um coletivo, onde pude ver a disparidade entre o meio profissional e a formação que estávamos a ter na escola.
Quer dizer que a paixão pelo mastro chinês o levou para fora de Portugal. Como foi o seu percurso?
No Chapitô, comecei a treinar mastro sozinho, não havia professor, havia sim uma pessoa que já tinha algumas noções de como se agarrar num poste e fazer preparação física num poste. Este professor ainda é professor na escola, mas nunca chegou a formar-se no mastro chinês. Senti-me sempre muito sozinho, no que diz respeito a mentores que me ensinassem e a colegas, pois, quando alguém experimentava, achava logo muito difícil e desistia.
Quase no final dos três anos de curso, dois colegas disseram-me que queriam fazer a prova final de ano comigo e apresentar mastro chinês. Foi então, entre treinos e imensas conversas sobre perspetivas de trabalho, que nos apercebemos que, se quiséssemos seguir a área do circo, iríamos ter de sair do nosso país. Aproveitámos a altura do estágio do Chapitô para fazer um estágio fora, tivemos três meses de estágio em escolas estrangeiras para tentar perceber qual era o tipo de formação que mais se adequava e onde é que se trabalhava mais mastro chinês. Todo o meu percurso de estágio em França fez-me ter a certeza que, para ser um profissional no mastro chinês, tinha de estudar muito e fora de Portugal. Assim que acabámos os três anos de Chapitô, já tínhamos marcado as provas de acesso, fizemos os exames e acabei por ir para uma escola em Montpellier, no sul de França.
O mastro chinês
É profissional do mastro chinês há dois anos, uma técnica centenária e tradicional do circo chinês. Como surgiu o interesse por esta arte?
Surgiu depois de ter ido a Londres ver um espetáculo de uma colega, que estava a fazer a escola superior de circo em Londres, que se chamava Circus Space. Ela tinha um número de saída com uma amiga, onde havia dois mastros e duas mulheres. O número não tinha nada a ver com o mastro clássico dos chineses que é muito acrobático, quase ginástica. Elas faziam completamente o oposto, era tudo muito dançado e fluido, nada de incitação sexy ou erótica ao corpo da mulher. Então, foi aí que eu disse: vou fazer mastro chinês! Quando cheguei a Portugal, comprei um tubo e comecei a praticar no Chapitô.
O talento do Ricardo é fazer acrobacias num instrumento com seis metros de altura. Nunca temeu pela sua vida?
Todas as acrobacias que eu e outros profissionais do circo fazemos requerem muito treino, muitas horas de esforço, para que o número corra da melhor forma e que não haja imprevistos.
É óbvio que tenho a consciência que me posso magoar, mas uma pessoa que faz o que eu faço não pode pensar muito nisso, pois fica sem conseguir dar o seu melhor porque está bloqueada no medo e na insegurança. No dia em que tive medo de fazer mastro chinês foi das alturas piores da minha vida, foi logo após uma lesão. Isso fez-me parar, porque se tenho medo paro, não consigo. Estive parado um ano e meio, devido a uma lesão a praticar mastro, ainda na escola superior. Não era nada arriscado o que eu estava a fazer mas, mesmo assim, quebrei os ligamentos do pulso, fui operado e estive três meses parado. No ensaio geral da escola de circo, voltei a ter um acidente não provocado por mim e que danificou tudo o que o médico tinha feito. Foram momentos muito complicados, mas consegui voltar a praticar e estou muito feliz.
Os seus pais estiveram sempre de acordo com a sua decisão profissional?
Posso dizer que venho de um seio familiar em que me foi incutido fazer o que me faz feliz e o que me faz bem. Se não me sentisse bem a fazer algo, que me esforçasse para fazê-lo, porque me podia levar a fazer o que me faz feliz.
Quando cheguei ao pé dos meus pais e disse que queria fazer circo e queria fazê-lo na escola Chapitô, eles ficaram um pouco reticentes, pois nem a escola nem a área que eu queria seguir eram muito conhecidas ou bem vistas na altura. Acho que aceitaram a minha escolha porque perceberam que na escola Chapitô, a treinar na rua com os meus amigos ou mesmo fora de Portugal, eu iria perseguir e aplicar-me sempre naquilo que sonhava ser. Por isso, apoiaram-me. E quando viram o nível, a qualidade e o mercado de trabalho que há fora de Portugal, não tiveram medo por mim.
Got Talent
Tornou-se conhecido ao participar no programa da RTP Got Talent, do qual acabou por ser expulso pelos jurados no dia 13 Março. O que o levou a entrar neste tipo de programa?
