Rui Gomes da Silva, 59 anos, político, vice-presidente do Sport Lisboa e Benfica. Atualmente advogado e comentador desportivo. Sente-se realizado com tudo o que fez na vida, e admite o seu amor pelo Benfica.
Nasceu e morou no Porto até aos 18 anos. No entanto é benfiquista desde criança. Nunca o tentaram converter para o Futebol Clube do Porto?
(Risos). Nunca ninguém me tinha feito essa pergunta na vida. Não, não, não, não … Eu nasci e vivi no Porto, até aos 18 anos. Não foi bem até aos 18, porque entre os seis e dez anos, o meu pai foi trabalhar para Viseu e eu fui para Viseu viver e estudar (foi lá que fiz a minha escola primária). Mas não, nunca ninguém, a não ser naquelas brincadeiras normais de alguns amigos dos pais, que, por vezes, estão do lado contrário. Mas é evidente que a minha realidade tenha sido muito a de alguém ligado ao Benfica a viver no Porto. A minha infância, a minha juventude, até mesmo no liceu, no Porto, teve sempre presente muita gente do Benfica, muita gente mesmo. Os meus 18 anos de vida fora de Lisboa, são os mesmos 18 anos em que o Porto está sem ganhar um campeonato, sequer. Encarava-se o Porto como hoje, possivelmente, se vê o Braga ou o Guimarães. Um clube que lutava para ganhar sempre, que podia ganhar aos grandes, mas que nunca acabava em primeiro. Todos os anos era a mesma coisa e, portanto, nunca tive nenhuma, nenhuma tentação mesmo, nem ninguém a tentar-me seriamente para ser do Porto. Invocando vitórias no campeonato … que não existiam. Para além disso, não tinha tios do Porto, eram todos do Benfica, quer da parte da minha mãe, quer do meu pai. Não tinha familiares, não tinha segundos tios, tios avós que não fossem do Benfica. Eram todos do Benfica. A família mais próxima ou eram do Benfica, ou muito excecionalmente, do Braga. Que eu me lembre, assim família próxima, próxima, próxima, não havia ninguém, ninguém, ninguém do Porto, mas estou a falar a grande distância. Donde nunca tive essa dificuldade nem essa possibilidade. Nem sequer era um tabu, era um não assunto não ser do Benfica, era um não assunto lá em casa.
“Não com a ambição de chegar aos quartos de final, mas com a ambição de ser campeão europeu”
Em janeiro deste ano, lançou o livro” Sou Benfica e isso me Envaidece”. Esse livro foi como o fechar de um capítulo na sua vida como representante do Benfica, após ter deixado a direção do clube, em outubro de 2016?
Foi. De alguma maneira foi um livro, é um livro que eu anunciava, em determinado momento (você faz-me cada pergunta …) … deixe lá ir ver para lhe poder dizer a mesma coisa que disse na altura (começa a procurar algo no seu telemóvel) … deixe-me lá ir ver onde é que tenho isto … não é isto (não encontra o que pretende) … é um livro essencialmente de balanço. De sete anos desenvolvidos … onde vivi muito, onde aprendi muito, onde vi muitas coisas e aprendi muitas lições. Depois é um livro de enunciação de princípios também, ou seja, que mesmo num mundo muito complicado, num mundo onde vigora a – tantas vezes – a lei da selva, há pessoas sérias, pessoas competentes, há pessoas com princípios, há pessoas com valores e há pessoas para quem não vale tudo. Ou seja, para quem os fins não justificam os meios, embora o futebol, na sua essência, seja uma indústria e uma atividade profundamente maquiavélica. E, em último lugar, também de projeto. Quando eu falo ali de algumas coisas que gostaria de ver concretizadas, essa é a componente do projeto. Não é um projeto que não sei se alguma vez terá a possibilidade de vir a ser concretizado, mas é um projeto com ideias minhas para um Benfica ainda maior, que possa voltar a ser campeão europeu. Não quero um Benfica com ambição de chegar aos quartos-de-final, mas com a ambição de ser campeão europeu. O Benfica pode nunca vir a sê-lo, mas para o ser, tem de o ambicionar. E esse é o grande problema, neste momento: convencer quem manda que esse é o próximo sonho a tornar realidade. Não o Presidente do Benfica, porque eu acho que, neste momento, já está convencido que essa pode ser a próxima meta. Toda a gente diz que é difícil. É difícil, porquê? Era difícil o Real Madrid estar em duas finais sucessivas. Era difícil o Mónaco estar numa meia-final, não é? Possivelmente vai perder. É difícil o Atlético de Madrid ir á terceira final, possivelmente vai perder, mas é difícil a Juventus com um orçamento não muito diferente do nosso ir a duas finais em 3 anos. O que é preciso é começar a sonhar como diria Pessoa “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce”. Não é? Neste caso, Deus quer o Homem sonha e o Benfica um dia destes vai voltar a ser campeão Europeu.
