Dedicou uma vida à rádio. Durante vinte e nove anos, a voz de João Chaves entrou nos ouvidos de quem escolheu vencer o stress dos dias ao som do ‘Oceano Pacífico’. Dos vinis que ainda guarda aos computadores que o levaram a abandonar o programa, João marcou a rádio em Portugal e no mundo.
É sócio e adepto do Sporting Clube de Portugal. Alentejano, nasceu em Sines e cedo percebeu que era na rádio que se sentia realizado. Aos 11 anos, foi campeão do mundo com um acordeão nos braços a tocar ‘Czardas de Monti’. Hoje, é amante de corridas, de motas e de aviões ou, pelo menos, de os fotografar bem de perto. Se isto fosse rádio e se ela se tivesse mantido como nos anos de ouro, o mais provável seria ainda não ter acertado no nome do convidado. João Chaves começou na Rádio Comercial aos 27 anos, como assistente no programa ‘Fim de Semana Alucinante’ e, pouco depois, foi convidado a ingressar num projeto que, provavelmente, não imaginaria que marcasse a sua vida e a de tanta gente. Foi a voz do ‘Oceano Pacífico’, quer na Renascença, como em quase toda a existência na RFM. Vinte e nove anos de um sucesso tal que, quando completou um quarto de século, trouxe Elton John a Portugal e levou toda a equipa da rádio num cruzeiro pelo Mediterrâneo. Deixou o programa no dia 15 de fevereiro de 2013, mas a sua voz continua a acompanhar as baladas da webrádio a que o “Oceano” deu origem. Mal sabe, talvez, que é a ouvi-lo por aí, onde a sua voz permanece, que ainda são escritas tantas palavras porque continua a ser quem melhor soa em tantos momentos.
Qual é a primeira memória que tem da rádio?
Não tenho memórias da rádio por épocas. Curiosamente, a primeira memória nem sequer é de quando entrei para a rádio. É uma imagem que me leva a sítios que estão dentro de mim, alguns só eu conheço. Muitas dessas memórias são de trajetos que fiz e que sempre me deram vontade de continuar, embora a profissão não seja “só flores” – há muita instabilidade. Ainda assim, quem se aguenta 30 e muitos anos a fazer um programa de rádio só pode ter, felizmente, mais bons momentos do que o contrário. Memórias da rádio – nostalgicamente falando – não tenho. Talvez um dia, quando estiver em casa, já sem conseguir sair ou falar com outras pessoas, elas surjam.
Começou na Rádio Comercial. Como recorda o início de carreira?
Guardo recordações ótimas. Foi lá que se abriram as portas para a concretização de um sonho que tinha desde criança. Já tinha feito testes na Rádio Comercial, mas sempre sem grande sucesso. Desses tempos, lembro-me, acima de tudo, de José Ramos, que fazia o ‘Fim de Semana Alucinante’. Foi graças a ele que acabei por entrar para a rádio. Devo-lhe o esforço que teve quando, durante muito tempo e vendo em mim “um diamante em bruto”, fez força para que ficasse como seu assistente. Fui assistente do José durante quase um ano. Lembro-me que chegava mais cedo para ir buscar os discos e as bobinas para já estar tudo pronto, quando ele chegasse. São hábitos que hoje ninguém tem e que tornavam a rádio de antigamente muito mais interessante.
Gostava mais da rádio que se fazia antigamente?
Sim. A rádio que se faz hoje é muito simplificada. Embora o que conte para muita gente ainda seja a voz do locutor para dar o registo – e falo de profissionais com mais de 30 anos no meio –, quem entra hoje na rádio, por não ter passado por nada do que se fazia antigamente, vai, com certeza, achar imensa piada à simplicidade com que ela se faz hoje. Estou seguro de que se perdeu alguma responsabilidade e algum medo de errar, que hoje é impossível ter porque aparece tudo feito.
Em que pé deixou a Rádio Comercial?