A principal razão que me fez entrar no Got Talent foi a hipótese de poder divulgar o meu talento, poder mostrar que faço isto porque gosto e treino muito para conseguir chegar cada vez mais longe no mastro chinês.
O programa consiste numa competição e “encaixa” os concorrentes em certos parâmetros, do melhor para o menos bom. O meio onde venho não é de todo assim e isso foi o que mais me custou, porque todos estamos a concorrer para o mesmo, para sair do concurso com alguma visibilidade em relação àquilo que fazemos. Por isso, acho injusto uns saírem vitoriosos e outros não, se somos todos diferentes e talentosos em áreas completamente diferentes. Na altura em que concorri ao programa, disse para mim mesmo: “se ninguém foi à televisão mostrar mastro chinês feito por um português, eu vou fazê-lo agora, porque ainda tenho corpo, força e vontade para o fazer”. Senti que foi um alinhar de vontades, o corpo ainda está apto, a cabeça também, então vamos a isto.
Acha que a sua participação no Got Talent conseguiu dar a visibilidade que desejava ao seu talento, uma vez que é uma área profissional desconhecida para a maioria dos portugueses?
Ainda não consigo responder se o meu percurso no Got Talent deu-me a visibilidade que queria, pelo menos a nível profissional. Através das redes sociais e do contacto com as pessoas na rua, deu para perceber que o meu talento foi reconhecido. Porém, a maior parte das massas que vê aquele programa não são pessoas capacitadas para organizar as condições necessárias para que uma pessoa que faça mastro entre num espetáculo. Tenho de ser eu a ir atrás disso e usar mais as palavras e a atitude que acho que consegui demonstrar no programa, do que propriamente o número que apresentei.
O mastro chinês é uma arte que tem a capacidade de impressionar o público. Esperava que fosse suficiente para chegar às semifinais e ficar entre os três favoritos da noite, segundo a votação do público?
Quando vi os concorrentes que estavam comigo na gala, rapidamente percebi que não ia passar. Esperava e tenho a certeza que a minha qualidade de trabalho é suficiente para chegar à final, acho que os jurados também sabem disso, a produção também sabe, mas é um concurso televisivo. Por isso, não se trata só de qualidade de trabalho, mas também de mediatismo. Esperava chegar às semifinais, sim; ficar entre os três favoritos da noite, também; chegar à final, não. Mas gostava de ter passado, é claro.
Uma vez que as críticas sobre a sua atuação foram tão positivas, como se sentiu quando soube que o seu percurso no Got Talent tinha chegado ao fim?
O que senti foi, sem dúvida, desalento. Interroguei-me várias vezes o que ia fazer, qual era o caminho a seguir, onde é que ia poder mostrar o meu talento outra vez. Candidatei-me ao programa, mas estive sempre com a ideia de que, apesar do mastro chinês ser uma área atrativa e apelativa, capaz de atrair o público, era insuficiente para vencer um programa de televisão em Portugal. Posso dizer que uma pessoa da produção chegou ao pé de mim e perguntou-me: “Então Ricardo, satisfeito? Já foi bom chegares até aqui!” Limitei-me a responder que não estou nem nunca vou estar satisfeito e é isso que me faz não parar. O meu percurso não começou com o programa e não vai, sem dúvida, acabar por ter sido eliminado. Foi uma etapa de um trabalho, considero que ficou por mostrar muita coisa daquilo que posso fazer.
Perspetivas futuras
Voltou para Portugal para divulgar a sua arte. Futuramente pretende ficar no seu país?
Sim, a minha prioridade agora é ficar em Portugal e conseguir fazer parte de projetos no meio artístico. Gostava mesmo muito de poder juntar artistas de França com os nossos artistas. Tenho a certeza que era uma maneira de evoluirmos com esta troca de conhecimentos. Acho que dar aulas de mastro também podia ser uma alternativa, visto que não há professores de mastro chinês, mas há pessoas interessadas em ter uma formação profissional nesta área. Tenho muitas ideias que estou a tentar pôr em prática que passam todas por Portugal, por isso, espero mesmo que consiga fazer aquilo que mais amo fazer.
Se pudesse voltar atrás, escolheria na mesma ser acrobata de mastro chinês em Portugal?
Já estive num meio em que somos valorizados artisticamente, pessoalmente e financeiramente. Neste momento, ao tentar ficar em Portugal, tenho obrigatoriamente de pensar em fazer coisas na área artística, que é o que eu gosto de fazer, mas que me possam dar a possibilidade de fazer em simultâneo mastro. Neste momento, a única coisa que sei e que tenho a certeza é que, independentemente do meu percurso profissional, nunca vou parar de lutar pelo mastro chinês.