Tem 150 anos de história, mas renasce todos os dias. É o mais antigo diário português em circulação no Continente e continua a querer “interessar a todas as classes” e a “ser compreensível a todas as inteligências”. O UALMedia passou um dia na redação do Diário de Notícias a perceber modos de ver e de se fazer jornalismo.
São 10h30 e ainda há pouca gente na redação do Diário de Notícias (DN). “A maior parte dos jornalistas chega à tarde, porque sai tarde por causa do fecho”, explica Ana Sousa Dias, 58 anos, subdiretora. Há muitos computadores, secretárias cheias de jornais, amontoados de papel, telefones, tablets, televisões. Por mais silenciosa que ainda esteja a redação, há um som persistente e muito familiar aos jornalistas: são as notícias das edições da manhã dos principais canais de televisão.
Meia hora depois, “há uma reunião para preparar o dia. Nessa reunião, há uma pessoa da direção e editores ou editores-adjuntos de todas as secções, que já têm os temas preparados para lançar para o dia. Juntamos os vários temas, distribuímos as páginas, discutimos a forma de abordar cada um dos temas e falamos sobre os temas que vamos destacar”, conta a subdiretora.
Os jornalistas começam a juntar-se na sala de reuniões: vai começar a reunião da manhã. Contam histórias, brincam uns com os outros, riem. A mesa está cheia de jornais, nacionais e internacionais. Os editores vêem se há alguma notícia de interesse, depois de já terem lido os principais jornais do dia, em papel e digitais. “O editor é que decide as matérias que vão entrar no jornal”, diz Paula Sá, 48 anos, editora de Política.
Hoje, participam a subdiretora do jornal, Ana Sousa Dias, os editores de cada secção (Carlos Ferro, Sociedade; Paula Sá, Política; Patrícia Viegas, Mundo; Marina Almeida, Artes; Bruno Pires, Desporto; Vítor Martinho, suplemento de fim de semana Dinheiro Vivo) e as editoras executivas Graça Henriques e Helena Tecedeiro, da secção Mundo.
Durante a reunião da manhã, “fica definido o alinhamento do jornal. Atribuímos o trabalho aos jornalistas, se não tiver sido atribuído no dia anterior. Enquanto os jornalistas trabalham, os editores vão lançando as páginas dos jornais”, avança Paula Sá. Graça Henriques faz “um resumo de tudo o que foi dito na reunião da manhã” e envia para “todos os editores e diretores, para terem acesso ao que foi dito e para ninguém se esquecer do que há para fazer”.
Como é sexta-feira, preparam-se também os suplementos de fim de semana. ”Temos revistas que saem ao fim de semana que são comuns ao Jornal de Notícias: a Notícias Magazine, a Evasões, focada em coisas de lazer e bem-estar, e o Dinheiro Vivo”, diz Ana Sousa Dias.
Decisões editoriais tomadas, cada um volta ao seu posto: começa o dia de trabalho.
NUM SÓ ESPAÇO, PAPEL E DIGITAL
O jornal está dividido em secções: Portugal, Política, Sociedade, Desporto, Mundo, Artes, Digital, Fecho e Arte (design, webdesign, paginação). No centro da redação estão os editores, alinhados com os “seus” jornalistas.
“Cada secção do jornal tem vários jornalistas em áreas especializadas. Esses jornalistas têm que trazer matérias relativas à sua área. O editor pega nessas matérias, propõe nas reuniões da manhã e coordena esse trabalho de disposição dos temas”, conta a editora Paula Sá.
Susana Salvador, 34 anos, jornalista no DN há 11 anos, neste momento a trabalhar na secção Mundo, fala sobre um dia comum de trabalho: “O dia de um jornalista começa por ver o que se passa, o que está na agenda, o que aconteceu durante a noite, para poder dar resposta a esses acontecimentos.” Rotina? Nem sempre há. Anabela Ferreira, 30 anos, jornalista no DN desde 2008, detalha: “Quando chego, se tiver já trabalho destinado, começo por esse trabalho. Mas, muitas vezes, temos que sair para cobrir algum acontecimento.”
Seja de redação ou trabalho de campo, certo é que todos os redatores escrevem os textos diretamente num programa específico, o Millenium. “Esse programa já tem as páginas feitas, com os espaços para o texto”, explica Ana Sousa Dias. Poupa-se tempo, percebe-se o espaço a compor, palavra a palavra, preto no branco.
Isaura Almeida da secção de Desporto, 37 anos, há 14 anos no DN, e Carlos Lima da secção de Sociedade, 38 anos, no DN desde 2009, falam das maiores dificuldades no trabalho de um jornalista. Para Isaura, “o mais difícil é chegar às pessoas que estão no centro das notícias e ter informações em primeira mão e de forma direta”. Para Carlos “o mais complicado é o acesso à informação. Aqui em Portugal, não há organismos públicos de prestação de informação. É um grande processo até termos acesso às informações”.
