Jornalista desde 1990, Nuno Farinha iniciou carreia no jornalismo na Gazeta do Desportos. Atualmente, é diretor-adjunto do Record e um assumido fã do Barcelona.
Nuno, sei que começaste a fazer jornalismo na Gazeta dos Desportos, nos anos 90, mas a paixão deve ser mais antiga. Como é que o jornalismo surge na tua vida?
Foi uma paixão descoberta por acaso. Numas férias de 1989 e sem nada para fazer, apareceu a oportunidade de ir trabalhar temporariamente para a Gazeta dos Desportos. Jogava no campeonato distrital, era o meu primeiro ano de sénior no Damaiense e, na altura, já se procurava arranjar algum dinheiro em períodos temporários, enquanto não trabalhávamos e continuávamos a estudar. Foi-me dada a oportunidade de, nesse verão, ir trabalhar para a Gazeta como estafeta, oportunidade que agarrei na primeira hora. Em primeiro lugar, permitia-me, de facto, ganhar algum dinheiro que era o objetivo naquela altura e, depois, iria ter o contacto direto com aquilo que já era, como disseste, uma paixão, que era o desporto. Ter a possibilidade de contactar diretamente com quem fazia os produtos e os jornais foi muito bom e, como já esperava, uma paixão que veio de trás acentuou-se exponencialmente a partir do momento em que tive a oportunidade de ver como funcionava uma redação por dentro e que vida louca era esta dos jornalistas. Ainda me lembro perfeitamente, nas primeiras semanas de trabalho, de ter visto lá na redação jogadores de futebol a entrarem para ir dar entrevistas. Foi como poder conciliar o melhor de dois mundos: estar no jornalismo, uma paixão paralela ao desporto. Gostava muito de desporto, sobretudo de futebol, confesso. Sofro do mesmo mal da maioria dos portugueses: gosto muito de desporto, mas futebol acima de tudo. Mas também já gostava muito de ver os jornais. Havia nos jornais um lado misterioso, foi aí que se fez aquele “clique”.
Foi como poder conciliar o melhor de dois mundos: estar no jornalismo, uma paixão paralela ao desporto.
Analisando a tua carreira profissional até ao momento, posso constatar que tudo começou no jornalismo desportivo, mas não foi sempre neste meio que trabalhaste. As passagens pelas revistas Nova Gente, TV 7 dias e TV Guia marcaram, também, o teu percurso enquanto jornalista. Os cargos exercidos nestas revistas foram, de alguma forma, importantes para a função que exerces hoje em dia?
Sim. A chegada a essa área do jornalismo, jornalismo mais leve, semanal é completamente diferente, tendo em conta que agora me encontro num jornal diário. Aconteceu por acaso, a vida é feita de acasos. Estava na Gazeta e há uma altura em que nasce um novo jornal desportivo O Golo, um ressurgimento de um jornal que já tinha existido nos anos 70. Em 1993/94, ressurge como projeto semanário e sou convidado a sair da Gazeta para integrar esse projeto. Não correu bem, durou apenas um ano. Mas a Impala (empresa detentora do projeto) não quis despedir ninguém e reintegrou as pessoas em diferentes projetos da empresa e fui integrado na Nova Gente. Pensava que ia ficar ali muito pouco tempo, era só até haver oportunidade de voltar rapidamente ao desporto. Mas a realidade é que trabalhei com gosto em descobrir um mundo diferente. Também gostava muito de televisão e, de alguma forma, gostei de contactar com aquele mundo. Saí rapidamente da Nova Gente e passei para a TV 7 Dias, e na TV7 dias ainda com 26 anos, fui convidado para ser chefe de redação e, para mim, assumir um cargo desta responsabilidade com esta idade foi muito importante. Foi assumir responsabilidades muito cedo, sentir que exercíamos funções já para além daquilo que era o jornalismo puro e duro, só ter a preocupação de escrever e fazer a noticia. Percebi: “Ok, há aqui alguém que tem de pensar isto de forma mais integrada e ter um pensamento coletivo” e gostei da experiência. Com 27 anos, fui convidado para ser diretor e o peso da responsabilidade não me preocupou, até achei aliciante, talvez porque as coisas foram sempre correndo bem, os objetivos foram sempre cumpridos. Sendo ainda tão jovem, poderia ter desmoralizado, caso as coisas não corressem bem, mas a realidade é que, talvez porque foi correndo bem, achei que era interessante agarrar a oportunidade.
