Histórias com H é uma rubrica onde relatamos as mais belas histórias do desporto mundial. O episódio desta semana fala sobre James Braddock, um dos mais incontornáveis pugilistas e desportistas de sempre.
Nesta rubrica privilegiamos os contos de fadas do desporto mundial. Todos os desportos proporcionam momentos marcantes e que merecem um lugar singular e permanente na memória coletiva de todos os seus amantes. Uma das minas de ouro no que a percursos e peripécias diz respeito, é sem dúvida, o boxe. Existe um certo romantismo numa luta igual e justa, entre dois homens que apenas podem usar as extensões naturais do seu corpo na tentativa de derrubar o seu oponente. O boxe sempre foi uma metáfora para a luta contra contextos difíceis, um rebelar contra situações que parecem impossíveis de ultrapassar. Se há homem que incorporou, e arrisco dizer, criou esta aura nobre e mística sobre este desporto, foi o pugilista James Braddock.
O seu início no mundo do boxe foi demolidor. Através de uma poderosíssima direita, o nova-iorquino foi ganhando uma reputação feroz. A vida do jovem tinha mudado radicalmente. Até ao título de profissional, Braddock tinha tentado libertar-se da pressão de uma vida marcada pela extrema pobreza – como ele, milhões de outros lutavam por uma vida melhor nos Estados Unidos, no início do século.
O momento da libertação foi agarrado com estrondo. Em três anos de boxe profissional, 44 vitórias (21 KO´s) e apenas 2 derrotas. O auge apareceu quando, em 1928, Braddock surpreendeu Tuffy Griffiths, para assim defrontar o campeão em título no ano seguinte. Tudo corria bem ao “Cinderella Man”, – alcunha dada por Damon Runyon, devido à história de superação em relação a um contexto de pobreza, tal como no conto da Cinderela – tinha a oportunidade de conquistar o título mundial frente a Tommy Loughran e imortalizar o seu nome nos compêndios da história. Mas outro destino sorriu ao pugilista. Após 15 rounds de uma batalha sangrenta, Braddock perdeu. Após esta virada inesperada, a sua carreira foi por “água abaixo”. De possível campeão mundial, passou a ser apenas um divertimento para meia dúzia de pessoas em pequenos bares e salas. 16 derrotas em 26 lutas também não ajudaram. Após partir a mão direita (a sua maior força e o que o diferenciava dos outros), Braddock meteu um ponto final na sua carreira.
Sem trabalho nem nenhuma bagagem de skills além do boxe, mais uma vez a pobreza – que assolava a terra das oportunidades no final da década de 20 – apanhou James Braddock. Para sustentar a sua família e os seus três filhos, percorria todos os dias desgastantes distâncias entre a sua casa e os mais diversos pontos de interesse para quem procurava fonte de rendimento. Muitas vezes voltava de mãos a abanar. A situação do ex-pugilista dificultava-se cada vez mais. Nalguma altura decidiu pegar na garrafa em vez das luvas e o buraco em que Braddock se tinha metido parecia cada vez maior.
Passados quase 9 meses sem lutas, a sorte sorriu a Braddock, finalmente. Enfrentaria, então, Corn Griffin. Ninguém esperaria nada a não ser a vitória incontestável de Griffin. Mas Griffin cai ao terceiro round. Apesar de ter tido apenas dois dias para treinar, Braddock, que percorria todos os dias dezenas e dezenas de quilómetros, tinha mantido a forma, além de ter melhorado a sua mão esquerda (aquando do seu trabalho como estivador). Com vitórias sobre John Lewis e Art Lesky, o título de campeão de pesos pesados estava novamente tão perto.
Tendo sido escolhido para enfrentar o campeão em título, Max Baer, Braddock manteve-se em forma até ao dia final. Apesar de ter sido escolhido apenas por ser um simples underdog e não ter oportunidade sequer de supostamente discutir o título, Braddock não contava com um desfecho assim tão facilitado para o seu oponente. A luta deu-se no Madison Square Garden, no dia 13 de junho de 1935. As milhares de pessoas que encheram a enigmática arena norte-americana esperavam uma vitória sem margem para dúvidas de Baer. Mas Braddock, após 15 rounds de uma das mais ferozes e espetaculares lutas da história do boxe mundial, saiu de pé, vitorioso. A vida sorria ao campeão. Durante dois anos, o título acompanharia o campeão.
Percebem agora, caros leitores, o porquê de este homem ter criado a metáfora do boxe em relação à vida? Quando no chão se encontrava, um jovem despedaçado pelas peripécias de uma vida de luta e de esforço, algo dentro dele se iluminou e intensificou a vontade de lutar por algo melhor. Lutou e, no final, ganhou. É por isso que a sua alcunha se manteve até hoje, e inspirou até obras cinematográficas. É um dos nomes grandes do desporto e é imortal, porque em vez de desistir, pegou em todas as forças que tinha e ergueu-se antes da contagem final.