Aqui, a criança é o ponto central de toda a aprendizagem. A metodologia usada na escola Os Aprendizes faz-nos refletir sobre os 12 anos de ensino obrigatório na escola mais próxima de casa. As experiências e as interações sociais são fundamentais na construção do conhecimento e competências de cada um.
Ainda não são 9:00h e já se ouve a correria dos sapatos apressados para o recreio da escola. “João, não leves o croissant para perto da cadela que ela vai comê-lo em três tempos!”, grita Andreia, uma das educadoras. À entrada da escola, veem-se caixas cheias de sapatos para serem trocados. Estão identificadas com os nomes das salas: ‘Navegadores’, ‘Salteadores’, ‘Sonhadores’.
Na escola Os Aprendizes, as crianças escolhem se querem trocar de sapatos ou se preferem andar descalços. É um método usado para que se assemelhe ao conforto de uma casa. Até todos chegarem, o dia começa no exterior. Lá fora o sol brilha e as vantagens de não usar sapatos trazem sensações de uma liberdade única: “Professora, a relva está molhada! Tenho os pés fresquinhos!”, diz Afonso, e nem o cão da escola desperdiça a oportunidade de se refrescar no chão. “É por coisas destas que estes miúdos raramente ficam doentes, o andar descalço, brincar na terra, apanhar chuva… cria defesas!”, lembra Sofia Borges, diretora da escola Os Aprendizes.
Nesta escola, o recreio é uma autêntica Disneyland para os mais pequenos: um trampolim, um campo de futebol, um parque de areia com engenhocas e uma caixa de terra com pneus são opções que as crianças têm à disposição. Como se isso não bastasse, há bonecos em todos os cantos, livros, trotinetes e skates… Todo o recreio rapidamente se torna uma pista de corridas e brincadeira entre todos.
Hora do conto
O relógio marca agora as 9:30h, a hora do conto. “Meninos, vamos todos lavar as mãos para poderem ir andando para as vossas salas”, relembra Andreia, a educadora da sala dos ‘Navegadores’, que admite que na escola não fazem diferença entre géneros ou idades: “As nossas salas são heterogéneas dos 3 aos 6 anos.”
Isto também se reflete na casa de banho na hora de lavar as mãos. Todos se juntam no mesmo espaço. Uns brincam com a espuma do sabonete, outros atiram água ao amigo do lado e até há quem se sente na sanita apenas porque sim. “Clarinha, já te disse que quando não temos vontade, não ficamos três horas na sanita à espera que caia do céu! Vamos lá andando para a sala”, diz Andreia.
Na sala dos ‘Navegadores’, a hora do conto começa com uma roda de almofadas que os meninos trouxeram de casa, e, rapidamente, se apressam para ocupar os seus lugares. Nas paredes estão desenhos das estações do ano, três prateleiras cheias de livros e até um coelho dentro de uma gaiola. Ninguém se atreve a fazer barulho porque já sabem que o dia não começa sem o ritual da música de bom dia cantada entre todos: “Bom dia, bom dia a toda a gente, eu hoje vim à escola e por isso estou contente! Já chegámos todos, mas que lindo dia, hoje é quarta-feira dia de alegria. Bom dia, good morning, bonjour, buenos dias!”
Para que não bastasse a diversidade de línguas, a cantiga é feita em linguagem gestual. “Fazemos questão de introduzir este conjunto de linguagens para promover a versatilidade e a boa comunicação entre todos”, conta Andreia. Com os olhos bem abertos e os ouvidos mais ainda, começa assim a hora do conto:
– “Ovelhinha, dá-me lã!”
– “Para que queres a minha lã?
– “Para fazer um casaquinho e ficar bem aconchegado, se tapar bem a barriga já não fico constipado.”
Andreia mostra o livro para todos. No final da história, finge-se desentendida e comenta necessidade de precisarmos de lã por ainda estarmos no inverno. “Não estamos, estamos na primavera!”, relembra Bernardo
– “Estava distraída, Bernardo! E é na primavera que nascem os frutos das flores. Laranjas, amoras, framboesas. Por falar em fruta, o que foi o vosso pequeno almoço hoje?”