Naquela época, já tinha feito os programas todos da Rádio Comercial até conseguir ter um que fosse só meu. No princípio, ninguém me queria deixar ir ao microfone porque não era remunerado e isso, diziam, “fazia com que não fizesse parte da equipa”. Depois houve um momento em que falei uma primeira vez na rádio e, desde aí, fazia os programas de todos sempre que iam de férias. Só não fiz o “Rock em Stock” porque eles eram muitos e, quando Luís Filipe Barros ia de férias, havia sempre alguém para assegurar a emissão. Ou Rui Morgan ou Jorge Faloca …
Quanto tempo esteve lá sem ir ao microfone?
Mais ou menos, um ano. A história que me levou ao microfone é muito engraçada. Estava à espera de José Ramos, num outro programa que ele fazia durante a semana e onde também comecei a dar assistência. Se virmos bem, estava lá todos os dias: durante a semana era assistente no ‘Círculo em FM’, do Círculo de Leitores, e depois no ‘Fim de Semana Alucinante’. Num desses dias, aconteceu algo que nunca vou saber se foi propositado ou não: estava já na cabine com tudo pronto para o programa do José – faltavam uns dez minutos para o início – quando me ligou Jaime Fernandes. Nunca mais me esqueci do que me disse: “João Chaves? Fala Jaime Fernandes. Olhe, o José não vem. Ele ligou-me agora e disse que está num engarrafamento a tentar voltar de Tróia para aqui. Também já tenho um compromisso e não há ninguém aqui que possa fazer o programa. Você sente-se capaz?” Há tantos anos que estava à espera dessa oportunidade… Claro que era capaz. Foi assim que fiz o meu primeiro programa de rádio.
Como é que correu?
Os nervos eram muitos. Lembro-me de ter cruzado dois ou três discos com o microfone aberto, mas sem conseguir dizer nada. Tinha de ler uns textos sobre os livros para que as pessoas depois os comprassem e, com o medo de falhar, aquilo tornou-se complicado. Até que a certa altura pensei que, mais tarde ou mais cedo, o Jaime iria ligar para saber quem, afinal, estava a fazer aquele programa. Acertei a música que ia entrar, abri o microfone, falei e, desde então, não me tenho calado.
Em meados dos anos 1980, recebeu o convite do jornalista e locutor de rádio Jaime Fernandes para se mudar com ele para a Renascença, onde viria a dar vida a um dos programas de maior sucesso na história recente da rádio em Portugal. Lembra-se do que lhe passou pela cabeça, quando recebeu esse convite?
O Jaime era um dos meus ídolos, era uma das vozes que admirava e que ouvia mais. Para ser franco, ouvia os seus programas todos. Na altura, ele era diretor de programas da Rádio Comercial e chamou-me ao gabinete para me dizer que ia abraçar um projeto novo. A Rádio Renascença só emitia em onda média e o Jaime tinha sido convidado para dirigir o projeto que estava a surgir em FM. Apesar de muita gente achar que ‘RFM’ tem algo a ver com uma estação francesa que partilha o mesmo nome, a nossa chama-se assim porque deriva de ‘Renascença FM’, esse tal novo projeto que iria separar as emissões de onda média daquelas que estavam para surgir em FM. O Jaime convidou-me para o programa pop da Renascença FM.
Chegou a aceitar?
Cheguei, chamava-se ‘Rock No Ar’. Disse ao Jaime que se ele me convidasse, inclusivamente, para me mudar de rádio com ele para a China, eu iria. Tinha uma admiração pelo profissional que ele era que não me lembro de ter por muita gente.
Há 34 anos que o ‘Oceano Pacífico’ começa com o mesmo genérico que acompanhou as suas noites, durante 29 anos. Há quanto tempo não o ouve?
Sinceramente, não sei. Tenho a versão original em casa, no meu computador. É uma marca do programa, mas, ao contrário do que muita gente pensa, não foi escolhido por mim. Quando peguei no ‘Oceano Pacífico’, ele e o genérico já existiam. Nessa altura, a emissão só abria às 14 horas. Só quando o Jaime quis estender esse horário para que a emissão passasse a cobrir também as manhãs, é que comecei a fazer o “Oceano”. Isto porque Marcos André, que até então fazia o programa, tinha sido recolocado no horário matutino. Curioso que hoje é ele quem faz novamente o ‘Oceano Pacífico’.