O Diário de Notícias está online desde 29 de Dezembro de 2005. Há quase dez anos que se descobrem novos caminhos e se encontram novas soluções. No Digital, “temos que estar sempre atentos a tudo, ao minuto, seja cá ou no resto do mundo. Enquanto não acontece nada, estamos sempre à procura de notícias em todo o lado. Vamos atualizando o site e as redes sociais para manter sempre o leitor agarrado”, explica Elizabete Silva, 34 anos, antiga aluna da Universidade Autónoma de Lisboa e jornalista, desde 2002, no DN.
A “ABRIR” PARA… FECHAR
São 15h00 e a redação já está com mais do dobro das pessoas que tinha de manhã. Agora são cerca de 50. O ambiente é mais agitado, há mais barulho e há mais pessoas a correr de um lado para o outro.
No design e paginação, Marta Rocha, 38 anos, coordenadora da secção, espera por indicações dos seus colegas: os jornalistas “falam connosco e dizem que conteúdos precisam para a página: quantos textos, quantas caixas, quantas fotos. Nós compomos a página, conforme o material que eles precisam”.
Quando chegar a subdiretora que vai ficar até ao fecho do jornal, “vai haver uma reunião de passagem do dia, para passar o alinhamento da manhã à equipa da tarde. É uma reunião que junta os diretores e os editores executivos, da manhã e da noite. Depois, por volta das 18h00, decidimos o que vai sair na primeira-página. decidimos a fotografia principal, qual é a manchete e quais são os outros textos que também vêm na capa”, explica Ana Sousa Dias. E eis que chega a subdiretora: pode-se começar a “abrir” até ao “fecho” do jornal.
Após a reunião da tarde, Graça Henriques conta: “Estivemos a rever o jornal. Hoje, como saímos da reunião da manhã sem manchete, estivemos a ver no que é que podemos apostar. Não havia uma manchete óbvia, por isso, fomos ver todos os temas, para ver quais os que podíamos pegar como manchete. Escolhemos aqueles que nos parecem mais interessantes, com a informação que temos disponível. Se acharmos que não é o suficiente, chateamos mais algumas fontes. Mas também acontece o contrário: às vezes, achamos que temos uma manchete clara, mas a informação que temos não se justifica para manchete. Hoje ainda estamos a ver o que se pode adequar.”
O editorial só é feito no final do dia, quando já está o jornal “fechado”. Ana Sousa Dias assume, por vezes, a tarefa, até porque “escrever o editorial também é função dos subdiretores”. É também no final do dia que “os textos passam pelos editores, pelo fecho e pela direção e só depois é que vão para a gráfica”, diz Paula Sá. Mas o que é o exatamente o “fecho”? Ângela Pereira, 43 anos, explica: “Fazemos revisão de textos, muitas vezes edição e tratamento de títulos e legendas.” E quando, finalmente, “as coisas acabam, respira-se fundo. Mas, no dia a seguir, recomeça tudo de novo…”, desabafa Elisabete Silva.
RECOMEÇAR, DEPOIS DO ADEUS
“Há um ano, teria sido o dobro da barafunda. Agora, o ambiente é mais calmo, depois do despedimento coletivo do ano passado”, afirma Ana Sousa Dias. Com o despedimento, a redação ficou muito reduzida e, por isso, “nestes últimos tempos, como foram despedidas muitas pessoas, há uma maior saturação. As pessoas foram embora, mas continua a haver muito trabalho. Por isso, muitas vezes, trabalhamos 12 horas por dia. Isso é muito desgastante, embora gostemos do que fazemos”, confessa Paula Sá.
O despedimento coletivo não só afetou o trabalho entre colegas, como também a própria estrutura do jornal. “Antes dos despedimentos coletivos, tínhamos vários cadernos, além do Dinheiro Vivo. Tínhamos o Gente, o caderno de artes e, cada um destes cadernos, tinham 20 páginas. Agora, fazemos um jornal durante a semana com 48 páginas, antes fazíamos, em média, 64 páginas”, afirma Graça Henriques.
A estagiária Joana, de 21 anos, nunca sentiu na pele o que é um despedimento. Vinda do Instituto Politécnico de Setúbal, só há três semanas “experimenta” o que é ser jornalista: “É diferente do que aprendemos na escola, não nos prepara. É diferente termos uma reportagem para entregar em aula e termos uma reportagem que vai sair no jornal. A responsabilidade é muito maior, não se trata de uma nota, trata-se de informar os leitores…”
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.