Segunda figura do Estado, José Pedro Aguiar-Branco é um dos homens com mais poder institucional de momento em Portugal. Enquanto presidente da Assembleia da República tem o dever de dirigir a ordem de trabalhos parlamentar, ouvir os diferentes partidos representados e, sempre que necessário, substituir o Presidente da República. Na qualidade de cidadão, tem o poder de, com aquilo que vê, escrutinar o mundo e exercer o seu papel na coisa pública.
Aos 17 anos, no dia 24 de abril em 1974, torna-se militante da juventude do Partido Social Democrata e do PSD. Qual era a sua relação com a política até àquele dia? A sua família era politizada?
O meu pai tinha sido deputado na chamada “ala liberal” e a questão da política era um tema recorrente em minha casa. O debate e a troca de ideias aconteciam sempre com um espírito livre de podermos ir conversando sobre as realidades que aconteciam. Foi natural que, logo a seguir ao 25 de abril me tenha sentido motivado para participar em primeira mão nas eleições que no liceu se fizeram para as associações de estudantes, que era uma novidade, e depois motivado pela criação de novos partidos políticos. Essa motivação, também de natureza pessoal, surgiu com o nascimento de novos partidos políticos e a vontade de intervir naquilo que era o desenvolvimento da revolução. Nestes momentos únicos, a dinâmica da mobilização é grande e estar a começar a democracia era uma grande novidade que motivava os jovens como eu.
O que mudou a partir daquele dia?
Tudo. Tenho a felicidade de ter vivido esse momento, independentemente das opções ideológicas. São momentos que na história de um país não acontecem com frequência, a mudança de regime. É mudar de uma situação onde não havia liberdade de expressão, a liberdade de atuação nem a liberdade de constituição, para um mundo completamente oposto onde tudo isso era o objetivo a atingir.
Formou-se em Direito e exerceu advocacia. No Governo de Pedro Santana Lopes, em 2004, torna-se ministro da Justiça e, em 2011, no Governo de Pedro Passos Coelho fica encarregue da pasta da Defesa Nacional. Em 2015, é eleito deputado parlamentar pela bancada do PSD na XIII legislatura. Agora, na XV Legislatura, assume a presidência da Assembleia da República. Este percurso político revela a sua ambição de ser a segunda figura do Estado?
O meu percurso não foi pautado no sentido de adquirir esta função, foi sempre em função de, em cada momento, perceber onde estava melhor colocado para poder fazer intervenção cívica. É fundamental em democracia estarmos disponíveis para participar. Se queremos exercer um sentido crítico em relação ao que se passa, temos de estar disponíveis e, se nos chamarem à responsabilidade do exercício de funções, fazê-lo. Foi isso que fui fazendo, foi esta a disponibilidade que tive, mereci a confiança dos meus colegas da Assembleia da República e exercerei o melhor que sei a função para ajudar a nossa democracia a ser mais enriquecida.
“Se tivermos uma voz de bom senso e de moderação ajudamos a que a dialética democrática se faça”
Disse numa entrevista ao Jornal Económico que aceitou regressar à política após duas legislaturas devido às circunstâncias do país, que obrigavam a um exercício de intervenção cívica. Acrescentou ainda que há um extremismo radical que graça na sociedade e que nestas circunstâncias, é fundamental participarmos para travar estes acasos. Hoje, enquanto presidente da Assembleia da República, é difícil gerir certas atitudes radicais que ocorrem no plenário?
Devemos olhar sempre para a representação parlamentar como sendo a expressão da sociedade num país democrático. É verdade que se olharmos para o que se passa no mundo em geral e na Europa existe uma fragmentação dos parlamentos e há uma proliferação de diferentes formas de ver a sociedade. Em Espanha são mais de 15 partidos na assembleia, tal como em França, Itália e países nórdicos, o que significa que esta diversidade é um sinal dos nossos tempos. Devemos ver isso de forma positiva, a sociedade tem múltiplas formas de se rever que depois expressa no voto. Diria que se tivermos uma voz de bom senso e de moderação ajudamos a que a dialética democrática se faça.
Num estudo publicado em janeiro deste ano pela Universidade Católica do Porto conclui-se que 89,6% dos jovens maiores de 18 anos já tinham votado e 17,5% estão filiados num partido. Como faz a leitura destes números?
O primeiro número é de certo modo positivo, porque há vontade em participar no ato eleitoral, mas na vida dos partidos não é tanto assim. Isso requer que os partidos políticos encontrem formas de se relacionarem com os jovens. Era diferente quando me alistei na JSD, a dinâmica era territorial, tínhamos de nos reunir nas sedes. A evolução tecnológica permite que os jovens participem na atividade sem estarem nas sedes, podendo focar-se em zonas temáticas. A mobilização que os jovens precisam é mais focada em algumas áreas ao invés de uma situação genérica.
