Mitó Mendes deu voz à A Naifa em 2004, Sandra Baptista encantou os palcos durante os anos (19)90 com o seu acordeão nos Sitiados. Donas de um estilo muito próprio, aos 40 anos estão dispostas a dar ao mundo uma mão cheia de Señoritas.
Em 2004, A Naifa foi criada por João Aguardela e Luís Varatojo, com a voz da Mitó Mendes. Após a morte do João, em 2009, a Sandra Baptistaassumiu o lugar de baixista. No entanto, A Naifa acabou em 2014. Como é que, dois anos mais tarde, surgem as Señoritas, um projeto musical criado de raiz e tão alternativo?
Mitó: As Señoritas surgem de forma muito natural e espontânea. Sempre gostámos de tocar juntas n’ A Naifa, tanto que nunca parámos de tocar. Encontrávamo-nos de vez em quando, com a nossa química musical, e íamo-nos divertindo, até nos apercebermos que tínhamos um conjunto de canções e, se calhar, era engraçado partilhar o que tínhamos construído com o público!
Sandra: As coisas foram acontecendo naturalmente e começámos a perceber que éramos autossuficientes: tínhamos letras e composição musical que dependia de ambas. Até chegar o dia em que percebemos que estava na altura de partilhar com o público o nosso prazer!
Porquê Señoritas? Por serem duas mulheres ou em homenagem a uma música d’ A Naifa com esse nome?
Mitó: Naturalmente, não estamos a virar costas ao nosso passado recente! Assumimos que é uma consequência dos encontros que tínhamos para ensaiar para A Naifa e havia uma música, que chegou a ser single, com o nome de Señoritas e, em jeito de piada, assumimos o nosso passado com esse nome.
Sandra: E até porque somos as duas mulheres d’ A Naifa!
Estiveram paradas, musicalmente, durante um par de anos. Como foi voltar ao mundo da música? Foram bem-recebidas?
Mitó: Não ficámos paradas, a questão é mesmo essa!
Sandra: Estamos na música de uma forma muito particular e específica, ou seja, estamos à nossa maneira! Felizmente, não estamos a depender financeiramente da música, senão o caso era completamente diferente. Estares dependente de algo financeiro corta-te a criatividade e Señoritas é aquele tipo de projeto que “já viveste tudo o que tinhas de viver, tiveste os teus 5 minutos de fama e, agora, estás a divertir-te com aquilo que criaste”.
Mitó: Na altura d’ A Naifa, nem sequer estávamos com a ideia de sermos uma banda mas, como vimos que resultávamos tão bem, continuámos com os encontros e as canções acabaram por ganhar forma. Só agora é que as pessoas sabem que existimos mas, na verdade, não é um regresso à música, porque nunca parámos de tocar!
Sandra: Se calhar, isto até acaba por ser o projeto que, de todos os que já estivemos envolvidas, é o mais completo, numa forma de estar, de composição, de decisão…Tenho orgulho nisto, independentemente do que possa acontecer. Está a satisfazer-nos e a preencher-nos…Precisávamos disto!
Já percorreram um longo caminho e, consequentemente, têm uma vasta experiência. Tendo em conta as evidências, como se sentem a lançar um projeto não financiado aos 40 anos?
Sandra: Dá muita pica! Chegas a uma determinada altura da tua vida em que a sociedade te diz que já não podes ter mais projetos nem fazer coisas novas…
Mitó: Que já devias ter idade para ter juízo! (risos)
Sandra: (risos) Exato! E afinal estás a principiar um projeto, a recomeçar uma nova ideia e isso é muito bom! E não interessa realmente a idade, basta estarmos nesta vida e podermos avançar com as ideias que temos. A grande vantagem de teres 40 anos é não teres nada a perder!
Mitó: Ainda por cima, um projeto que não está a ser financiado por outras pessoas. Somos nós as donas disto! Se tivéssemos 20 anos, não estávamos a fazer só que o que nos apetecia.
Sandra: Com 20 anos, estaria mais preocupada com o que os outros estão a pensar. Aos 40 estou interessada no que eu estou a pensar! E o que nos move é o que nós queremos… É essa a grande diferença dos 40 anos!
