Prescindir do consumo de alimentos de origem animal é uma opção cada vez recorrente, em Portugal. No entanto, será esse o regime alimentar mais saudável? As dúvidas são constantes.
Para alguns, ser vegetariano ou vegan pode parecer o mesmo, pois as opções alimentares são de bases semelhantes. Porém, diferem principalmente numa questão de posicionamento. Uma pessoa que é vegetariana exclui, por completo, qualquer alimento que de alguma forma provoque sofrimento e a morte de um animal. Há, no entanto, que destingir três grandes grupos na dieta vegetariana: ovo-lacto-vegetarianos, sendo este o mais comum, que consomem ovos, leite e produtos lácteos, lacto-vegetarianos, os quais incluem o leite e os produtos lácteos, e os vegetarianos estritos. Estes excluem qualquer produto animal, carne, peixe, aves, ovos, leite e produtos lácteos.
Já o veganismo é muito mais do que aquilo que se come. Ser vegan é excluir todo a alimentação que provenha de origem animal, assim como os derivados, tendo uma alimentação 100% à base vegetal. Estes excluem também roupa, sapatos, produtos de higiene e detergentes que tenham propriedades animais ou que tenham sido testados nos mesmos. Assim como não frequentam qualquer lugar onde se pratique a exploração animal, como as Touradas.
Portugal cada vez mais vegetariano
Portugal não fica indiferente a estes regimes alimentares. Em 2017, a Associação Vegetariana Portuguesa (AVP) juntamente com a AC Nielsen realizou um estudo em que afirma que 120 mil portugueses são vegetarianos, valor esse que quadruplicou numa década. Já 60 mil são vegans, duplicando o número desde 2007.
Tendo por base os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2019, cada português consumiu em média 119 Kg de carne. Em relação ao consumo de peixe, segundo a Organização da Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), Portugal é o terceiro consumidor mundial de peixe. Consumimos mais de 55 Kg de peixe per capita por ano, mais do dobro da média dos cidadãos europeus.
É importante salientar que, segundo a APV, o número de restaurantes e cafés especializados nesta cozinha aumentou cerca de 514%, entre 2008 e 2018, assim como a oferta destes produtos em grandes superfícies. Rafaela Brito, 23 anos e vegan desde abril de 2018, partilha a sua experiência desde que decidiu optar por um estilo de vida mais sustentável: “O caminho tem sido positivo. Em termos de variedade de restaurantes veganos, vê-se cada vez mais para todos os gostos, uns mais de fast food, outros mais saudáveis. Restaurantes ditos ‘normais’ com opções também estão melhores. Por vezes, não há é uma diversidade muito grande de opções para veganos”.
Alimentação com consciência
Segundo a APV, a maioria das pessoas que opta por se tornar vegetariana ou vegan fá-lo como forma de evitar a morte de animais, pois consideram a mesma desnecessária. No entanto, há quem também o faça por problemas de saúde, crenças espirituais ou religiosas, entre outros motivos.
Para alguns, é um processo lento e, por vezes, um pouco doloroso e para outros normal e fluido. Ana Ramalho, 50 anos, vegetariana desde 2016, descreve a sua opção de seguir o vegetarianismo como um processo bastante fácil: “Um dia meti na cabeça que não ia comer mais carne nem peixe e assim foi. No entanto, não consigo resistir a um bom queijo e tornei-me uma lacto-vegetariana. De resto, nunca me passa pela cabeça voltar a hábitos alimentares antigos.”
Já Rafaela Brito tornou-se vegan pelo amor que desde sempre nutriu pelos animais. Não fazia sentido comer seres pelos quais nutria afeto, o que a motivou. “A mudança não foi difícil. Ao início, tive algum receio porque não sabia como poderia ter esta alimentação, mas é apenas uma questão de hábito e de informação. Aderi a grupos no Facebook em que tinham imensas pessoas veganas e percebi que era algo fácil.”
Regimes alimentares equilibrados
Quando se fala em iniciar o processo de mudança para uma dieta vegan ou vegetariana, é necessário ter consciência que algumas alterações devem ser implementadas, de forma a não prejudicar a saúde e o bem-estar. Rita Nunes, nutricionista, recomenda a quem quer iniciar este processo que perceba que as mudanças têm de ser graduais e não repentinas: “O organismo tem de se habituar a este novo regime, fazendo as alterações certas na mudança de hábitos alimentares. É importante ainda que as pessoas saibam que podem sempre voltar ao regime anterior. E que não é de um dia para o outro que eliminam muitos dos alimentos que faziam parte do seu dia a dia. O tempo e a habituação são pontos chave para a mudança.”
De uma forma geral, as pessoas acusam os vegans de não se alimentarem da melhor forma e de terem falta das proteínas e vitaminas que se encontram nos produtos de origem animal. Rita Nunes garante que “se a dieta for adaptada e ajustada a cada um não haverá problema, desde que cumpram com algumas substituições. Há várias opções, uma vez que podem variar entre as leguminosas (feijão, grão, lentilhas), assim como a soja, o tofu, o seitan, entre outros. Cada vez há mais opções”. A nutricionista aconselha ainda a “aderir ao consumo de alguns suplementos vitamínicos como vitamina B12 e ferro, como forma de compensar a falta daquele que consumiriam nos produtos de origem animal”.
Rafaela Brito recorda como os benefícios do estilo de vida vegan foram imediatos: “Quando me tornei vegana, emagreci e fiquei mesmo muito feliz. Senti-me bem comigo e com o meu corpo. Notei também que comecei a comer mais porque conheci imensas comidas e variedades, como doces e tudo mais. No entanto, não engordei como era hábito. Penso que o meu metabolismo mudou e ainda bem. Comecei a sentir-me mais energética.”
Em defesa de um mundo sustentável
Segundo a AVP, “evitar o consumo de carne e lacticínios pode reduzir a sua pegada ecológica em quase três quartos”. Um estudo realizado pela mesma associação sobre a prática da pecuária apresenta este setor como uma das atividades humanas mais problemáticas para o ambiente, pois consome água, pesticidas, combustíveis fósseis, entre outros, em quantidades muito elevadas, sendo a principal causa da destruição das florestas tropicais e outras áreas naturais. A partir daí, resultam mais impactos no ambiente, como a extinção de espécies, escassez e a contaminação das águas, desertificação, efeito estufa, entre outros.”
Com base num estudo da Universidade de Oxford, se retirarmos o consumo de carne e lacticínios da nossa dieta, podemos reduzir a pegada ecológica até cerca de 73%, assim como sucessivamente o uso das terras agrícolas poderia diminuir para 75%, que em termos comparativos representaria uma área equivalente ao tamanho dos Estados Unidos da América, China, Austrália e Europa, todos juntos.
Uma vida assente na sustentabilidade exige algumas mudanças. “Faço o meu papel. Aliás, foi com vista num mundo mais sustentável que me informei e acabei por me converter ao vegetarianismo. Atualmente, também não dispenso a reciclagem e coloquei o plástico completamente de lado na minha vida. Só uso o estritamente necessário. Este é o nosso planeta, só temos um e um dia pode ser tarde demais”, conclui Ana Ramalho.