Em 2019 foi apresentada, ao Parlamento português, uma proposta do PAN para estabelecer os 16 anos como idade mínima legal para exercer o direito ao voto, com o intuito de diminuir a taxa de abstenção. Na Alemanha, Áustria, Bélgica e Malta, países da União Europeia, a idade mínima legal para exercer o voto é 16 anos. Qual a idade ideal para os jovens começarem a participar na política?
Não me parece que a diminuição da idade vá combater a abstenção. A abstenção existe pela falta de motivação. Temo que diminuir a idade pudesse aumentar a abstenção, acho que tem de haver uma maior proximidade entre os políticos, as instituições, os jovens e os eleitores.
No meu mandato, temos em curso uma iniciativa, Parlamento Próximo, em que eu e outros deputados nos deslocamos a municípios e nos encontramos com as suas forças vivas, forças políticas e também com grupos de jovens. Precisamente para que haja uma maior proximidade das instituições, para que as pessoas se sintam ouvidas. Também fazemos isso em relação a quem queira vir ao Parlamento, o chamado Parlamento Aberto. Esse espaço é fundamental para que realmente haja uma motivação à participação e é por aí que se combate a abstenção.
“Esse é o exercício exigente da democracia: a tolerância e o respeito”
No estudo “50 anos de Democracia em Portugal” do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas em colaboração com o Centro de Administração e Políticas Públicas, os jovens portugueses manifestam mais a sua participação política através de petições e manifestações. 70% dos jovens entre os 14 e os 34 anos participam em manifestações e 39% assinam petições. São os jovens que se devem adaptar à política ou deve ser a política a adaptar-se aos jovens?
A dinâmica popular tem a sua importância. Sempre foi assim em democracia e a liberdade de expressão por essa via deve ser preservada, com regras que devem ser respeitadas. Temos de dar espaço a todos para se poderem manifestar. Esse é o exercício exigente da democracia: a tolerância e o respeito pela diferença. Também é verdade que a política utiliza outros instrumentos. Hoje, a tecnologia é facilmente manipulável por novas gerações e os parlamentos devem ter isso em atenção.
É mais usual o uso das redes sociais pelos jovens para estarem em contacto com a atualidade. Considera que as redes sociais possuem a capacidade de enviesar a visão que os jovens têm sobre a política?
Possui, mas gosto de ver as coisas pelo lado positivo, todas as coisas têm um lado bom e um mau. Temos de saber emergir o lado bom e minimizar o mau. Não é eliminando as redes sociais, mas fazer com que cada um olhe com sentido crítico para os conteúdos, para não ser manipulável a sua vontade. As mensagens que se propagam nas redes sociais normalmente são curtas, a densidade do que está em causa muitas vezes não é verdadeiro, é pouco desenvolvido e desenquadrado de uma realidade que é maior induz em erro. Por isso, é bom fazermos cruzar muitos dos meios que temos à disposição.
“É fundamental em democracia que haja esse papel insubstituível da imprensa”
Um dos pilares e reguladores da democracia é o jornalismo. No entanto, o jornalismo encontra-se em crise prejudicando a democracia. Uma das causas desta crise deve-se ao acesso a informação e notícias nas redes sociais e na internet de forma descontrolada, o que fragiliza economicamente e substancialmente redações. Acha que o empobrecimento jornalístico põe em causa a democracia portuguesa?
Em qualquer parte do mundo democrático empobrece. É uma nobre profissão, é fundamental em democracia que haja esse papel insubstituível da imprensa. A própria tem de ter os seus registos de segurança no que diz respeito à não manipulação. Uma imprensa livre que transmita o que se passa na sociedade, permita o exercício crítico e o escrutínio a atores políticos e sociais é determinante. Tudo o que possamos fazer para que tenhamos jornalistas bem formados, no sentido deontológico da profissão, com competências técnicas para efetuar um trabalho competente, é fundamental para o combate à desinformação, seja em redes sociais ou em órgãos de comunicação.
Thomas Jefferson uma vez disse: “Se tivesse que escolher entre um Governo sem jornais ou jornais sem um Governo, não hesitaria em preferir a segunda hipótese.”. Como comenta esta afirmação?
Um Governo sem jornais, isso nunca. Jornais sem Governo, haveria liberdade, haveria seguramente forma de nos podermos expressar. Provavelmente depois a situação de execução de Governo, daquilo que era necessário para estarmos bem organizados em sociedade, falharia. Mas se estivesse assim no limite das coisas, escolher viver num dos mundos, sou como Thomas Jefferson.