Já que fala nisso o que é que acha que falta aos clubes portugueses, sobretudo ao Benfica para se impor outra vez afincadamente na Europa?
Falta ambição, essa dimensão da ambição. O acreditar que é possível. Fazer parte dos nossos sonhos. É uma componente de voluntarismo, de muito sacrifício, de acreditarmos a cada momento. Temos de deixar de ir para uns quartos-de-final na liga dos campeões já derrotados. Como se viu, o Borrusia Dortmund era uma equipa perfeitamente acessível. Só que já entrámos derrotados. No ano passado, eliminamos o Zenit, e por pouco (ou por muito) não eliminamos o Bayern de Munique. Com mais estabilidade no plantel vamos lá chegar. Ainda esta semana saiu um estudo que dá o Benfica como o 29º plantel mais estável do futebol europeu. É um princípio. Cada jogador está, em média, 3,28 anos como jogador do Benfica. Isso significa uma já razoável estabilidade do plantel, com muitos anos de clube. Já não falo daqueles jogadores que estão lá há 14 anos ou há sete. Jogadores que poderão ser tetra campeões (quando isto for publico já o Benfica será tetracampeão, espero …), como Salvio, Fejsa, Jardel, Luisão. Esta era a estabilidade que se dizia que o Benfica não tinha, ao contrário de outras equipas em Portugal. Hoje, no Benfica, há estabilidade. Basta, por isso, acertar alguns pormenores, direcionar a esse objetivo e depois como é evidente tentar vender menos e possivelmente não comprar tanto, mas comprar mais circunstanciadamente. Mas, isso, depois, serão questões menores em relação ao grande objetivo: a continuação desta política desportiva.
Faz-se saber pelo público que ambiciona ser o número dois no cargo do Sport Lisboa e Benfica. Alguma vez pensou em concorrer contra o presidente Luís Filipe Vieira?
Não, isso é uma história mal contada. Eu nunca tive esse objetivo … A única coisa que disse é que só aceitaria continuar em função de determinadas regras que tinham sido seguidas em duas eleições anteriores. Essas regras não foram cumpridas. Portanto saí. Eu não estou ali por estar. Agora concorrer contra Luís Filipe Vieira, já o disse, só se quisesse, algum dia, que o Benfica jogasse às riscas azuis e brancas ou verdes e brancas. Mas não sou defensor de convicções. Não critiquei para ir para lá, nem critico por deixar de lá estar. Ou seja, há outras pessoas, há muita gente que criticou e foi para lá. Há pessoas que saíram, começaram a criticar e depois voltaram. Por mim, podem estar descansados. Só uma vez estive declaradamente contra um Presidente do Benfica. Critiquei porque percebi antecipadamente, muito antes de quase todos os outros, onde o Benfica iria parar. A minha vida é mais feliz se o Benfica ganhar. Aí sim, eu sou feliz. Se o Benfica for campeão nacional sou muito mais feliz. Se um dia for campeão europeu, duas vezes, três vezes, quatro vezes, serei muito mais feliz. Isso é uma componente da minha vida, uma componente que tem a ver com a parte lúdica, tem a ver com a parte emocional, tem a ver com alguma coisa que na minha vida se manteve ao longo dos tempos. Temos, ao longo da nossa vida, os Pais, os irmãos, depois os amigos, as namoradas, as mulheres, os filhos, os colegas, mas há sempre uma coisa que não muda: a nossa relação com o Benfica. Até na nossa relação com os pais e com os filhos vai evoluindo, mas com o Benfica não. Que se mantém como um dos nossos amores para toda a vida. Atravessa – horizontalmente – a minha vida toda. Desde que me conheço quero que o Benfica ganhe e quando morrer, se Deus quiser daqui a muitos anos, enquanto tiver lucidez, quero que o Benfica ganhe. Não é muito, mas isso não colide com outros prazeres da vida, com outras realidades, com outras atenções, nem eu acho que isso deva ser exclusivo. Quando estou no futebol, só quero que o Benfica ganhe. A minha vida não tem o Benfica sempre em primeiro plano, mas o Benfica faz parte da minha vida. Não estou, constantemente, a falar do Benfica. Tento ter uma vida normal, mas não renuncio a reconhecer o Benfica como uma das minhas grandes, enormes, paixões.
