Licenciado em Línguas Modernas, variante de Estudos Portugueses e Franceses, Luís Cristóvão é um dos mais reconhecidos comentadores desportivos em Portugal, colaborador da Antena 1, SIC e Eleven Sports. Se bem que a escrita e os livros nunca tenham deixado de ser uma paixão.
É comentador desportivo na Antena 1, SIC Notícias e Eleven Sports. O comentário sempre foi o seu principal objetivo?
Apesar de desde muito jovem gostar de ver futebol e acompanhar os relatos e as transmissões na televisão, não era propriamente um objetivo. A minha formação não teve ligação nenhuma a esta área da comunicação. É na área da literatura. Não posso, por isso, propriamente dizer que tinha sido um sonho cumprido.
Além de comentador, também escreve muito sobre futebol…
Sim… aquilo que me é mais natural e que faço há mais tempo é escrever. Agrada-me porque me permite uma certa reflexão, trabalhar a partir de ideias que se conjugam com a atualidade. O comentário ao vivo foi algo que descobri mais tarde. Há momentos que dão bastante gozo, mas exigem um trabalho de preparação e de acompanhamento que, de alguma maneira, o faz ser menos prazeroso. O momento do direto do jogo, aquelas duas horas, podem ser muito boas, mas implica um tipo de trabalho que não me dá tanto prazer quanto o da escrita.
Como é feita a preparação para o comentário de um jogo em direto?
Há uma parte grande da preparação que não acontece naquele dia ou dias antes do jogo, tem a ver com o acompanhamento que se tem da competição ao longo do tempo. Uma coisa é acompanhar o campeonato português, mas fazer comentário obriga a ter um método regular de forma a conhecer as equipas, os jogadores, os treinadores, os seus trajetos. É essa base que se vai desenvolvendo ao longo da carreira e que pode ser utilizada durante o jogo. Se amanhã me disserem “vais comentar a Liga Turca”, há um trabalho enorme a fazer para entrar nessa ideia do que é a Liga turca. É preciso essa base de conhecimento. A nível pessoal, utilizo muito os sites Zerozero, TransferMarkt ou Iscout, para retirar dados e junto aquilo que está na cabeça.
“Trabalhei durante anos em livrarias e em edição”
As redes sociais e os meios de comunicação digitais têm cada vez mais importância na sua área. Como é que olha para o papel das redes sociais na construção da sua marca pessoal?
Sou uma pessoa das redes sociais. A minha presença na televisão e na rádio começa com o trabalho nas redes sociais. Quando comecei no formato de blogue era uma coisa bastante diferente, mas também utilizei sempre muito o Twitter. Sobretudo a partir de 2012, 2013, nessa ideia de uma criação de estatuto dentro da área, ou seja, comentando aquilo que ia acontecendo no desporto. O basquetebol e futebol são as duas modalidades que sempre trabalhei mais. Foi muito no Twitter que fui moldando aquilo que era o meu discurso ou a minha forma de estar no comentário. E, por isso, acho que tem um peso enorme, acima de tudo na construção daquilo que queremos ser.
Já teve, com toda a certeza, diversos momentos marcantes na sua carreira. Algum que se destaque?
Para mim, teve muito impacto a primeira final de Taça de Portugal que fiz no estádio para a Antena 1, em 2019, entre o Sporting e o Porto. Foi um momento especial, por todo aquele ambiente no Jamor, por estar a fazer para a rádio com duas pessoas que se tornaram referências para mim: o Alexandre Afonso e o Paulo Sérgio. Se calhar, foi aquele momento em que senti que estava realmente a fazer uma coisa com enorme significado. E estava a fazê-lo bem. Uma semana depois, fui fazer a final da Champions, em Madrid, e aí senti muito mais a responsabilidade do trabalho. O foco no trabalho não me deixou ter essa ligação emocional que a Taça de Portugal teve.
Tem alguma referência na área?
Essa é uma pergunta difícil. Primeiro, porque acho que não há propriamente uma escola de comentário em Portugal. E ao não haver essa escola, não há uma ideia daquilo que existiu no passado. Por exemplo, para mim o Luís Freitas Lobo teve um impacto muito grande na forma como escrevia e falava do jogo na televisão. Mas há um antes de Luís Freitas Lobo que também tinha muitos pontos de interesse. Durante a pandemia, todos os dias via, pelo menos, um jogo antigo dos anos 80/90. Apanhei muitos jogos comentados por antigos treinadores ou pessoas que foram comentadores na RTP e na Antena 1 durante anos e lembro-me de pensar: “isto está super atual”. A partir daí, fui sempre construindo as minhas referências, muito baseado também em coisas que via dos estrangeiros.
“É muito importante ouvir quem está a trabalhar na área”
É autor de seis livros de poesia e de vários de literatura infantil. A paixão pela literatura nunca desapareceu?
Tem a ver com aquilo que foi a minha formação e com o que era o meu trabalho anterior. Trabalhei durante anos em livrarias e em edição. Tenho estado nestes últimos tempos a trabalhar em vários livros, um deles para crianças sobre desporto. É uma paixão, uma forma de necessidade, uma afirmação daquilo que gosto. Leio muito, não só sobre desporto, leio mesmo muito e escrever vem sempre associado a isso. Se há coisa que faço desde sempre é ler e tentar escrever alguma coisa a partir daí. É uma coisa muito presente e demorei muito tempo a conseguir conjugar as duas, mas é algo que atualmente estou a conseguir fazer. Ou seja, que o desporto e o futebol também estejam na minha produção escrita.
Que conselho daria a alguém que deseja seguir uma carreira na área da comunicação de desporto?
Acho que é muito importante ouvir quem está a trabalhar na área. Aqueles de quem se gosta e até aqueles de quem não se gosta. Muitas das coisas que aprendi, aprendi-o ouvindo pessoas que sentia que estavam a cometer erros, mas era importante ouvi-los para que isso servisse como um teste à minha percepção. O segundo conselho é ser muito autocrítico, colocar-se muito em causa. Estou na televisão a fazer comentários dos jogos, desde 2015. Já passei por várias fases na forma de comentar os jogos. Todos os anos, tento mudar alguma coisa, acrescentar, procurar um site diferente, preparar o jogo de outra maneira. A questão do esforço e da autocrítica é bastante importante para que possas desenvolver o teu trabalho. Como consequência disto, é um meio super competitivo, hoje estás a comentar jogos da Liga dos Campeões e amanhã há alguém que o vai fazer melhor, e para te aguentares tens de ter alguma carta na manga.