Aos 24 anos, Rodrigo Sanches Pires, doutorando em Química Biofísica, é um dos rostos mais jovens do laboratório que o acolhe, no Instituto Real de Tecnologia, em Estocolmo. Com a experiência e conhecimento que marcam o seu percurso profissional, considera necessária uma ponte entre a ciência e a comunicação social, de forma a que esta esteja atenta aos factos verídicos do meio científico e que difunda a cultura da verdade e do empirismo.
A comunicação social cumpriu o seu papel de informar os cidadãos acerca da pandemia? Seja a sueca, seja a portuguesa?
Sim, ambas cumpriram. Mas a cultura jornalística é diferente. A imprensa portuguesa, em geral, tem uma atitude sensacionalista, que leva à fabricação de títulos ou notícias com informação pouco verossímil, muitas vezes oposta à realidade, própria da cultura de clickbait. A informação é um bem, mas é também um dos maiores perigos em democracia. A difusão de notícias provenientes do meio científico exige credibilidade, rigor jornalístico e científico. Exige um elevado nível de especialização que leva décadas a aperfeiçoar. A colaboração entre o jornalista e o cientista é essencial para garantir que aquilo que “sai para fora” seja credível, de qualidade e, acima de tudo, que não espolete pânico com base em desinformação. O jornalista é a voz do cientista, aquele que divulga a nossa arte.
Cumpriste quarentena?
A Suécia adotou uma estratégia diferente. A Constituição não confere ao Estado poder para regular os direitos ao nível individual num contexto de pandemia. Houve um grande apelo à responsabilidade social dos cidadãos. Desde cedo, foi-nos proativamente pedido para que realizássemos, voluntariamente, uma transição do trabalho laboral para o teletrabalho. Decidi cumprir quarentena voluntária. Acho que seria uma boa estratégia a tomar por outros países: não difundir a cultura de obrigação, mas sim de decisão baseada em responsabilidade social e sentido ético das populações.
E quais foram as maiores dificuldades desse teu ato voluntário?
Fomos sensibilizados para exercitar atitudes responsáveis, sem termos sido expropriados de liberdade de decisão. Mas o facto de nos ter sido dada a liberdade de escolha ajuda ao processamento da componente negativa de estar em quarentena. Sem dúvida que há dificuldades, sobretudo pessoais.
A estratégia sueca foi, então, a melhor?
A estratégia gerou opiniões polarizadas entre a população. Mas, na generalidade, houve uma atitude comum perante a pandemia. O apelo à responsabilidade social é essencial para viver em comunidade. A sensibilização promove o processo educativo, pois é quando atuamos de forma consciente, não por obrigação, mas por um sentido genuíno. Claro que algumas decisões foram mais polémicas, como o não encerramento de bares, restaurantes e outros.
Mas vimos na televisão bares e parques repletos…
A imprensa internacional deu a entender que não existem restrições, mas tal não corresponde à realidade. A maioria ficou em casa, não frequentando bares ou parques. A estratégia sueca parece ter resultado, não afetou o sistema de saúde e não fez parar a economia. Na verdade, muitos países estão a copiar, por serem medidas com bom senso. O progresso da humanidade não pode depender do medo, mas sim da educação e da sensibilização das populações.
“Em tempos de adversidade, somos capazes de pôr as diferenças de lado para combater o mal comum”
Recentemente, iniciaste doutoramento no Instituto Real de Tecnologia em Estocolmo. Que medidas tomaram? Quais as diferenças e como estão a lidar com situação?
Às entidades empregadoras, foi-lhes dada liberdade para tomarem as suas próprias medidas. No caso da minha universidade, as medidas foram apertadas. Até ao dia 10 de maio, o acesso não era permitido. Ninguém pode entrar sem a autorização dos responsáveis dos departamentos e divisões da universidade.
Como é que analisas esta crise pandémica?
O ser humano, face ao perigo e à dificuldade, arranja sempre uma maneira de prevalecer e progredir. Em tempos de adversidade, somos capazes de pôr as diferenças de lado para combater o mal comum, trazendo de volta as melhores qualidades do ser humano. Esta é a maneira como gosto de analisar a crise.
E qual é a melhor forma de nós agirmos perante esta crise?
Através da responsabilidade social. Cada pessoa é como se fosse uma esfera individual, dentro da qual cada um possui o direito às suas ideias e liberdades. Pode haver liberdade individual desde que haja responsabilidade social e comunitária. É uma noção a mentalizar, não só para a gestão da crise pandémica em que vivemos, mas também para tudo.
Do ponto visto sociológico, consideras que a pandemia venha a mudar o teu comportamento no futuro?
Para mim, dois cenários podem desenvolver-se. O primeiro compreende a ideia de valorização do mundano. Assim que o vírus “desaparecer”, é provável que a maior parte de nós tenha uma necessidade insaciável de “viver” e de apreciar as pequenas coisas da vida. Uma repetição dos “loucos anos 20”.
O segundo baseia-se numa hipótese de adaptação. O confinamento provocou uma mudança e é provável que cada um de nós continue em casa de forma natural. Vivemos um período histórico e será curioso analisar os seus resultados daqui a uns anos.
Perfil do entrevistado
Um filho do mundo
Rodrigo Sanches Pires, químico Português e atual aluno de doutoramento em Química Biofísica no Instituto Real de Tecnologia (KTH, Kungliga Tekniska Högskolan) em Estocolmo (Suécia), é licenciado em Biologia Celular e Biotecnologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e mestre em Bioengenharia pela Universidade de Lund.
Investiga o uso de técnicas de física experimental, tais como Ressonância Magnética Nuclear, Microscopia de Força Nuclear, Microscopia eletrónica e de super-resolução, as quais permitem explicar relações entre sequências, estruturas macromoleculares e propriedades nano-mecânicas em amiloides.
Amiloides, como explica, são longas estruturas proteicas de natureza fibrilar capazes de adquirir diferentes estruturas e polimorfismos. Estão associadas com uma multitude de patologias, tais como diabetes tipo 2, Parkinson, Huntington e Alzheimer.
Em Setembro de 2016, após receber distinção por mérito académico e concluir com sucesso os dois primeiros anos de licenciatura em Lisboa, decidiu terminar o curso em Umeå, no norte da Suécia, ao abrigo do programa Erasmus+. Prosseguiu depois estudos na cidade estudantil de Lund (Sul da Suécia).
Junta à ciência o gosto pela escrita e garante que não lhe faltam ideias para um livro: “O veneno do diletantismo corre-me nas veias. A falta de tempo não ajuda para completar, de forma rigorosa, quaisquer projetos adicionais.”
O seu projeto baseia-se num manifesto onde dá a conhecer as suas opiniões em relação ao mundo, religião, ciência, sociedade e futuro da mesma. “Descansarei quando as novas gerações apreciarem cientistas com o mesmo brilho que idolatram jogadores de futebol ou um cantor famoso.”
Já regressar a Portugal não é uma hipótese: “Identifico-me com a corrente europeia federalista. Para mim, Portugal e Suécia são estados que fazem parte de um grande país a que chamamos Europa.” Um dos seus sonhos é ver a Europa interligada por um sistema de comboio de alta velocidade, para desconstruir as barreiras físicas, mentais e nacionalistas ainda existentes.