António José de Brito iniciou a carreira no Porto com o grupo Pop Five Music Incorporated, mudou-se para Lisboa aos 18 anos, integrando o Quarteto 1111. Viveu em Londres para escapar à guerra colonial, fez parte dos Green Windows e dos Gemini. Com várias participações no Festival da Canção, foi também produtor na Polygram e BMG. Atualmente, faz parte da administração da Sociedade Portuguesa de Autores. Nesta entrevista, fala sobre o seu longo percurso, a (nova) paixão pela escrita e os sonhos que ainda tem por realizar.
O seu percurso começou cedo, no Porto. Lembra-se do momento em que percebeu que a música seria a sua vida?
Lembro-me de ter pensado «eu quero que isto seja a minha vida», mas não tinha a certeza se iria conseguir. Comecei a aprender piano aos oito anos, mas desisti por ser muito complexo. Aos dez, comecei a tocar viola e, aos 15/16 anos, formei um grupo, o Pop Five Music Incorporated, com amigos. Em 1969, com 18 anos, o José Cid convidou-me para integrar o Quarteto 1111, em Lisboa, o que mudou a minha vida. A partir daí, percebi que não queria estudar mais e decidi ser músico, contra tudo e todos.
Como é que se sentiu ao deixar tudo para trás e mudar-se sozinho para uma cidade nova?
Tinha 18 anos, mas a mudança para Lisboa não foi tão difícil quanto esperava. O meu pai e os meus irmãos também se mudaram para lá. Então estive sempre perto da família. Aluguei um apartamento em Cascais, mas deixei para trás os meus amigos de infância e adolescência no Porto. Mas as pessoas do grupo, o José Cid, o António Moniz Pereira e o Michel Silveira, eram todos mais velhos do que eu e integraram-me, ajudando-me em tudo, o que tornou a mudança mais fácil.
Durante a ditadura, a censura era forte e a liberdade de expressão limitada. O Quarteto 1111 foi um grupo que se destacou, apesar do regime repressivo. Como é que foi fazer parte do grupo nessa altura?
Em 1970, lançámos um álbum que foi proibido pela censura da PIDE. Embora o grupo fosse famoso e respeitado, éramos vistos como perigosos pelo regime. Viajar para Londres, Paris e Madrid mostrou-nos que Portugal estava muito atrás do resto da Europa. Não podíamos apoiar o regime e, para evitar problemas, criámos os Green Windows e escrevemos outras canções para ganhar dinheiro. Tudo era bonito, mas a situação económica era difícil.
Após três anos no Quarteto 1111, em 1973 decidiu ir para Londres. O que o levou a partir?
Estive três anos com o grupo, de 1970 a 1972. Quando chegou a hora de incorporar o serviço militar, percebi que ia parar no ultramar. Havia a possibilidade de ficar no serviço “Alerta Estar”, onde estavam músicos e artistas de teatro, mas como tínhamos canções proibidas pela censura, não foi possível. Então, disse-lhes que tinha de me ir embora. Fui para Londres, onde estive durante três anos. Fiz pouca música, pois a música portuguesa não despertava muito interesse lá. Mesmo assim, criei algumas canções com a Daphne, uma cantora portuguesa. Estudei Psicologia, trabalhava durante o dia e estudava à noite. Londres era incrível, mas sentia muitas saudades de Portugal, dos amigos, da família e do bom tempo. Esperei que a minha filha mais velha nascesse, antes de voltar. Não fazia sentido voltar a meio da revolução, era um período incerto e inseguro. Em outubro de 1975, regressei a Portugal e fiz a tropa normalmente.
Quando voltou, Portugal estava diferente. Era um país mais próximo daquilo que sonhava?
Demorou a lá chegar… As forças armadas eram cruciais e fundamentais para o equilíbrio deste país, mas estavam divididas. Havia uma fação mais à direita, outra mais à esquerda, e ambas lutavam pelo poder. O ano de 75 foi um ano muito agitado. Eu ainda estava a fazer o serviço militar nessa altura. Fiquei na dúvida se voltava para Inglaterra, ainda ponderei, mas não voltei. Se Portugal não desse certo, eu não queria cá ficar. Felizmente, deu certo a partir de 1976.
Pouco tempo depois do seu regresso a Lisboa, formou os Gemini, um grupo que conquistou o público com músicas como “Dai-li-dou” levada também ao Festival da Canção em 1978. Sentiu que a música portuguesa era finalmente livre?
Em 1975, o país estava livre e politizado, mas decidimos seguir outro caminho. Após discos proibidos, como o “Som de Som”, que saiu após o 25 de Abril, optámos por algo diferente. As pessoas estavam saturadas de músicas políticas, então criámos algo mais alegre. O primeiro disco do Gemini, “Pensando em Ti”, foi um sucesso, vendendo mais de 50 mil álbuns. Durante três anos, seguimos essa abordagem.
Passar pelo Festival da Canção foi uma experiência única. Quando me mudei para Lisboa, em 1969, estava distante da música portuguesa, cantava em inglês com os Pop Five. Só ao entrar no Quarteto 1111 é que comecei a escrever e a compor em português, o que mudou a minha visão sobre a música em Portugal.
“O meu objetivo nunca foi ser uma estrela, mas fazer música”
Além de músico, tornou-se num nome forte nos bastidores da indústria. Como é que foi passar de artista de palcos a descobrir e a lançar outros talentos?
