Partilham a mesma paixão pelo fado. A carreira de Jorge Fernando começou cedo e, hoje, é uma personalidade versátil: cantor, compositor e produtor. Destaca-se por ser um dos autores portugueses que renovou o fado. Fábia Rebordão é uma fadista que se preocupa com a inovação, mostrando ao público que tudo é possível: basta ter ambição. É uma referência para os jovens devido às suas influências musicais, que vão do soul ao blues.
Desde criança que começou a cantar fado com o seu avô, mas quando estava a passar pela adolescência fez parte de um grupo de baile chamado “O Futuro”, que tocava vários géneros musicais. Mais tarde, troca este grupo por um estilo musical diferente e tão tradicionalmente português: Fado. Qual foi o motivo para tal mudança?
Jorge Fernando: Todos temos as nossas características e o povo português é muito sentimental. Há uns que o assumem mais cedo e outros mais tarde. Penso que é esse traço caracterológico que temos e ao qual não conseguimos escapar que leva a que, mais tarde ou mais cedo, optemos pelo fado, que é aquele tipo de canção de verso relacionado com o traço dos portugueses. O segredo desta questão tem a ver connosco, com a nossa idiossincrasia.
Após ter decidido ficar pelo fado, ainda durante a adolescência, por volta dos 16 anos, teve a primeira experiência profissional ao escrever o tema “Boa noite solidão” para o fadista Fernando Maurício. Como foi escrever para o “Rei do Fado”, tendo em conta que ainda era tão novo e a sua carreira ainda não era sólida?
JF: Esse foi o clique para continuar. Quando, aos 16 anos, lhe mostro uns versos, ele diz-me que gosta e pede-me para os gravar. Para mim, foi das maiores honras e isso acabou por servir de input. Mesmo na minha adolescência, optaria sempre pelo fado em função da música que teria a ver com a minha idade, ou seja, música menos poética, e o grande culpado foi o Fernando Maurício.
Nos anos (19)80, a sua carreira enquanto compositor e músico solidifica-se. Durante esta década, participou duas vezes no Festival da Canção. Em 1983, interpretou “Rosas brancas para o meu amor” e, em 1995, volta a participar com o tema “Umbadá”. Ambas são músicas que têm estilos diferentes. Sentiu necessidade de adaptar o estilo de música ao gosto do público?
JF: É precisamente o contrário! Com “Rosas brancas para o meu amor” a “crítica” mandou-me para casa, porque o Festival da Canção não era nenhum ensaio para o fado, portanto, não estava ali para agradar ao público, mas sim para fazer o que sentia. Já com “Umbadá”, a crítica chamou-lhe de “lance” em África, porque ninguém tinha cantado aquele género de música em Portugal. Posso dizer que sentia uma voz dentro de mim que dizia “faz isto”, “faz aquilo”, essa voz que respeito e que está acima do meu ego, está apenas de acordo com a minha natureza, essa que busca, que pensa, que não gosta de estar parada e que me leva a fazer coisas novas, como o “Umbadá”.
“Decidi que teria de renovar o fado, mexendo na forma e não no conteúdo”
Foi considerado, na década de (19)90, um dos primeiros compositores a renovar o fado. Na entrevista que deu à “Notícias Magazine”, em 2016, foi-lhe perguntado o porquê dessa renovação, ao que respondeu: “Não sei. Tinha necessidade de renovar-me a mim mesmo. Eu já não estava no fado, estava noutro sítio qualquer.” Em que momento sentiu que a renovação do fado seria essencial para a sua carreira?
JF: Antes de pensar na renovação da minha carreira, pensei na renovação do fado, pois parecia que este estava numa água morna, nem quente, nem fria… não se mexia. Nessa altura, via as músicas tradicionais de outros países a renovarem-se e senti que o fado precisava disso, para que a minha alma pescadora, a minha constante procura de coisas novas, não se esgotasse e tivesse de partir para outro género musical. Para evitar isso, decidi que teria de renovar o fado, mexendo na forma e não no conteúdo. Posso vesti-lo de outra maneira – como vesti – mas tem de ter fado lá dentro.
Enquanto compositor é responsável por alguns dos maiores êxitos nacionais tais como “Terra d’água”, interpretado por Mariza, “Búzios”, de Ana Moura, “Morri por hoje”, de Fábia Rebordão, entre outros. Tendo em conta as caraterísticas das intérpretes, em que se baseia para compor as letras para cada uma?
JF: A letra e a música já andam a dançar dentro de mim! Quando a Fábia me pede um tema, estou a ouvi-la cantar dentro de mim, estou a seguir a voz dela e a descodificá-la e, nessa altura, sou o veículo de tudo aquilo e consigo compor letras e músicas que se adaptem à voz dela. A composição da letra flui naturalmente, mas não é quando quero. A dificuldade reside no facto de, se me pedirem para escrever um tema de um dia para o outro, não garanto que o consiga fazer, tenho que esperar pelas “dores de parto” e será através delas que a letra se compõe, logo, não tenho essa facilidade, mas invejo quem a tem!