Quando começaste a tua carreira no mundo jornalístico, ambicionavas chegar à direção do maior jornal desportivo nacional?
Não, nem de longe, nem de perto. As coisas foram acontecendo naturalmente, apenas pensava no dia seguinte e que a área desportiva era onde queria trabalhar. Pensava para mim: “Oxalá, possa ficar aqui por muitos anos”. Nunca pensei em responsabilidades tão altas no jornalismo. Naquela altura, era o tempo dos príncipes do jornalismo, de nomes como Alfredo Farinha, Vítor Santos, Carlos Pinhão, Santos Neves. Achava que aquilo era como estares no Barcelona, teres 18 anos e olhares para aquela constelação de estrelas, e pensares “nunca vou lá chegar”. Nunca me passou pela cabeça chegar ao jornal líder da imprensa desportiva em Portugal. Aliás, para mim, chegar ao Record, na altura, já seria muito bom. Chegar à direção, nunca me passou pela cabeça.
“Nunca pensei em responsabilidades tão altas no jornalismo. Naquela altura, era o tempo dos príncipes do jornalismo”
Nuno, és um fã assumido do Barcelona. A criação de um blogue onde dás a tua opinião sobre os vários momentos da equipa catalã foi também uma forma de estares mais próximo do leitor? São apenas Portugueses, os seguidores do blogue?
O principal objetivo não era ter mais leitores. Para além de ser adepto do Barça, faço também parte da Casa do Barcelona em Lisboa. Graças a isso, percebi que havia muitas reclamações de adeptos do Barcelona, porque felizmente há muito adeptos do Barcelona em Portugal. As pessoas não se apercebem, acham que é tudo do Real Madrid, por razões óbvias. Fizeram-me chegar a queixa de que havia um défice de informação sobre o Barcelona, para além do espaço natural que era dado, por parte dos editores, ao Barcelona. Então, tive essa ideia. Porque não um blogue alojado dentro do site do Record, que já tem muitos leitores e, de facto, a reação foi boa. Sinto, pelos comentários que lá aparecem e pelas pessoas que me contactam via caixa de comentários do blogue, que se formou uma espécie de comunidade de adeptos do Barça que trocam informações entre si. Os seguidores são apenas Portugueses e estamos a falar de dezenas de pessoas.
O Record é líder de vendas dentro do seu segmento, o jornalismo desportivo nacional. Qual consideras ser a chave para o sucesso do jornal?
A única que acho que ainda pode fazer de qualquer projeto um projeto líder é a independência absoluta. O Record, embora muitas pessoas digam que está mais próximo do Sporting, a realidade é que não está mais próximo de ninguém. Até olhando para aquilo que é o espectro dos jornais desportivos em Portugal, vejo nos nossos concorrentes (A Bola e O Jogo) uma maior proximidade a determinados clubes do que aquela que o Record tem. O Record consegue ter o maior distanciamento entre os três. Esta é a chave principal. Se mantivermos esta independência, mas depois falharmos noutras coisas como profissionalismo, empenho, equilíbrio, competência, tudo isso tem que estar presente. O que faz a diferença, na minha opinião, é de facto a independência. Creio que quem está de fora consegue ver no Record um jornalismo mais livre.
“Se calhar não haverá espaço para três jornais desportivos e haverá apenas um ou dois. É uma questão de tempo.”
Apesar de líder de vendas, o Record conta com uma preocupação partilhada pela maioria dos jornais em papel. Essa preocupação chama-se ciberjornalismo e modelo de negócio. Esta nova forma de fazer jornalismo tem feito diminuir as vendas dos jornais em papel, ano após ano, e ainda não houve maneira de contornar esta situação de forma a fazer com que o jornalismo on-line se torne rentável o suficiente para suportar/financiar as quebras nas vendas do papel. Achas que há alguma forma de contornar esta situação?
Tem de haver. A questão que nos preocupa a todos é não perceber ainda qual é a solução. Olhamos para países que estão tendencialmente mais avançados que nós, em tudo o que tem a ver com tecnologia/informação, posso dar-te o exemplo dos Estado Unidos, a referência para todos, e estando muitos anos à frente, eles próprios continuam com muitas dúvidas. Já testaram praticamente tudo e continuam a perder nas vendas de papel. Não é só nos Estados Unidos, nem em Portugal. O Mundo ainda não encontrou uma forma de contornar esta situação.
