Hugo Alves, fotógrafo com pouco mais de 20 anos, já trabalhou com vários artistas de renome como Mishlawi, Richie Campbell, Plutónio ou Profjam. Devido à pandemia, hoje não pode realizar o seu trabalho. Em entrevista, fala sobre Cabo Verde e Espanha, os seus principais destinos profissionais, e a longa espera pelo regresso dos concertos.
Sei que esteve na Suíça (2016) e que foi ganhando proximidade à fotografia durante o tempo em que esteve por lá. Como ocorreu essa aproximação?
Estive na Suíça durante oito meses. A minha aproximação à fotografia começou porque a minha mãe tinha uma máquina fotográfica e eu não tinha aulas e não trabalhava. Estava apenas a tirar um curso de alemão, três vezes por semana. Posto isto, tinha muito tempo livre. Como vivia numa zona montanhosa e bonita, acabava por passear e tirar fotografias com a máquina da minha mãe e fui começando a interessar-me mais por fotografia. Não tanto relativamente à parte da edição, visto que, inicialmente, até editava no telemóvel, mas comecei a gostar de fotografia em si e a perceber que tinha algum ‘olho’ para fotografar.
Também sei que a fotografia já é uma paixão de família. O seu irmão mais velho é também ele fotógrafo e tem uma carreira consolidada. De que forma essa relação do seu irmão com a fotografia despertou o interesse e o alertou para esse mundo?
O meu irmão já é fotógrafo há muito tempo e lembro-me, desde miúdo, de gostar das fotografias dele. Ele, inicialmente, começou a fotografar surf e eu já tinha um certo gosto pelas técnicas dele, experimentava e mostrava-me. Depois, começou a fazer concertos com o Angélico e comecei a perceber como funcionavam as fotografias em eventos musicais, bem como a ter a perceção do que era “estar na estrada”. Mais tarde, quando voltei para Portugal, o meu irmão já tinha uma carreira consolidada e, quando comecei a viver com ele, iniciei-me na fotografia. O meu primeiro trabalho surgiu porque fui substituí-lo a tirar as fotografias numa passagem de ano com o Richie Campbell. O meu irmão foi quem me introduziu neste mercado dos eventos musicais e da fotografia, assim como me ensinou a “mexer” a nível de contactar com os artistas e a nível de organizar as minhas contas.
“O Youtube permitiu-me criar um espaço criativo meu, uma ideia criativa minha e aplicar isso no trabalho”
O Youtube foi um dos meios de aprendizagem e ajudou-o muito relativamente à fotografia. De que maneira a tecnologia se torna um “amigo”?
O Youtube e a Internet, em geral, já são uma forma de obter conhecimento dos mais diversos assuntos sem ter que pagar por um curso específico. Decidi explorar aquilo que havia disponível. Há muitos criadores de conteúdo que fazem tutoriais, que explicam algumas técnicas da fotografia, e acabas por conseguir ter inspiração de vários fotógrafos. O Youtube acabou por me passar vários conhecimentos que, na inexistência desta rede social, iria demorar muito mais tempo a adquirir. Apesar de ter a ajuda do meu irmão, sempre houve coisas que são mais individuais e têm a ver com o lado criativo de cada um, e o Youtube permitiu-me criar um espaço criativo meu, uma ideia criativa minha e aplicar isso no trabalho. Além disso, ajudou-me, principalmente, a perceber como funcionam as máquinas fotográficas, para que servem as funções e as ferramentas que uma máquina fotográfica oferece, também muito a nível de explorar os softwares de edição, que são muito importantes visto que a edição acaba por ser uma parte muito importante do nosso trabalho. Por muito que sejamos bons fotógrafos, temos sempre que ter sensibilidade cromática e criativa para, na edição, tornar as fotografias ainda melhores do que são originalmente.
Trabalhou em vários festivais nacionais como o Festival Iminente, o Sol da Caparica, o Its a trap, o Nos Alive, entre outros. Também já trabalhou em vários concertos individuais de artistas de renome como o Richie Campbell, o Plutónio, o Profjam, Luís Franco Bastos…. Qual é a maior diferença a nível profissional destes dois tipos de estrutura?
Existem várias diferenças. Primeiro, os festivais por si só já pressupõem que são vários artistas, ou seja, vais fotografar um concerto de uma hora e meia, mas a seguir tens mais um concerto que se pode prolongar por duas horas. Acabas por ter de fotografar muito e exige que tentes obter sempre um olhar diferente entre os artistas e entre os cenários, até porque alguns artistas têm cenários mais simples e outros mais aprimorados, uns recorrem mais ao jogo de luzes e outros menos. Acaba por ser muito desafiante a esse nível, principalmente porque tens que estar constantemente a libertar os cartões de memória e a substituir baterias. Então, acaba por ser necessário uma dinâmica maior por parte do fotógrafo. Relativamente a trabalhar em concertos individuais, principalmente “na estrada”, penso que seja muito importante o facto de começar a conhecer o artista que vais fotografar, já que, posteriormente isso reflete-se no teu trabalho. É diferente porque, num concerto individual, ao longo do tempo, começas a conhecer o alinhamento das músicas, começas a conhecer quais são os momentos do concerto onde é mais fácil captar a energia do público, onde este está mais hype e isso acaba por enriquecer também a fotografia.