“Levámos até ao fim o nosso objetivo, que foi fundir esses géneros musicais mantendo na sua essência o fado”
Jorge Fernando ajudou a lançar muitas carreiras, tal como a de Fábia Rebordão, que lançou, em 2011, “Fado a Oitava Cor”. No entanto, em 2016, lança o álbum “eu” e é notório que existe uma influência de diferentes referências musicais na letra das canções. O que a levou a adotar uma nova identidade musical para o segundo álbum, sendo este muito distinto do primeiro?
Fábia Rebordão: Desde criança que ouço música de géneros diferentes e todos eles se foram misturando dentro de mim. Para o segundo álbum, escolhi para produtores o New Max, o irmão dele e o Jorge, e esta parceria conseguiu descodificar tudo isto que estava dentro de mim. Estivemos todos em sintonia, levámos até ao fim o nosso objetivo, que foi fundir esses géneros musicais mantendo na sua essência o fado, mas, ao mesmo tempo, utilizar ritmos de soul, dando esta mistura musical de onde nasceu o “eu”.
Remetendo à adolescência, descobriu o gosto pelo fado aos 15 anos e começou a cantar profissionalmente nas casas típicas de Alfama, tais como a Taverna do Embuçada, Clube de Fado, entre outras. Aos 17 anos, integra o elenco de “My Fair Lady”, no Teatro Politeama. O que sentiu ao pisar o palco do Politeama?
FR: Não consigo descrever muito bem, porque era muito nova e não tinha noção das coisas, mas o teatro foi muito enriquecedor para mim. Não sou atriz, nem tenciono ser, mas foi importante porque um intérprete tem de interpretar o poema, tem de vesti-lo. Imagina, estou a cantar uma música de fado que fala de sofrimento, tenho de me vestir naquele fado e tenho de sentir aquele sofrimento. Também foi o teatro que me ajudou a entender outras linhas de canto e isso é uma das ferramentas que utilizo atualmente. Penso que fiz teatro na altura certa, talvez se fosse agora… não faria sentido.
Participou em 2003, com 18 anos, na segunda edição do programa “Operação Triunfo”, da RTP, sendo finalista. Nesta edição, o vencedor teria direito a participar no Festival da Eurovisão, no entanto não se conseguiu classificar para o primeiro lugar. Durante o seu percurso na “Operação Triunfo”, alguma vez sentiu que pudesse fazer parte da história do Festival da Eurovisão?
FR: Achava que durante a adolescência tinha de experimentar tudo o que queria e, então, decidi concorrer à “Operação Triunfo” e entrei. Nem sequer me passou pela cabeça poder ganhar. Estava ali para aprender, porque o programa era uma escola de música, tinha aulas diariamente, o meu trabalho era só música e era o que ambicionava. Em relação ao festival, nunca pensei nisso, até porque mais tarde tive vários convites, mas nunca os aceitei! Este festival nunca me aliciou, nunca foi um sonho poder fazer parte dele, apesar de gostar muito de ver.
“Quanto mais componho, mais desenvolvo essa prática e surgem ideias com mais espontaneidade”
Após a sua participação no programa da RTP, começou a ser conhecida pelo público e a sua carreira como fadista começa a surgir e a crescer. Em 2006, torna-se cantora residente da casa de fados Bacalhau de Molho, na casa dos Condes de Linhares, e por aí permanece algum tempo. Mais tarde, começa a trabalhar no seu primeiro álbum, que contém alguns temas escritos por si. Pode falar um pouco do seu processo criativo?
FR: Desde criança que escrevo. Na altura, nada que rimasse, nada de versos, escrevia desabafos, era muito trágica. Durante a quarentena compus imenso, já há muito tempo que não o fazia e, agora, quanto mais componho, mais desenvolvo essa prática e surgem ideias com mais espontaneidade! Eu não gosto de escrever letras ou fazer músicas soltas, gosto de fazer tudo ao mesmo tempo. Neste momento, se me pedirem para compor sobre um tema, penso e amadureço a ideia e vou construindo a música. Muitas vezes, sento-me e componho, se não sai à primeira, tento mais vezes até que saia.
JF: Que inveja! A Fábia escreve mais e melhor quando tem contratempos. Se, de repente, vir uma notícia que seja complicada, facilmente pega na caneta e compõe.
FR: Honestamente, gosto de escrever sobre a dor e a tristeza quando estou de fora, porque analiso sob outra perspetiva e escrevo de forma diferente do que se estiver a escrever sobre mim.
No programa de Fátima Lopes, “A Tarde É Sua”, em maio de 2020, adiantou que o terceiro álbum vai contar com muitas novidades e músicas compostas por si durante este período. Tendo em conta que há uma inovação musical do primeiro para o segundo álbum, o que podemos esperar deste terceiro?
FR: Outra inovação! Este disco está mais apurado, tem mais canções minhas e conto com compositores de que gosto. Introduzo coisas novas que arroja um pouco mais o disco, mantendo o fado. Neste disco, quero assumir-me como compositora.
JF: Este disco vai ao encontro da tua e da geração dela, levando a mensagem das músicas aos mais jovens, porque o que a Fábia escreve é muito importante e pode ajudar-vos a crescer. Apenas têm de saber ouvir o que ela diz.