A Sandra fez parte da banda dos anos (19)90 Sitiados e a Mitó Mendes integrou A Naifa. De que forma é que estes projetos anteriores influenciam o projeto Señoritas? Têm curiosidade em fazer versões de algumas músicas desses projetos?
Sandra: Isso é o que tem piada porque este projeto é, no fundo, a recolha de toda a nossa experiência de vida musical. Desde Sitiados à minha passagem por Megafone – em que o João (Aguardela) me convidou para fazer espetáculos e gravar uns temas no disco, – até à minha chegada à Naifa tenho, por exemplo, desenvolvido muito mais a guitarra baixo. Nas Señoritas, toco acordeão porque a música pede acordeão, toco baixo porque pede baixo, e não temos qualquer problema em adicionar qualquer outro instrumento. Não estamos com qualquer preconceito e essa foi a bagagem que trazemos de projetos anteriores. Estamos a criar uma nova personalidade com essa recolha. Em relação às versões, acho que as pessoas devem ir aos concertos! (risos)
Mitó: Não é de uma maneira tão prática, ou seja, não decidimos fazer uma mistura de tudo o que já fizemos. É tudo espontâneo, até porque Sitiados soava a Sitiados e Naifa soava a Naifa, porque já estávamos lá, com a nossa maneira de estar musicalmente. Aprendi imenso com A Naifa, mas nunca houve uma preocupação de trazer isso para Señoritas, muito pelo contrário. O objetivo era que isto não soasse A Naifa, mas é impossível porque vai sempre soar. Felizmente, deixámos-nos dessa paranóia, mas essa bagagem vem sempre connosco. Mas, da minha parte, não há qualquer interesse em fazer versões do meu projeto anterior, e muito menos da música “Señoritas”, porque isso seria muito óbvio!
Tendo em conta que o vosso conhecimento musical, referências e background é bastante considerável, que influências musicais tem este novo projeto? Pelo menos as mais óbvias…
Mitó: Nós próprias com as nossas influências! Eu ouvi Sitiados, oiço Portishead, Zeca Afonso e por aí fora, e tudo o que oiço ao longo da vida influencia o som que vou criar depois. Mas não é na onda de “vamos fazer uma música tipo PJ Harvey”, isso não existe! Inconscientemente somos influenciadas, mas na hora de fazer a nossa música, somos nós.
Sandra: E acima de tudo, na parte decisiva da criação, o que nos interessa mesmo é o que está à flor da pele. O que nos interessa não é trabalhar muito sobre uma boa malha, mas sim a intuição daquela música, aquela primeira energia e mantê-la!
Qual é o objetivo das Señoritas? Pura diversão das mentoras? Entretenimento do público? Ou tem objetivos mais eruditos?
Mitó: É por diversão, por prazer… É para nos divertirmos e curtirmos a nossa cena!
Sandra: E estar aqui até quando nos apetecer!
Mitó: Enquanto isto for mais porreiro do que chato… Basicamente, é mesmo tirar partido daquilo que estamos a criar. Até porque não tenho nenhum outro objetivo com isto, além de ganhar o meu milhão de euros! (risos) Mas eu acho que não vai ser por aqui! (risos)
Sandra, como é que chegaste ao acordeão?
Muito resumidamente, tinha 6 anos quando vi uma audição de miúdos a tocar acordeão e fiquei fascinada com aquilo! Na altura, tocava piano e, um dia, ia no carro com o meu pai e disse-lhe: “quero aprender a tocar acordeão”. E fui! (risos) Mas na adolescência gozaram comigo e desisti… E depois vinguei-me em Sitiados! (risos)
Sim, enquanto estavas nos Sitiados o instrumento utilizado por ti era o acordeão, causando furor no público masculino. Como é voltar a usar o acordeão como instrumento principal?
Sandra: Agora olho para trás e vejo a Sandra daquela altura: está em mim, mas já não está verdadeiramente comigo. Em Sitiados, divertia-me imenso, já não havia amanhã! Dava tudo, aquela energia era para rebentar toda naquela noite, não queria saber do dia a seguir. Sei que existe a ideia do furor, mas nunca tive noção disso, porque a ideia era estares com as pessoas, em contacto direto com o público. Hoje em dia, vou pegar no mesmo acordeão, o de há 25 anos, porque é o meu acordeão, mas a postura e a energia vão ser muito diferentes.
Mitó, como é que chegaste à guitarra?
