Conhecido pela capacidade de risco e profissionalismo, Pedro Pinto fala sobre o papel do jornalista e o quão difícil é distanciar-se da profissão. É subdiretor de informação da TVI. Admite que a gestão de egos é o mais complicado e que só com trabalho de equipa se faz boa televisão.
Licenciou-se em Relações Internacionais, na Universidade Autónoma de Lisboa, mas começa a carreira de jornalista na RTP, em 1997. Como surge a oportunidade de ir para a RTP?
Em março de 1997, o Jaime Almeida Ribeiro, com quem tinha trabalhado na TVI, quando estagiei pelo Cenjor, vai para a RTP. Estava em casa, com a minha mulher, e o telefone toca à 1:00h da manhã. O Jaime precisava de uma pessoa para trabalhar na redação. Disse que tinha gostado do meu trabalho e perguntou-me se queria começar a trabalhar na RTP, mas tinha de ser no dia a seguir. Claro que aceitei!
Estes momentos inopinados e inexplicáveis fazem o nosso destino. Acredito muito nos acasos com sentido, em momentos que nos definem em termos de caminho de vida e esse foi, claramente, um deles. Digo sempre aos meus alunos para darem o melhor, porque há sempre alguém que repara.
A sua carreira mudou em 2000, em Santa Maria da Feira, ao cobrir a Cimeira Europeia. José Eduardo Moniz gostou do seu trabalho e convidou-o para a TVI. Que memórias guarda desses tempos?
O Henrique Garcia ligou-me e disse que não conseguiu arranjar um convidado para entrevistar na segunda parte do Jornal 2. Como tal, ia ser eu o convidado e falar sobre o que estava em discussão na cimeira. Fiquei estarrecido e disse ao Henrique que não tinha experiência para isso.
Por coincidência, o José Eduardo Moniz estava à procura de uma pessoa para apresentar jornais numa “nova” TVI. Alguém tinha falado em mim e calhou, nesse sábado, o José Eduardo estar a ver o jornal e acompanhar a segunda parte. Assim que terminou esse jornal, ligou-me para irmos almoçar.
Foi claro comigo, disse que não tinha muito dinheiro para me dar, mas tinha um desafio para me fazer: apresentar e editar o jornal com a Manuela Moura Guedes.
É preciso enquadrar esta situação porque a RTP é sempre um sítio estável, há uma estabilidade de emprego e de continuidade quase irrebatível e, na altura, falava-se que a TVI estava na falência. Trocar uma carreira tranquila, de previsibilidade absoluta, para uma situação de total desafio é uma decisão arriscada.
Quando cheguei a casa, disse à minha mulher que ia para a TVI. Ela ficou em pânico, não compreendeu como é que podia tomar uma decisão que ia mudar a minha vida de forma tão radical. Esse é um momento na minha vida que nunca esqueço como, por vezes, o risco tem uma grande paga do ponto de vista da retribuição pessoal e profissional.
“A gestão de egos é o mais complicado em televisão”
Já apareceu nos “Apanhados”, na TVI, pelo menos duas vezes, tem uma banda com outros jornalistas do canal (4station). O ambiente de uma redação é de companheirismo ou nem por isso? A gestão de egos é complicada?
A gestão de egos é o mais complicado em televisão. Sempre vi televisão como sendo um trabalho de equipa, isso ajudou-me a lidar com situações de maior pressão, maior popularidade ou… menos positivas.
Não estou a fazer nenhuma alegoria, televisão é mesmo um trabalho de equipa. Estamos a falar de 90 pessoas e, se uma delas não faz bem o seu trabalho, o jornal não vai correr bem. Se troca um ficheiro, o jornal tem uma peça errada, se faz um erro num lead é algo que mancha o jornal. O equilíbrio entre aquilo que as pessoas acham que valem e aquilo que lhes é reconhecido do ponto de vista remuneratório e do ponto de vista do seu trabalho perante os outros é o mais difícil de fazer.
Com tantos desafios profissionais como o de jornalista, subdiretor de informação, professor na Autónoma e no ISCTE, escritor, como é que Pedro Pinto profissional se distancia do Pedro homem de família?
Nós, jornalistas, vivemos da atualidade. Se estou em casa e acontece uma situação como o ataque ao Bataclan, não posso dizer: “estou em casa e, portanto, amanhã trato disso”. Ainda por cima, quando se tem responsabilidade como tenho num canal que funciona 24 horas.
Aprendi a disciplinar-me. Quando chego a casa, procuro desligar e estar algum tempo com os meus filhos. Hoje, estou a contar sair às 17 horas e prometi ao meu filho que vamos ao parque. Esse é o tempo que quero reservar. Não vou estar com o telemóvel na mão, tento compartimentar, mas nem sempre isso é possível.
No seu Instagram, em 2018, publicou uma foto que tirou em Pedrogão-Grande. Nessa publicação diz: “Nunca hei-de esquecer o que ali testemunhei. E que Portugal nunca mais volte a falhar como falhou.” É em situações como esta que um jornalista se deixa levar pelas emoções?