Consideras que o futuro do jornalismo passa pela plataforma on-line?
Acho que passa. Acho que o papel não desaparecerá, haverá sempre espaço para o papel, mas não como o conhecemos hoje. Se calhar não haverá espaço para três jornais desportivos e haverá apenas um ou dois. É uma questão de tempo. À partida, temos a vantagem de ser líderes neste momento e é difícil imaginar que seja o líder a cair. Portanto, essa é uma grande vantagem que nos posiciona bem para o que vier a acontecer. Considero que o futuro passa por uma informação mais forte no digital e uma informação mais especializada no papel, uma realidade absolutamente diferente daquela que é hoje. Podemos mesmo falar no geral: se há cinquenta jornais em Portugal, daqui a dez anos existirão dez ou quinze. Vão existir os melhores, aqueles que se conseguirem adaptar a isto o mais rapidamente possível. E vão existir aqueles que são hoje líderes.
“Infelizmente, nem todas as pessoas têm discernimento para perceber que, quem está do outro lado, não está a fazer uma guerra ao clube do seu coração, está a exercer uma profissão”
A crítica é algo com que um jornalista tem de conviver desde o primeiro momento em que entra no meio. O jornalismo desportivo é, provavelmente, aquele que mais opiniões divide. Quanto maior o cargo, maior a exposição à crítica. Após 25 anos de carreira, como convives com a crítica?
No desporto, é difícil. Sobretudo, o primeiro embate. Achamos sempre que as pessoas estão a ser injustas e não estão a entender bem a nossa missão e o nosso objetivo, que é o de levar informação livre. Achamos sempre que falta muito informação às pessoas quando formulam uma crítica. Já fui várias vezes ameaçado, que já é um estado para além da crítica. As críticas, desde que sejam feitas de uma forma respeitosa, tudo bem. Podemos entender aquilo como alguém que nos está a ajudar, alguém que não gosta da forma como está a ser feito o trabalho e nos ajuda a refletir. Nos primeiros tempos no cargo, achamos: “Bom, mas isto vai ser sempre assim? Sai um jornal vem sempre alguém criticar se calhar não vou ter paciência para isto”. Mas é só no início. Depois, aprendemos a lidar com isso e percebemos qual o papel das pessoas: consomem, gastam dinheiro, têm direito a fazer críticas e, ao mesmo tempo, ajudam-nos a refletir sobre as opções a tomar. O problema é quando as coisas passam da crítica para tentativas de condicionamento e pressões. Já tive no Record sérias ameaças que me levaram a comunicar com as autoridades. Tudo isto existe e temos de conviver com isso, não é possível explicar a todas as pessoas este tipo de coisas. Elas não querem sequer conversar, querem só descarregar frustrações em cima de alguém. Como disseste, estamos a falar de desporto que é uma coisa sensível e, infelizmente, nem todas as pessoas têm discernimento para perceber que, quem está do outro lado, não está a fazer uma guerra ao clube do seu coração, está a exercer uma profissão, está a tentar fazê-la da forma mais profissional e isenta possível e, às vezes, são escritas coisas que as pessoas não aceitam.
Nuno, todas estas situações condicionam-te, de alguma forma, no exercer da tua profissão?
Não. De modo algum. Se for preciso, no dia seguinte, escreverei uma coisa igual ou semelhante àquela que escrevi no dia anterior, se entender que há razões e fundamentos para tal. Depois há uma outra questão, respeitando todos os nossos leitores, pois é deles que dependemos. Infelizmente, como em todas as áreas de intervenção na sociedade, há pessoas que não têm a capacidade de entender algumas coisas. Estou a falar, no caso em concreto, do espaço de opinião. Num jornal há um espaço de opinião e, nesse espaço de opinião, pretende-se exatamente isso: a nossa opinião. Ali, o jornalista veste outro papel, ali sou jornalista e tenho de produzir pensamento próprio, não vou transmitir factos. Neste espaço, tão apreciado nos dias de hoje, tens de fugir aos factos e explicar porque é que as coisas não estão bem. Às vezes, “o isto não estar bem” significa tocar nas cores de alguns adeptos, que acham que aquilo deixa de ser opinião e passa a ser perseguição. Nestes casos, quando as pessoas não entendem o que é opinião, não há nada a fazer.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.