Comecei sem grandes planos, apenas com o desejo de viver da música. Já disse que, se necessário, tocaria em casinos ou orquestras. O meu objetivo nunca foi ser uma estrela, mas fazer música. Surgiu uma oportunidade inesperada: tinha escrito para artistas como Carlos de Carmo, Simone de Oliveira e o Carlos Pinto, da PolyGram, convidou-me para diretor de A&R. Aceitei, pois isso não me impedia de continuar a compor. Gravei álbuns em 83 e 87 e, esporadicamente, escrevia para mim. Fui subindo na indústria, tornando-me vice-presidente da PolyGram, depois presidente da BMG e, por fim, da Universal, sempre com foco na música.
Escreveu para tantos artistas icónicos e fez tantas músicas diversificadas e memoráveis. Quando as escrevia já pensava em quem as iria cantar?
Nunca escrevi para a gaveta. Nos anos 80, artistas como Carlos de Carmo, Adelaide Ferreira, as Doce e Dina pediam-me canções. Perguntava sempre o que queriam cantar e, quando não os conhecia bem, ouvia o que já tinham feito. Era importante perceber o estilo, a voz e o público de cada um. Escrevi muitas canções para mulheres e conseguia colocar-me no seu lugar, o que resultava em sucesso. A minha preocupação era sempre com a pessoa e com o público, garantindo que a canção encaixasse no percurso do artista.
Em 2023, lançou TozéCid com José Cid, recordando temas do Quarteto 1111. Ao cantar esses temas tantos anos depois, sentiu que o tempo tinha mudado o significado das canções?
O significado das canções manteve-se, mesmo com o tempo. Escritas durante a ditadura, abordavam a guerra colonial e a emigração, temas muito presentes na juventude da altura. Criticávamos o regime, dizendo que a guerra não fazia sentido, e falávamos da emigração. Embora a carga política tenha desaparecido, esses temas continuam válidos. Algumas canções ainda estão em plataformas como Spotify e YouTube, mas muitas perderam-se, por isso decidimos regravar. O processo demorou cerca de dois anos, foi feito sem pressa. O álbum é um documento histórico, uma memória de um tempo difícil. Embora a emigração continue atual, as razões mudaram, como a falta de trabalho e habitação. As canções sobreviveram e permanecem relevantes.
Em 2023, foi condecorado com o Grau de Comendador da Ordem do Mérito? O que representou para si?
Foi uma surpresa. Embora os prémios não sejam importantes, são um reconhecimento. A condecoração trouxe responsabilidade e fez-me refletir sobre o meu trabalho e comportamento. As pessoas passaram a olhar com mais respeito, mas é sobre o trabalho feito. Com mais de 500 canções e sucesso é gratificante ver que o trabalho perdura. Aceito convites, como o recente para o Coliseu do Porto, mas agora sou mais cuidadoso com o que digo e faço.

“A música hoje é feita para a performance ao vivo, ao contrário de antigamente”
Como é que vê a evolução da música portuguesa ao longo das décadas?
Hoje há muitos músicos com qualidade, talvez mais do que na minha época, devido à democratização da música pela internet. Qualquer um pode gravar em casa e publicar nas plataformas, mas isso também torna mais difícil descobrir talentos, pois há tanta coisa que nem sempre sabemos onde procurar. No passado, as editoras garantiam visibilidade aos artistas e um disco nas rádios. A música tinha um impacto massivo, especialmente com programas como o Festival da Canção, onde milhões de pessoas viam os artistas. Hoje, com tantos canais e plataformas, as audiências são menores e a música é consumida como fast food, com lançamentos constantes. A grande diferença é que, no passado, um álbum durava dois anos e um artista tinha de dar tudo naquele trabalho. Agora, é mais fácil lançar novas músicas constantemente, o que desloca o foco para os espetáculos ao vivo, pois a venda de discos praticamente desapareceu. A música hoje é feita para a performance ao vivo, ao contrário de antigamente, em que gravar bons álbuns e passar nas rádios era a chave.
Olhando para trás, faria algo de diferente? Arrepende-se de algo?
Olhando para o passado, há coisas que faria de forma diferente. Na altura, chegava a escrever dez ou quinze canções por mês para vários álbuns. Hoje, acredito que uma média de uma por semana seria excelente. Tinha prazos apertados e escrevia até cinco canções para um álbum em pouco tempo. Agora, teria mais calma e escreveria menos, pedindo ajuda se necessário. Mas, em termos de decisões importantes, não mudaria nada.
Depois de tantas décadas de sucessos e conquistas, ainda há sonhos por concretizar?
Temos de ter sempre mais sonhos do que saudades. Quando estiver a olhar mais para trás do que para a frente, paro e reformo-me. Hoje, os meus sonhos não estão tão centrados na música. Parei de escrever canções por um ano e, em 2024, escrevi um romance, que será publicado em breve. O feedback tem sido positivo e estou muito satisfeito. Estou também muito envolvido na SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), onde sou vice-presidente, mas continuo a escrever e a viajar, além de me dedicar ao golf, que pratico há 40 anos. Valorizo a tranquilidade e a organização, porque a escrita exige disciplina. Embora tenha convites para sair, prefiro focar-me no meu trabalho. Hoje, terminar uma página é mais gratificante do que ir a uma festa. A vida tem momentos para tudo e agora é o momento de me focar nos meus sonhos e no prazer da escrita.