Era um momento, de facto, marcante, que tem a ver com as fraquezas e as inconsciências do Estado. Isso, como cidadão, foi uma coisa que me revoltou. Foi uma opinião pessoal, que ainda hoje mantenho, mas nunca misturo opiniões pessoais com aquilo que é um trabalho jornalístico. O dever do jornalista é esse, temos de manter uma certa frieza, procurar o distanciamento para não fazer julgamentos, dar a conhecer as causas e as consequências da situação e não emitir opiniões.
Essa frase é muito mais do cidadão do que do jornalista. Quando fiz a entrevista ao primeiro-ministro, procurei afastar todas essas emoções, porque o papel do jornalista não é julgar, mas sim dar a conhecer aquilo que são as várias versões da realidade e dar aos protagonistas a oportunidade de expressarem aquilo que são as suas explicações. Foi isso que fiz, com sentido crítico, mas com distanciamento. Quando as questões são tão evidentes, o testemunho de quem lá está é mais importante do que relatar o facto que toda a gente já percebeu qual é.
O testemunho do jornalista é importante, não somos robôs, temos família e, nesses contextos, lembramo-nos dessas pessoas. É impossível ficar indiferente perante essas realidades, mas daí a criticar ou acusar alguém… espero nunca o fazer e, no dia que o fizer, espero que alguém me tire do lugar. Isso não é fazer jornalismo.
“Um jornalista tem que estar preparado para situações inopinadas”
Já passou por alguma situação caricata num direto? Ou na apresentação de um telejornal?
Houve um jornal em que tivemos problemas com o teleponto a um minuto de irmos para o ar. Fiz o jornal todo sem teleponto, foi um grande desafio, mas fizemo-lo. Há uma coisa que não se compra: a experiência. Se tivesse sido cinco anos antes, teria sido difícil.
Um jornalista tem que estar preparado para situações inopinadas, e não dizer, como já ouvi dizer, “sobre isso não sei nada”. A imprevisibilidade é o maior desafio do direto.
No tempo da Troika, na redação, alguém me disse que perante a aprovação do Orçamento de Estado do PSD e do CDS, o Carlos Carreiras estava totalmente contra o orçamento. Achei interessante um dos coordenadores do PSD, conselheiro do primeiro-ministro, estar contra. Disse que o queria entrevistar. Já no estúdio, faltavam 50 segundos para começar a entrevista, disse-lhe: “Então, está contra o orçamento, não é?” Ele olhou para mim e disse: “Não, muito pelo contrário”. Ou seja, toda a minha preparação não fazia sentido, tive 10 segundos para pensar em outro ângulo.
As redes sociais vieram alterar a noção do jornalismo e confundir aquilo que é um engano com uma intenção. Com o engano ao dizer “clube do Porto” a quantidade de ameaças de morte e de insultos que recebi ultrapassa o razoável. Inclusivamente, num restaurante, alguém se aproximou e disse: “Então, porco, estás a gostar da refeição?” Um amigo meu levantou-se e só não houve uma cena de pancadaria porque houve pessoas a separarem-nos.
Estas situações fazem-me questionar o peso e impacto que temos nas pessoas. Mas já tive situações muito agradáveis. Um dia, recebi um telefonema de um senhor com quase 80 anos, que me disse duas coisas que me deixaram com as lágrimas nos olhos: que era a sua companhia, porque vivia sozinho, e que “eu não sei como é que é o Pedro porque sou invisual, mas eu gosto muito da sua voz e da forma como fala”.
A minha profissão tem coisas muito positivas, mas também tem o reverso. Como diria o Tony Carreira, que é uma frase que digo com ar irónico: “Foi esta a vida que escolhi!” (risos)
Bem sei que é uma pergunta clichê, mas, hoje, que conselho daria ao Pedro recém-licenciado e a tantos jovens que tem o sonho de trabalhar em televisão?
Temos de gostar muito daquilo que fazemos, se não nunca seremos bons. E, se assim for, estamos disponíveis para fazer sacrifícios. Os média não são um setor próspero para os próximos anos, a minha geração foi a última que teve a sorte de ter uma renumeração compatível com o nível de exigência. Nos últimos anos, tem havido uma desvalorização enorme da profissão de jornalista. É preciso trabalhar muito, ter boa memória, ambição para querermos ser melhores, mas não uma ambição desmedida.
“Gostava de fazer jornalismo pelo lado romântico da questão”
Com uma carreira longa e marcada pelo sucesso, ainda tem objetivos por realizar a nível profissional?
Nunca trabalhei por objetivos de longo prazo, disciplino-me com objetivos de curto prazo. Não imaginei, nem ambicionei, apresentar jornais: gostava de fazer jornalismo pelo lado romântico da questão. Fui vivendo a vida e aproveitando as oportunidades que iam aparecendo, recusando outras que não me pareciam tão interessantes. Gosto muito do filme “Casablanca”, quando Bogart é questionado por uma amiga se quer ir jantar e ele diz: “eu nunca faço planos a tão longo prazo”. É uma metáfora, mas é uma frase que nunca esqueci.
Nos meus objetivos mais imediatos estão continuar a fazer jornais diferenciadores, inovadores, fazer programas individuais. Procurar seguir os meus princípios, fazer um jornalismo melhor, mais ousado, e melhor do que no dia anterior.