O que disse a Jaime Fernandes quando o encaminhou para o ‘Oceano Pacífico’?
Passou-se cerca de dois meses após o início do tal programa pop. Perguntei-lhe se, tão pouco tempo depois de ter começado o meu programa, ele já me queria “queimar”. Ele devolveu-me uma pergunta: “Você é profissional ou não?”
Achava que não conseguia fazer o programa?
O ‘Oceano Pacífico’ naquela altura não era nada. Era “mais um”. O meu problema é que à noite, a rádio não tinha ouvintes. O público era da televisão e das suas novelas. As noites da rádio viviam de entrevistas. Eram poucos os programas de música. Por isso é que na noite em que ele me pediu para fazer o “Oceano”, nem dormi. Fiquei a pensar no que podia ser aquele programa se eu o fizesse. Achei que fazia sentido algo que transmitisse calma, depois de um dia agitado e stressante. Propus um programa de baladas e o Jaime comprou a ideia na hora. Sobrava só um problema: não tínhamos música.
Como encontraram a música?
Nos dois dias que tinha até o programa ir para o ar, o Jaime mandou-me correr as editoras todas para arranjar músicas para aquele horário, que começou por ser apenas das 22 horas à meia-noite. Há medida que fomos tendo mais músicas, estendemos o programa até ao formato que tem hoje: quatro horas por dia. Mas, sendo o mais honesto possível, nunca me passou pela cabeça que pudesse durar quase 30 anos.
“Mesmo não sendo especialista para aconselhar seja quem for, nessa fase apareceu-me de tudo, inclusivamente houve quem me ligasse para me dizer que ia pôr termo à vida.”
Qual é o segredo, se é que existe, para manter um programa em antena durante tantos anos?
Não há segredo. A não ser que consideremos segredo que, quando fazia o programa, tentava falar sempre ao ritmo da música e com algum romantismo. Ao longo de todos esses anos, fiz outras coisas na rádio. Mas como não tinham aquele ritmo e, por isso, o registo era forçosamente outro, havia quem nem me reconhecesse. Para mim, se houver algum segredo, só pode ser este.
O que lhe diziam as pessoas, ao longo dos 29 anos de programa?
Guardo muitas histórias, nem todas podem ser ditas. As pessoas partilhavam muito da sua vida comigo, o que sempre me deu uma satisfação enorme. Era gratificante, mesmo. Havia quem me considerasse um amigo, sem me conhecer e, nesses casos, o valor dessa relação aumenta consideravelmente. Alguém que confia no outro ao ponto de lhe confiar grande parte da vida tem de ser especial. Havia também quem me considerasse um psicólogo… Aconselhei muita gente. Para se ter uma noção: quando o programa ainda acabava à meia-noite, cheguei a estar ao telefone com ouvintes até às seis da manhã, mesmo depois de ter fechado a emissão. Apesar de não ser especialista para aconselhar seja quem for, nessa fase apareceu-me de tudo, inclusivamente houve quem me ligasse para me dizer que ia pôr termo à vida.
Pode contar essa história?
Faz sentido recuarmos um pouco, talvez. Nessa altura, ainda não existiam os serviços de telecomunicações que conhecemos hoje. Cada pessoa montava a sua antena parabólica em casa conforme queria e nela chegavam simultaneamente os sinais de televisão e rádio. Um desses canais era a ‘Renascença FM’, o que permitia que se conseguisse também ouvir a nossa emissão no estrangeiro. Numa noite, um ouvinte inglês ligou, de Londres, para saber que música tinha acabado de tocar na rádio. Pediu-me que a gravasse numa cassete e a enviasse para a morada que ele me deu. Mais do que enviar a cassete, mandei-lhe o disco. Ele ficou tão grato que me enviou, de Londres, uma garrafa de Vinho do Porto dos anos 1800. Uma fortuna. Além disso, o pacote vinha com um disco de Richard Harris. Passado algum tempo, ligou para a rádio esse outro senhor que queria por termo à vida, mas não sem antes me agradecer por tê-lo ajudado noutros momentos com a música do ‘Oceano’. Na altura, pensei que fosse brincadeira. Quando percebi que não era, fiquei aflito. Fui-lhe dizendo que a vida dá voltas que nem sempre esperamos, que também já tinha passado por situações complicadas… E nisto, disse-lhe que ia por uma música que era para ele. Chamava-se “Slides”, falava das várias fazes da vida, de como há sempre um lado bom nas coisas más. Era uma das músicas do tal disco de Richard Harris vindo de Londres. Passou-se um ano em que não soube mais nada daquela pessoa, até que recebi uma carta. Nela, ele dizia que tinha voltado a casar, que tinha uma filha lindíssima e que, por não ter feito um disparate naquela noite, era o homem mais feliz deste mundo.