Fazia parte da equipa de tour do Mishlawi e dos Instinto 26. Fale-nos um pouco dessas experiências.
Acho que a experiência mais marcante que tive foi quando fui fotografar no Sol da Caparica, em 2019. Fui o fotógrafo do Mishlawi e acho que foi, sinceramente, o melhor concerto dele que presenciei e também aquele que fotografei. Estava muita gente e faço uma grande ligação com o público, visto achar ser um elemento bastante importante da fotografia. Acho que as fotografias acabaram por sair muito boas por isso.
O facto desse concerto no Sol da Caparica ter sido um dos seus preferidos está relacionado com o facto de ser ao ar livre? Existe muita diferença em fotografar espaços fechados ou abertos?
Isso é uma boa questão. Normalmente, os ambientes fechados são espaços que não estão 100% preparados para acolher um concerto. Ou seja, já fotografei em muitas discotecas que são, de facto, grandes e têm um palco, mas a nível do espetáculo de luzes, que é uma parte importante do nosso trabalho, acaba por ser muito limitado. Penso que o espaço aberto tem como maior vantagem o facto de, efetivamente, estar ali uma estrutura toda montada e pensada para acolher um concerto, e isso acaba por beneficiar o meu trabalho. Portanto, acho que o trabalho ao ar livre sai melhor e é o que mais prefiro, além da vantagem da luz natural, evidentemente, que dá outro encanto à fotografia.
“Neste momento, não estou a fazer fotografia, até porque as condições assim o obrigam”
Existe algum artista que ainda constitua um “sonho” a nível profissional?
A nível nacional, talvez aquele que tivesse vontade maior de fotografar e de estar “na estrada” fosse o Regula, visto ser o artista português com quem mais me identifico. A nível internacional, talvez o meu artista favorito, que é o J. Cole. Gostava muito de fotografar um concerto dele ou, quem sabe, fazer uma tour, mas isso é um sonho muito grande (risos).
Muitos dos artistas que fotografou contrataram-no para fazer o trabalho. Existiu o contrário? Já convidou alguém para trabalhar consigo?
Já aconteceu, não propriamente convidar alguém para trabalhar comigo, mas já me disponibilizei para fazer as fotografias num concerto. Posso dizer que já conheço o Julinho e todos os elementos dos Instinto 26 há alguns anos, mas já não tínhamos uma ligação muito próxima e, em dezembro de 2019, salvo erro, eles iam dar um concerto em Lisboa, na Lisboa Games Week, e disponibilizei-me para ir fotografar esse concerto. Substituí o fotógrafo que costumavam levar. Graças a esse concerto, voltámos a estabelecer uma ligação e, nessa noite, convidaram-me para começar a fazer a tour com eles. A partir daí, comecei a trabalhar mais regularmente e a fazer todos os concertos com os Instinto 26. Infelizmente, este ano tínhamos muitos concertos marcados e com a situação da COVID-19 não temos data prevista de voltar ao trabalho.
Foi, portanto, uma ótima maneira de divulgar o seu trabalho.
Exatamente. Acredito que nós, enquanto artistas, não devemos fazer trabalhos de borla, mas também sou da opinião que, se certo trabalho nos irá dar uma recompensa muito maior a longo prazo, devemos fazê-lo. É muito fácil irmos trabalhar e receber 100 a 150 euros por noite a fazer fotografia, mas talvez de um concerto de borla possa surgir uma oportunidade que acaba por trazer muito dinheiro a médio e longo prazo. Este foi um desses casos. Estive a trabalhar a full time com os Instinto 26 desde dezembro de 2019 até março de 2020 e tínhamos a agenda cheia de concertos até outubro. Íamos continuar a correr o país inteiro, Açores, Madeira, até íamos para Cabo Verde e para Espanha. Infelizmente, foi tudo cancelado.
É freelancer, portanto trabalha de forma independente. A pandemia e a falta de concertos afetaram muito o seu trabalho?
Muito. Como estava a dizer, íamos entrar numa vaga de concertos muito grande, posso dizer que já iria receber muito dinheiro desses trabalhos a full time na estrada e, infelizmente, tanto para eles enquanto artistas, bem como para pessoas que trabalham apenas como técnicos de som ou técnicos de luz, como para mim, fotógrafo, a pandemia trouxe dificuldades. Neste momento, não estou a fazer fotografia até porque as condições assim o obrigam, mas assim que possível e que o Governo permitir, certamente voltarei a abraçar essa carreira e esse meu projeto pessoal que é a fotografia.