Licenciado em Música, Vicente Valentim alterou o rumo da sua carreira e tornou-se no mais recente vencedor do prémio Jean Blondel, atribuído à melhor tese de doutoramento em Ciência Política escrita na Europa. Defensor da importância dos jovens para a manutenção e evolução social, este leiriense de 31 anos é, além de investigador, professor na conceituada Universidade de Oxford.
Licenciou-se em Música [variante de Jazz, na Escola Superior de Música de Lisboa], mas decidiu continuar o seu trajeto académico numa esfera distinta, a Ciência Política. O que o levou a abdicar do setor artístico?
Tinha uma grande dúvida quando acabei o Ensino Secundário. Não estava seguro se queria seguir uma carreira artística ou se preferia continuar o percurso académico na área das Ciências Sociais. Decidi arriscar e licenciei-me em Música, contudo, visto que este ramo é bastante competitivo, senti que não ia conseguir atingir o nível que desejava. Quando me apercebi que tinha de seguir outro caminho, a escolha foi óbvia: Ciência Política. Sempre tive interesse por esta área, tendo sido isso que me motivou a realizar durante a licenciatura algumas “cadeiras” [unidades curriculares] que pertenciam ao plano de estudos desta ciência. Gostei bastante da experiência, por isso, na altura de escolher o mestrado, mudei. O resto é História, como se costuma dizer.
Foi o primeiro português a vencer o prémio Jean Blondel atribuído pelo European Consortium for Political Research à melhor tese de doutoramento europeia no âmbito da Ciência Política. Prevê que esta conquista permita o reconhecimento dos investigadores portugueses no meio académico?
Não sei se o prémio terá um efeito dessa dimensão. Porém, se pudesse contribuir para o aumento da visibilidade dos investigadores portugueses na área da Ciência Política, ficaria muito feliz. Existem cada vez mais pessoas em Portugal a realizar trabalho de qualidade. Logo, considero que o reconhecimento atribuído à minha investigação acaba por ser fruto do crescimento da qualidade deste campo científico no nosso país. Ainda assim, não posso afirmar que a minha conquista seja causa de algo no futuro. Mas vamos aguardar.
A sua pesquisa fundamentou-se numa metodologia bastante particular: a contagem de bandeiras nacionais nas fachadas dos edifícios. Porquê este método de investigação?
Curiosamente, esse método está apenas inserido num capítulo da tese. No entanto, devido à ênfase atribuída pela comunicação social, a contagem das bandeiras ficou bastante ligada à investigação. Tendo em conta que estava a analisar as alterações das percepções sociais relativamente ao que é ou não aceitável num contexto democrático, foi do interesse da minha equipa de trabalho tentar compreender de que modo ocorreram mudanças nas perspectivas coletivas. Assim, verificámos que em Espanha estava a suceder um fenómeno fora do comum: o aumento exponencial de bandeiras nas fachadas dos edifícios. Dado que a bandeira, por si só, era estigmatizada como um “símbolo” do período ditatorial espanhol conhecido como “Franquismo”, decidimos que seria benéfico tentar perceber em que medida se deu a normalização de um objeto conotado de forma negativa no contexto histórico de uma nação. Aliado a isto, a originalidade da metodologia tornou-se um motivo adicional para avançarmos com a ideia.
“As pessoas começaram a sentir-se mais à vontade para exprimirem os seus pensamentos. Anteriormente, tinham receio das consequências sociais e até laborais que poderiam sofrer”
Analisou os efeitos das modificações das normas sociais e o emergir de partidos de extrema-direita nos parlamentos europeus, concluindo no seu estudo que os pensamentos antissistema estão a tornar-se cada vez mais legítimos. Que motivo considera ser relevante para a revalidação social de ideologias extremistas?
Queria primeiro destacar que a metodologia da contagem das bandeiras não está, de todo, relacionada com a direita radical. Na parte em que abordamos a legitimação das ideias extremistas, constatámos que um dos fatores fulcrais para a validação social desse género de ideologias resumiu-se ao sucesso de partidos de caráter radical. Ou seja, o parlamento acabou por lhes conferir um “selo” de aprovação social. Posto isto, as pessoas começaram a sentir-se mais à vontade para exprimirem os seus pensamentos. Anteriormente, tinham receio das consequências sociais e até laborais que poderiam sofrer.
O que pode ser feito para impedir o crescimento de doutrinas políticas que põem em causa os valores democráticos?
Uma forma segura de dificultar o crescimento de partidos extremistas seria compreender as razões que levam os seus apoiantes a deterem esses pensamentos. Tendo em conta que a maioria dos problemas apresentados por partidos de extrema direita provêm muitas vezes de percepções de corrupção política, ansiedade em relação a migrantes, entre outros, seria muito mais eficaz combater estas visões negativas face ao sistema democrático, do que travar ou bloquear partidos radicais. Até porque, essas são soluções que agem sobre as consequências. Não devemos impedir que as pessoas expressem determinadas ideias, mas sim garantir que elas não as têm.
De acordo com um estudo da Universidade Católica de Lisboa sobre a participação política juvenil em Portugal, 89,6% dos jovens já votou e 69,5% discute sobre assuntos políticos. Acredita que o estigma generalizado no que diz respeito à pouca participação juvenil na vida política está em conformidade com a realidade atual?
Apesar de não estar a par desse estudo, quero acreditar com base nesses dados que os mais novos estão a interessar-se cada vez mais pela vida política. O que é bastante positivo. Não só por a população juvenil ser uma parcela social que não deve estar excluída, como também pelo facto de isso indicar que os níveis de abstenção irão continuar a descer. No fundo, isso mostra que estamos no bom caminho para o fim do estigma social que existe em torno dos jovens e da política. Além do mais, um conjunto de estudos já comprovou que as primeiras experiências políticas das pessoas são muito determinantes para aquilo que farão no futuro. Portanto, significa que se os mais jovens participarem, votarem e discutirem questões da atualidade existe a tendência para que mantenham ativamente esses hábitos.
Os media costumam recorrer ao termo “jovem deputado” para descrever um político que se encontra numa faixa etária inferior à maioria dos seus colegas. Considera que esta expressão possa amplificar a concepção social de que os jovens não se interessam por política?
É uma boa pergunta. Considero que seja bastante plausível, dado que normalmente usa-se esse género de adjetivos para marcar algo que é diferente do comum, até porque não é utilizada a expressão “o deputado de meia idade”. A partir do momento que se diz um “jovem deputado”, por oposição àquilo que é um deputado “normal”, significa que ser jovem e deputado não é compatível. Por isso, é coerente questionar até que ponto é aceitável continuar a transmitir essa representação.
É investigador e professor de Estatística na Universidade de Oxford. Dado que a desvalorização da carreira docente se encontra atualmente em debate, qual a importância da Educação na vitalidade de uma sociedade?
As Ciências Sociais têm vindo a mostrar que a Educação é o fator que importa praticamente para tudo. Importa para as pessoas arranjarem emprego, terem hábitos de vida mais saudáveis e até para participarem de forma mais consciente na política. Investir na Educação torna-se a melhor forma de garantir a qualidade da democracia. Posto isto, julgo ser bastante preocupante a desvalorização da carreira educativa. Os docentes são de certo modo o pilar de uma sociedade democrática. Logo, devemos exigir que as suas funções sejam devidamente reconhecidas.