Será que faltam mais programas de palavra para prevenir casos destes?
A palavra só deve ser dita no essencial. Quando há demasiadas palavras, as pessoas fartam-se. Ninguém pensa da mesma maneira e aquilo que pode ser interessante para uma pessoa, pode ser uma estafa para outras quinhentas. Em programas como o ‘Oceano Pacífico’, o que realmente interessa é saber encaixar a palavra dentro da música. Nos textos que escrevia para dizer no programa, havia sempre algo que tinha a ver ou com a música transmitida, com a que ia tocar, ou ainda com alguma carta que alguém me tinha escrito. É essa preocupação em saber encaixar a palavra no contexto que é precisa, sobretudo, em programas onde a música é a prioridade.
Tem ideia de qual foi a música que passou mais vezes ao longo da história do programa?
Ui… (risos) Era eu quem escolhia a música que passava no ‘Oceano Pacífico’ — pelo menos, até entrarmos na era dos computadores — e toquei várias, muitas vezes. Havia um disco de um grupo que depois se tornou muito conhecido, mas como era alemão, achei que não fosse valer a pena e arrumei-o. Num fim de semana, estava em casa a preparar o programa e voltei a pegar no disco. Quando o pus a tocar na rádio, foi impressionante: o telefone não parava de tocar com pessoas que queriam saber que música era aquela. Era o “Still Loving You”, dos Scorpions. Essa deve ter sido daquelas que, desde então, toquei mais vezes.
Assumiu, numa entrevista recente, que o ‘Oceano Pacífico’ que existe hoje não é aquele que idealizou. Acredita que esse programa que concebeu ainda tem espaço na rádio?
Tanto o programa que idealizei como aquele que existe hoje na ‘RFM’, ainda têm espaço na rádio. A razão para dizer isto é simples: as pessoas que me ouviam há 30 anos, hoje têm 50. As que começaram a ouvir o programa agora, há 30 anos nem existiam. Por isso é que, quando faço o ‘Oceano Pacífico’ na web, tento misturar as músicas novas — para o público mais jovem — com aquelas mais antigas para o público de sempre e que acabam por ser também do agrado dos mais jovens.
Entre o formato que idealizou e o que existe hoje, que outras diferenças existem para lá da diferente seleção musical?
A música é o centro do ‘Oceano’. Ela muda, o programa muda. Quando deixei de tocar só as minhas baladas, aquelas que habituei as pessoas a ouvir, houve quem percebesse que o programa já não era o mesmo. Isso não se refletiu nas audiências porque, à medida que havia quem abandonasse o programa, havia também, por outro lado, uma camada mais jovem que passava a ligar-se à emissão. Normalmente, um programa de rádio é dirigido a um público específico, mas no ‘Oceano Pacífico’ tinha a felicidade de chegar a quase todos. Os bebés adormeciam a ouvir o programa, os jovens estudavam a ouvir o programa, os adultos namoravam e até casavam a ouvir o programa e os mais velhos ouviam-no também. Portanto, de geração em geração, toda a gente ouvia o ‘Oceano’. Eu tive essa sorte. Quando houve necessidade de mudar a forma como era escolhida a música — por muito que fossem baladas na mesma — senti que aquele já não era o programa que tinha feito em tempos. Estamos a falar dos últimos dez anos de ‘Oceano Pacífico’. Essa mudança levou-me a ponderar o que deveria fazer e acabei por decidir sair.
