O Companheiro surge em 1987 visando ajudar reclusos, ex-reclusos e famílias. É a esta IPSS que Helena Baron já dedica 11 anos da sua vida, dando o melhor enquanto técnica da associação, encarregue da gestão e recrutamento de voluntários, organização do plano de formação de colaboradores e clientes, e gestão de projetos. O preconceito fica lá fora.
Em 2020, cerca de 2.000 reclusos foram libertados da prisão devido ao aparecimento da pandemia Covid-19. O Companheiro acolheu alguns desses ex-reclusos. Devido à pandemia, como foram recebidos na instituição?
O Companheiro tem uma residência masculina para 22 pessoas, mas na altura não era suficiente, até porque os quartos são coletivos e tínhamos que garantir o maior distanciamento. O que fizemos foi uma parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia de Benfica e o parque de campismo em Monsanto. Muitas dessas pessoas que saíram em liberdade, no âmbito da Lei 9/2020, estiverem também algum tempo em bungalows do parque de campismo de Monsanto, beneficiando exatamente do mesmo tipo de apoio que qualquer outro residente d’O Companheiro. As refeições eram levadas ao parque de campismo, os técnicos iam fazer acompanhamentos, quer ao nível social, quer ao nível psicológico, e realizar atividades desportivas para ocupação do tempo. Posteriormente, alguns deles foram integrados nos nossos protocolos de atividade ocupacional. Mas foi dado exatamente o mesmo tipo de acompanhamento a qualquer residente, só que, em vez de estarem nesta residência, em Benfica, estavam no parque de campismo de Monsanto. Em bungalows, não em tendas.
Como disse, O Companheiro disponibiliza residência com capacidade para 22 homens. Porque não tem uma residência para mulheres?
Quando fomos fundados, há 35 anos, o padre Dâmaso, o fundador, constatou que existia menos apoio para os homens do que para as mulheres. E continua-se a verificar. Mais facilmente uma mulher é apoiada a nível familiar do que um homem. Já para não dizer que existe um maior número de reclusos do sexo masculino do que do sexo feminino, uma discrepância ainda bastante significativa. A população que pode beneficiar de uma residência masculina é muito maior do que uma população feminina. Não teríamos condições para ter ambos os sexos no mesmo espaço. Não seria viável.
O Companheiro implementou o processo de certificação em qualidade pela norma ISO9001 em 2008..
Em 2015. Primeiro, fizemos pela lei de 2008, isto em 2013. Entretanto, a norma foi atualizada para a de 2015 e fizemos a atualização, ou seja, a norma é a mesma, mas é a versão de 2015.
Podia explicar melhor o que é a norma ISO9001?
A norma ISO é uma norma europeia que certifica vários tipos de entidades. Pode ser uma IPSS, como é o caso, mas os autocarros da Carris também são certificados ou um laboratório de análises clínicas. Significa que todos os procedimentos estão documentados, existem evidências daquilo que fazemos. Seja a psicóloga A ou a psicóloga B, vão ter exatamente o mesmo tipo de procedimento. Para o cliente que venha pedir apoio à residência está pré-definido que ele, primeiro, tem de passar pelo Gabinete de Intervenção Social, depois pelo Gabinete de Intervenção Clínica Psicológica, fazer uma avaliação para depois lhe ser dado um parecer. E, além disso, certifica que o serviço que é prestado à pessoa é um serviço de qualidade, de excelência. Tudo aquilo que se possa imaginar de uma instituição está devidamente certificado e auditado anualmente para ser comprovado que tudo está a funcionar de uma forma organizada, que os procedimentos estão a ser cumpridos.
“Todos os anos, existem coisas a melhorar”
De que forma a implementação do processo teve impacto nos clientes?
Tem impacto porque o cliente sabe que existem regulamentos aos quais ele tem acesso. O regulamento da residência e o regulamento de acompanhamento psicossocial estão afixados. O cliente pode ter acesso à informação e sabe se o técnico está, ou não, a cumprir com aquilo que está definido. E depois beneficia de um serviço de qualidade, porque se definimos e temos procedimentos de qualidade e somos auditados, temos a certeza que estamos a cumprir. Obviamente, reflete-se na qualidade do serviço que a pessoa beneficia. A norma não é uma coisa propriamente de fácil leitura para quem não percebe, mas eles têm acesso àquilo que são os regulamentos da instituição. Estão afixados na entrada e qualquer pessoa pode saber – e sabe – quem é a direção técnica, quais são os horários dos técnicos, qual a informação dos técnicos, quais são os procedimentos ao nível da residência, ao que têm direito, ao que não têm. Para além do livro de reclamações, têm uma caixa de sugestões. Outra normativa é avaliar a satisfação dos clientes, por isso, todos os anos, os clientes são questionados através de inquéritos anónimos sobre o seu grau de satisfação para com a instituição. Da mesma forma que as entidades com as quais trabalhamos também são questionadas. É recolhida toda a informação de todas as partes como uma espécie de audição externa, para perceber em que podemos melhorar. A norma ISO é muito fundamentada também na melhoria contínua, ou seja, todos os anos existem coisas a melhorar. Nós temos que estar constantemente a adaptarmo-nos a novas realidades e a melhorarmos aquilo que já fazemos.
Comprova-se que funciona…
Funciona. Tem que funcionar. O Sistema de Gestão de Qualidade é um procedimento que foi muito moroso para conseguir. Tivemos que ter formação na área para estudarmos, criar os procedimentos escritos, criar os impressos. É um procedimento muito trabalhoso porque implica que tudo está registado, tudo é avaliado constantemente. Mas é bom porque qualquer pessoa que vem tem um manual que há de seguir. Sabe que o procedimento de limpeza é exatamente o mesmo, sabe a regularidade com que as coisas são limpas, temos procedimentos a nível de segurança contra incêndios… temos sempre a certeza que tudo está a funcionar e somos auditados para verificar se cumprimos.
“Alguns foram-se embora, mas vieram outros”
Segundo um estudo da Associação Nacional de Gerontologia de 2020, cerca de 40% dos técnicos e diretores técnicos nas IPSS sofrem de burnout. Observa estes casos?
Temos uma diretora técnica… que não é o caso! Não consigo falar por outras instituições, mas no caso da nossa não se verifica. Obviamente, é um desafio diário. Não trabalha nesta área uma pessoa que vê isto como profissão, trabalha nesta área quem gosta para depois ter motivação, para superar esses desafios. Mas a nossa diretora nunca teve uma situação de burnout…
Os colaboradores daqui também nunca…
Nunca tivemos. Há alturas em que estamos mais cansados, precisamos de ter alguma tolerância à frustração, mas casos de burnout não.
No ano passado, com a pandemia, houve alguma mudança em relação aos voluntários?
Sim. Houve alguns voluntários que deixaram de ser voluntários nessa altura. Pessoas que já tinham uma determinada idade e, por uma questão de precaução, resolveram não fazer voluntariado. Mas também é verdade o contrário. Ao nível da Cantina Social, tivemos voluntários que eram pessoas que estavam em lay-off, desocupadas, queriam continuar a ser úteis e procuraram-nos para fazer voluntariado. Houve uma mudança, se calhar de voluntários, mas não posso dizer que houve um acréscimo nem que houve um decréscimo, porque alguns foram-se embora, mas vieram outros. Temos muitos estudantes universitários que querem ter a experiência de como é trabalhar na área, para depois perceber se gostam. Há algumas pessoas que trabalham e estão num momento da vida em que, de alguma forma, querem ser solidárias e cidadãos ou cidadãs mais ativos.