Os dedos no ar são imediatos, mas é Martim que tem o direito à palavra: “Pão com manteiga de amendoim, e uma fatia de melancia!”. Logo de seguida, Afonso grita: “A minha melancia é maior que a tua!”, e, rapidamente, a educadora Andreia reforça a ideia de que nem sempre é o tamanho que importa: “Não interessa se é grande ou pequena, o que importa é o sabor!”
Esta frase pode ser usada como metáfora para o método de ensino utilizado na escola Os Aprendizes – High Scope e Waldorf; metodologias que prezam a individualidade de todos, fazendo realçar o que de melhor existe em cada um.
“Andreia, quero uma banana e pão, por favor!”
Terminada a hora do conto e conversas entre risos e piadas, é chegada a hora da fruta servida no recreio da escola. Num carrinho grande de duas rodas, estão três caixas cheias de fruta biológica das quais as crianças podem escolher entre maçãs, laranjas e bananas. Uma quarta caixa com pedaços de pão cortado em pequenos pedaços promove a alimentação equilibrada destes meninos.
Todos podem escolher uma peça de fruta juntamente com o pão, exceto as crianças intolerantes ao glúten. “Andreia, quero uma banana e pão, por favor!”, pede Rodrigo, que se apressa com o prato com a peça de fruta já escolhida, e senta-se nas mesas do recreio. Mesas redondas e rodeadas com cadeiras pequenas que são rapidamente ocupadas por todos, que comem com grande satisfação o lanche da manhã.
Aula de Educação Física
“Existem atividades extra como Inglês, Ioga, Música… Hoje, é dia de Educação Física com o Francisco. Aqui somos a Andreia, a Marta, o Francisco… Eles não precisam de me chamar professora para saberem que o sou”, reforça Andreia. As bandeiras já se encontram espalhadas na relva de forma a delimitarem um círculo no chão e o professor Francisco inicia, assim, o aquecimento e outros exercícios. “Leonor estica bem as pernas, não sejas preguiçosa!”
Arcos e bolas das mais variadas cores são distribuídos por todos. Depois de cada um ter escolhido o seu par, o desafio é tentar acertar com a bola dentro do arco. Nem as educadoras conseguem resistir a este duelo. No final da aula, o céu já se tornará um arco-íris com tanta bola a voar. “Cada um tem a sua forma de educar, mas é muito através deles [das crianças], através de investigação, de coisas que querem saber, assembleias de turma, projetos, etc.”, diz Francisco sobre o facto de a criança ser o ponto central de toda a aprendizagem.
Nesta escola, todo o trabalhado educacional tem como objetivo promover as potencialidades de cada um através de princípios como a tolerância, justiça, responsabilidade e autonomia.
Hora de almoço
Já com as mãos lavadas, a barriga destes aprendizes começa a dar horas. Sem mais demoras é chegada a tão esperada hora de almoço no refeitório da escola. Aqui, ninguém estranha o vermelho da sopa de beterraba ou o prato cheio de arroz verde de brócolos. A alimentação é equilibrada e nada que não seja biológico passa das portas da cozinha para dentro.
À volta de uma mesa já posta, pega-se primeiro nas mãos dos amigos do lado antes de se pegar nos talheres e canta-se um verso: “Obrigada, hortinha por esta comidinha, vamos todos comer para crescer, crescer, crescer!”
Depois da sopa, os mais despachados já estão a levantar o prato para entregar à Dona Emília, a copeira. Cada um serve-se do prato principal na proporção que achar melhor e os mais velhos também ajudam as educadoras a dar a comida aos mais novos. “Afonso, tens que encher o garfo com um bocadinho de cada coisa, se não só saímos daqui no Natal!”, reclama Andreia, entre risos.
Já no final do almoço, entre as últimas garfadas e arrumação do resto da loiça suja, Lua, a cadela da escola, namora este aliciante menu através da janela que dá para o recreio com olhos de quem, se pudesse, devorava tudo sem sequer mastigar!