“Quando o programa ainda acabava à meia-noite, cheguei a estar ao telefone com ouvintes até às seis da manhã, mesmo depois de ter fechado a emissão.”
O que custou mais quando deixou o programa?
Já não me sentia bem naquele formato, não custou nada. Era a altura ideal para fazer outro programa qualquer. Como isso não aconteceu, saí. Se aquele já não era o programa que tinha criado e se nunca quis sair da rádio pela porta de trás, não havia muito mais a fazer ali. Embora a direção não quisesse que saísse, a minha decisão era aquela e estava tomada. Propuseram-me depois que ficasse a fazer o ‘Oceano’ na web e achei que, ao fim e ao cabo, era o melhor.
Na webrádio do ‘Oceano Pacífico’ ainda passa as suas músicas?
Algumas. Houve um tempo em que, à medida que as músicas iam saindo da emissão da ‘RFM’, iam parar à webrádio. Durante esses anos, fui tocando as minhas músicas por lá. Sentia-me “um peixinho na água”. Ultimamente, têm-se perdido um pouco.
No início da webrádio, os números excederam as expectativas. Tem noção de qual dos dois formatos resulta melhor?
Neste momento, é na web porque é feito por mim. (risos) Tenho uma sorte enorme, porque as pessoas que souberam, mesmo depois de ter deixado a ‘RFM’, que continuei a fazer o ‘Oceano Pacífico’ na web 24 horas por dia, mudaram-se comigo para a webrádio. Soube, nessa altura, que aquilo começou a ter uma audiência enorme. Mas sinceramente, já não ando a par disso e prefiro mesmo nem saber. Hoje, faço rádio “por desporto”.
Nos primeiros anos do ‘Oceano Pacífico’ chegou a ir a Madrid comprar músicas para o programa porque em Portugal não havia assim tanta variedade de música calma à venda.
O estrangeiro era a minha sorte. Em Portugal, poucos discos se vendiam e explicaram-me que os que sobravam eram destruídos para fazer vinil outra vez. Por isso, não havia, em nenhum armazém nacional, músicas que pudéssemos tocar. A certa altura, senti que tinha uma responsabilidade demasiado grande no programa para me tornar repetitivo nas músicas que passava. Quando havia alguma que estava muito na moda, chegava a esperar que as outras rádios deixassem de a tocar para a trazer para o ‘Oceano Pacífico’. Num dia, lembrei-me que um primo — que tinha estudado uns tempos em Madrid — me tinha dito que em qualquer discoteca de lá havia discos de tudo. Meti-me no carro e fui até Madrid. Chegava a entrar em discotecas às dez da manhã para ouvir álbuns completos — porque não podia ser de outra forma — e tentar, lá pelo meio, encontrar alguma balada. Nessas viagens trazia sempre imensos LPs.
Lembra-se do nome dessa discoteca em Madrid?
Ia a várias, corria aquilo tudo. Havia uma, nas Portas do Sol, que era a mais abastecida. Há outra de que me lembro de ter descoberto… Era no cimo da Calle Gran Vía, numas ruazinhas que viram à direita. Nessa loja, os empregados fantasiavam-se a rigor: uns encarnavam o Graham Nash, outros o David Crosby, … Foi lá que encontrei um grande disco do Neil Young, de onde comecei a passar uma balada espetacular.
Ainda guarda esses vinis?
Claro. Quando acabou o vinil, tive de fazer uma limpeza à estante da minha sala. Só singles, tinha milhares. Acabei por dar alguns a pessoas que faziam coleção. Foi uma razia: tudo o que não me interessava, dei. Fiquei ainda com duas estantes grandes cheias, onde guardo religiosamente os meus vinis, aqueles que fizeram a história do ‘Oceano Pacífico’.
Que vinis encontramos lá?
Tanta coisa. Desde The Moody Blues, The Proclaimers, … Todas as músicas que passavam no programa, em vinil, estão lá guardadas. Já aconteceu pedirem-me um disco específico e, como não tenho nada catalogado, começar a procurar no cimo da primeira estante e, afinal, ele estar no fim da outra. Chego a passar horas a ver aqueles vinis. Mas ainda bem que o faço, assim cuido deles. Olho para aquelas estantes e penso: “isto sou eu”. Ali sim, tenho recordações desses tempos em que o programa era verdadeiramente meu.