“No Benfica é diferente. Além da competência as pessoas evocam muito a sua fidelidade emocional ao Benfica”
Uma instituição tão grande como a do Benfica que abrange várias áreas como: a parte financeira, comercial, fundação, recursos humanos, Benfica TV e a possível criação de uma estação de rádio, promessa do presidente para este mandato. Será o Benfica capaz de dar estas oportunidades aos jovens licenciados?
Enquanto eu lá estive, muita gente entrou e saiu do Benfica. O Benfica é um lugar muito apetecível pela exposição, pelo currículo que dá e, para além de tudo o resto, pelo prazer de poder trabalhar para uma das nossas paixões. Posso querer ir para uma grande empresa, mas no Benfica existe, ainda a parte emocional. Eu posso querer trabalhar numa grande empresa, mas se não tiver qualquer relação familiar com uma delas, ser-me-á indiferente ir para uma ou para outra. No Benfica, não. Tenho todo um envolvimento emocional. Quero trabalhar numa grande consultora, numa companhia de seguros, num banco, mas não tenho, à partida, qualquer relação emocional com esses meus hipotéticos empregadores. No Benfica é diferente. Além da competência, as pessoas evocam muito a sua fidelidade emocional ao Benfica. Neste processo crescente de profissionalização do clube, haverá sempre lugar para os jovens. É assim no Benfica. Como em nenhum emprego na vida, nunca lá caberão todas as pessoas que queiram ir para lá. Mas será sempre um local fascinante para se trabalhar.
“Com o objetivo de denigrir, combater e fazer com que o Benfica não seja campeão… Mas é uma coisa que não notam muito, as pessoas não querem saber muito disso porque o que interessa é que o Benfica não ganhe”
Acompanhando os programas desportivos, percebe-se uma união entre o Futebol Clube do Porto e o Sporting de um lado, e o Sport Lisboa e Benfica, do outro. O que é que tem a dizer sobre a união contra o Benfica?
Não tenho a dizer nada mais, a não ser constatar essa afirmação. De facto, nos últimos tempos, nos últimos anos isso tem sido mais evidente. Há uma frase no Benfica que invocamos muitas vezes sobre essa situação: “maior que nós, nem a vossa inveja”. Há, aqui, uma tentativa de denegrir, de não aceitar, de recusar a grandeza do Benfica. Mas o Benfica é muito grande. E só se tem a perceção que o Benfica é muito grande, muito maior do que o que imaginamos quando se anda no mundo do futebol. Quando falamos com pessoas de outros clubes, grandes clubes Europeus, é que se percebe a grandeza do Benfica, a sua dimensão, em termos internacionais. O nome e o prestígio que o Benfica tem pela Europa e por esse mundo fora. O ano passado o Porto fez tudo para o Sporting ser campeão. Este ano o Sporting fez tudo para o Porto ser campeão. E quem ganhou? É a vida. Há, neste “entendimento” Porto Sporting um pouco da aplicação do princípio da subsidiariedade. Faz melhor quem está mais próximo. Ora, seguindo este princípio, luta pelo campeonato, em cada ano, de entre o Sporting e o Porto, quem estiver em melhores condições para bater o Benfica. É isso que tem acontecido. Quem é que combate o Benfica? É aquele que vai à frente. Se o Porto for à frente, o Sporting apoia o Porto. Se o Sporting for à frente, o Porto apoia o Sporting. Foi o que aconteceu o ano passado. Assistimos, até, ao Presidente do Porto a declarar querer ver o treinador do Sporting campeão: “Perdemos, mas gostava muito que o treinador do Sporting fosse campeão”, com o objetivo de denegrir, combater e fazer com que o Benfica não tivesse sido campeão. Este ano aconteceu o contrário. O que lhes interessa é que o Benfica não ganhe. Mas, felizmente, o Benfica todos os anos tem voltado a ganhar e como diria alguém, “isso é que lhes doi”.
Para o próximo ano (actualmente, esta época), está previsto o vídeo árbitro em todos os jogos. Acha que isso vai ajudar a resolver os problemas do futebol?