Sempre toquei guitarra desde miúda, mas quando entrei para A Naifa desaprendi de tocar. Na 4ª classe, todos aprendiam e eu já tocava! Nos anos d’A Naifa, deixei de tocar e desaprendi mesmo…Agora, vejo-me à rasca para tocar porque estou a fazê-lo de palheta e nunca a tinha usado, e ainda mais por ser elétrica.
N’ A Naifa, a Mitó utilizava apenas a voz como instrumento. Em Señoritas, além da voz, utilizas também a guitarra. Como é assumir o controlo de um instrumento tipicamente masculino?
Ultimamente, sim, acho que o baixo era tradicionalmente masculino, assim como a bateria, mas nunca pensei na guitarra como um instrumento masculino… Até porque já toquei guitarra, portanto!
Consideram que as letras das vossas músicas giram em torno de um universo feminino. Assumem-se como feministas e o feminismo está propositadamente presente nas vossas canções?
Sandra: Como modelo de vida, considero-me humanista e uma defensora do indivíduo. Mais do que defender o elemento mais fraco, prefiro respeitar qualquer indivíduo. As nossas letras têm muito mais a ver com a forma, quase caricata, como eu e a Mitó vivemos a nossa vida. Não são músicas diretas da história da nossa vida, mas refletem a nossa vivência, a forma como vemos as coisas e histórias que chegam até nós.
Mitó: É um bocadinho a capacidade que nós as duas temos de saber o que vai na cabeça das mulheres, o universo feminino vem mais daí. As letras da Sandra refletem a cabeça de muitas mulheres!
Sandra: Estas letras são um bocadinho o nosso escape de interpretar vivências que chegam até nós. E quando falamos do “girls power” não é no sentido de “somos mais do que os homens,” mas sim no sentido de, “como mulheres, temos um grande poder próprio”.
Mitó: É muito caricatural. Assumo-me, também, humanista. Estou muito agradecida às feministas que lutaram para que, em 2016, possa ser uma pessoa que vive sozinha, que vota, que trabalha, que é autónoma e é respeitada como um homem.
Os ensaios decorrem num bairro típico de Lisboa, num ambiente íntimo e tradicional. Acham que o bairrismo e a intimidade podem influenciar a vida que dão ao projeto?
Sandra: Os ensaios são onde nos apetecer! (risos)
Mitó: As gravações foram na minha casa, os ensaios na dela. Tudo caseiro! (risos)
Sandra: Gravámos com o que tínhamos, não procurámos estúdios. Procurámos um estado natural onde estivéssemos completamente à vontade, e que nos levasse ao encontro do feeling daquele momento! Quisemos ter esta liberdade porque, para nós, é o fundamental.
Mitó: A vida que damos ao projeto vem dessa liberdade. Fazemos o que nos apetece, quando nos apetece, como nos apetece…
Sandra: Isto no sentido em que, se estivéssemos num estúdio, com um produtor, teríamos que regravar algumas músicas porque lhes falta um clique (ritmo). Se ouvires com atenção, tens ali imperfeição, mas a atitude era esta!
Mitó: Se ouvires o disco com atenção, tens tuk-tuks, elétricos…! (risos)
Sandra: É aquele primeiro feeling que interessa, é a primeira energia! A energia de Señoritas! A ideia de Señoritas é assumir a imperfeição.
As vossas letras são escritas pela Sandra. De onde vem a inspiração?
Sandra: Sou muito prática, curta e pragmática. Nunca tive muito jeito para a fala e para a escrita, mas sempre tive, de vez em quando, vontade de escrever. Como sempre levei a vida com muita ansiedade, a escrita acalmava-me às vezes… E fui escrevendo. A partir do momento em que comecei a trabalhar com a Mitó, e surgiu com ideia de sermos autossuficientes, inspirei-me mais um bocadinho e disse: “bora lá”!
Mitó: Das primeiras coisas que li dela, percebi que havia pano para mangas para explorar. Eu também escrevo de vez em quando, mas a cena dela é muito mais Señoritas.
Que projetos, dentro do projeto Señoritas, têm para o futuro?
Mitó: Principalmente, curtir! (risos) Queremos que as outras pessoas nos vejam a curtir…Uns concertos em Lisboa e Porto!
Sandra: Mas só lá para o outono, que é quando sai o disco!