Esta quinta-feira, dia 2, a morte do cineasta Manoel de Oliveira transbordou, na televisão pública portuguesa, do cabo para o sinal aberto. E eu entrevi, entusiasmado, um autêntico folar pascal nos canais de televisão concessionados pelo Estado à RTP.
É só uma nota. E vai redigida com toda a prudência. Mas não posso deixar de registar aqui, entusiasmado pela perspectiva, o autêntico ovo de Páscoa que entrevi ontem nos canais de televisão concessionados pelo Estado à RTP.
Pode parecer estranho. Mas precisaremos de recuar a períodos de emissão sob a direcção da equipa de Joaquim Furtado, na segunda metade dos anos de 1990 (ou, mais longinquamente, em finais da década de 1970, com o canal 2 de Fernando Lopes) para nos lembrarmos de algo semelhante: um acontecimento da actualidade cultural provocar uma alteração profunda na programação. Sobretudo na programação do paquidérmico canal 1 da RTP.
Esta quinta-feira, dia 2,a morte do cineasta Manoel de Oliveira transbordou, na televisão pública portuguesa, do cabo para o sinal aberto. E prolongou-se, aqui, por várias horas.
Tenho citado, em aulas e em intervenções públicas, declarações do jornalista Carlos Pinto Coelho (1944-2010) denunciando o fast-food noticioso dos jornais televisivos (vídeo). Juntei-me a ele, e tenho suspirado pelos dias em que o Telejornal da RTP abra prolongadamente com uma notícia cultural. Tão naturalmente quanto o faz com uma vitória do campeonato de futebol, algumas vezes (demasiadas) com faits divers de sociedade.
Ontem, convenci-me de que esse dia tinha chegado. De repente, a vida, pensamentos e obra do autor de Aniki-Bóbó, do Acto da Primavera, de Francisca, de Non ou a Glória Vã de Mandar eram mais importantes do que Berais, Água de Mar, até do que A Herança.
À hora a que escrevo estas notas (meio da tarde do dia do funeral), verifico que tudo voltou a repousar no álibi-RTP Informação – o único canal da estação que relatou até ao fim as cerimónias do adeus ao maior cineasta que Portugal já teve.
Ter-me-ei precipitado?
Mesmo que sim, assistimos, nestas 24 horas, a algo que me faz olhar com esperança para os novos ventos que sopram dos lados da marechal Gomes da Costa. A esperança de que, pelo menos, estejam terminados os tempos em que, remetida para o último lugar no alinhamento do canal 1, a peça de 50 segundo sobre a morte de Pinha Baush era repetida a seguir, tal qual, no canal chamado cultural do serviço público (não, não foi no tempo de ditadura, foi em Junho de 2009, quando editores e jornalistas tinham já, maioritariamente, diplomas de licenciatura, graus de mestrado, doutoramentos).
Sim, acredito. Alguma coisa, forçosamente, se há-de ter passado de premonitório entre o princípio da tarde e o final do dia da morte de Manoel de Oliveira, e que varrerá a apagada e vil tradição do menú denunciado por Carlos Pinto Coelho. Aquelas horas devem ter sido só o início. Por que é que não havemos de ter, finalmente, verdadeiro serviço público de televisão em Portugal?