Quer que eu lhe diga o que penso, mesmo? Não, e acho que daqui a um ano ou dois o vídeo arbitro acaba. Acaba em Portugal e acaba no mundo porque não tem razão de ser. É a minha opinião pessoal e sei que contra mim estão as tecnologias e o mundo das tecnologias. Agora o futebol tem uma determinada dimensão. Poderá, daqui a algumas décadas, ser esse o caminho. Mas já não será o futebol que conhecemos hoje. Poderá, até, ser uma máquina, que abranja todo o campo, a decidir. O que não poderá acontecer é um homem e uma máquina poderem ter duas opiniões sobre o mesmo facto. Passaremos a discutir não só o árbitro, mas também o vídeo árbitro. Se o árbitro considera que não é penalti e se o vídeo árbitro confirmar que é penalti, eu poderei optar por uma das versões. E a margem de escolha vai ser, por certo, muito grande, com um enorme espaço, obviamente, para o erro. A única coisa que contava, até aqui, era a opinião do árbitro. Agora poderei sindicar a sua opção, com outra verdade, podendo optar pela que mais que convém. Vai ser o bom e o bonito. Vão ser dois anos fantásticos, de discussão e confusão no futebol português. Vai ser um ano fantástico de caça às bruxas. Vamos ver, mas acho que não estou enganado.
Politico, vice-presidente da direção do Sport Lisboa e Benfica, vogal do Conselho de Administração da respetiva Sociedade Anónima Desportiva, advogado e, atualmente comentador desportivo. Qual o próximo passo?
Fiz tudo aquilo que quis fazer. Estive 30 anos na política, fui cerca de 20 anos deputado, estive cerca de um ano no Governo, como Ministro. Nesses anos todos fui cerca de um ano vice-presidente do PSD. Fui 6 anos membro do Conselho Superior do Ministério Público, eleito pela Assembleia da República. Fui 14 anos membro da Assembleia Parlamentar da NATO. Desempenhei cargos na estrutura política da NATO PA. Fiz quase tudo, tudo que havia para fazer. E acho que vou fazer tudo o que ainda quero e me falta fazer na vida. Hoje, temos mais tempo de vida para fazer as coisas que se tem para fazer. Diz-me a experiência que nunca nos devemos de preocupar ou esforçar muito porque as coisas acontecem quando menos esperamos. Tem sido sempre comigo assim. Em todas as situações foi assim. Não há-de ser agora que vai deixar de ser. O que é que vou fazer a seguir? Para já, advocacia, advocacia, advocacia. Uma data de projetos que temos a nível de profissional, o desenvolvimento da Legalworks, a minha sociedade de advogados. Crescimento a nível de clientes, de projetos. E a coisa mais importante: ser feliz e que a minha família, a minha mulher, os meus filhos, as pessoas que trabalham comigo sejam, também, felizes. E que o Benfica seja campeão europeu.
“Acima de tudo é uma grande característica do Benfica é a humildade”
O Benfica está a uma vitória de ganhar pela primeira vez o tetracampeonato (que acabou por ganhar). Espera um campeonato ainda mais competitivo por parte dos três pretendentes ao título?
Espero mais competitivo que este ano? Não! Não pode haver muito mais competitividade, faltam duas jornadas. Ao Benfica faltam lhe dois empates ou uma vitoria para ser campeão. Ou nenhum ponto, se o Porto empatar uma vez. Mas em relação à competitividade deste ano, foi uma competitividade normal. Há muitos anos que não vejo o Benfica a ser campeão facilmente, a muitas jornadas do fim do campeonato. Gostava que isso acontecesse. Mas, talvez assim de mais gozo. No momento da vitória. Isto de festejar antes do tempo não sei se dá azar, mas nunca o aconselharia. Portanto o melhor é esperar e apenas festejar quando for matematicamente impossível que o segundo atinga o primeiro. Essa é que é a única garantia que tenho. Com humildade, que é uma grande característica do Benfica, como clube que nasceu do povo. A humildade do presidente do Filipe Luís Vieira, de ter sempre uma palavra de contenção nos festejos, quando se esboçam antes do tempo próprio, ou a palavra de humildade do treinador Rui Vitoria. Ou a consciência dos próprios jogadores que sabem que, mesmo quando festejam resultados bons, tem a consciência que esse resultado bom nesse fim-de-semana de nada serve se não se continuara a ganhar no seguinte. Acho que esse é o principal segredo. Competitividade vai haver sempre. Cada vez mais. Mas desde que o Benfica ganhe … venha daí a competitividade. O objetivo é o tetra, depois para o ano o penta, depois o hexacampeonato, etc. Que nunca ninguém conseguiu. Portanto é assim, eu acho que o Benfica … acredito que possa vir a ser campeão este ano (também não é uma previsão muito difícil de fazer). Mas a partir dai é começar com cuidado e com muita calma a preparar o próximo ano. Geralmente as vitórias de um ano, prepara-se no fim do ano anterior.