Hoje, com dois ou três cliques, tem-se acesso ao mundo em forma de música. O que sente que mais mudou na rádio ao longo dos últimos anos?
Mudou, sobretudo, quem está a fazer rádio. Antigamente, não era qualquer pessoa que ia ao microfone. Mesmo quando era miúdo, as vozes não eram vozes… Eram “vozeirões”. Hoje não. Nós lá ouvimos o que eles têm para dizer, mas nem se compara ao que se sentia antigamente. Eram vozes que nos prendiam verdadeiramente à rádio. Não era só a música que importava ali, eram as vozes de quem a fazia.
Acha que a expressão “voz de rádio” se vai perder?
Vai. Se é que não se perdeu já… Se ela ainda se mantém na boca do povo é porque ainda há grandes vozes em algumas estações de rádio, graças a Deus. Sou um curioso por natureza, então quando estou no carro, estou sempre a mudar de estação. Às vezes, ouço certas vozes que me levam a pensar que estarem ali a fazer rádio ou a trabalhar na Carris seria a mesma coisa. Nota-se que falta paixão, estão ali a despachar. Vinha a ouvir uma rádio em que, aos 45 minutos da hora, já se estavam a despedir. Quem já lá esteve, sabe que aquilo está tudo empacotado. Aquela pessoa, quando gravou, não tinha noção de que aquilo não ia sair a quatro ou cinco minutos do fecho da hora. Fazer isso antigamente? Alguma vez?
Na atualidade, há locutores ou animadores que começaram como bloguers ou youtubers e muitos ainda mantêm essa faceta. Hoje é preciso mais do que ser-se bom ao microfone ou pelo contrário?
Sinceramente, é preciso menos que isso. Não estou a criticar ninguém. Se virmos bem as coisas, antigamente também não havia a série de estações de rádio que hoje existem com géneros muito específicos. Nas mais jovens, justifica-se estarem esses “miúdos” a fazer aquilo, porque falam a língua de quem os ouve. Para ser franco, acho que esse público se está a “borrifar” para a voz de quem lá está. Os tempos mudaram. As “rádios-piratas” vieram esticar o leque de oferta quando só havia duas ou três estações para se ouvir.
Serviços de streaming, como o Spotify, por exemplo, vieram inverter a tendência que existia para o download ilegal de músicas fazendo com que as receitas da indústria voltassem a subir, como já não acontecia há 20 anos, graças ao valor que o público destas plataformas paga pela sua subscrição. Consegue imaginar a rádio com um modelo de negócio semelhante em que o ouvinte terá de pagar?
Consigo, perfeitamente. E não tenho dúvidas que não hão de faltar sequer 20 anos para que seja assim. Tal como já andamos com rádios de qualquer parte do mundo no telemóvel, havemos de caminhar para aí. Por muito que não seja a minha forma de fazer rádio, se me perguntar se esse é o futuro, com certeza direi que sim. Contrariamente ao que tanto se diz de a rádio estar para acabar, hoje, qualquer pessoa ouve qualquer rádio do mundo. O espetro não é mais o que estávamos habituados a conhecer.
Que rádios ainda ouve?
No carro? Todas, desde que passem as música que gosto. Haja rádios que hei de sempre as ouvir. Em casa? Os meus discos, a minha música.
Vê-se a regressar à rádio com emissão regular?
Hoje é difícil. Criei um estilo, um programa e estou convencido de que há muita gente que acha que só sei fazer o ‘Oceano Pacífico’. Como o público se habitou a esse meu registo, dificilmente me convidariam para fazer um programa diferente.
O que ainda lhe falta fazer em rádio?
Já fiz tudo. Claro que o ‘Oceano Pacífico’ foi o programa que mais me marcou e, só por aí, já ficava satisfeito. Mas já fiz de tudo mesmo. Da música pop ao rock, das manhãs às madrugadas, durante a semana ou não, … Já fiz tudo. Quando saí, soube que era a altura perfeita por isso mesmo.