Quando uma adolescente engravida, o seu presente sofre uma alteração radical e o futuro fica seriamente comprometido. Muitas destas jovens cortam relações com amigos e família, saem de casa, interrompem a escolaridade, perdem oportunidades de futuros empregos, ficando mais suscetíveis às várias adversidades da vida, como a pobreza e a exclusão social.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) caracteriza a adolescência como o período de vida que decorre entre os 10 e os 19 anos e que representa uma fase complexa de mudanças físicas, sexuais, psicológicas e sociais, podendo ser bastante conflituosa, sobretudo, na relação com os pais, devido à constante procura da identidade. Engravidar nesta fase da vida, em que ainda não existe maturidade física e psicológica, pode representar uma verdadeira tempestade na vida das jovens mães.
Dados recentes indicam que uma em cada cinco mulheres no mundo tem um filho antes de completar os 18 anos, sendo que a cada ano nascem cerca de 16 milhões de crianças filhas de mães adolescentes. A população dos países em desenvolvimento é ainda mais afetada por este fenómeno.
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) produziu, em 2013, o estudo “Situação da População Mundial 2013”, onde é atribuída especial destaque ao tema das gravidezes prematuras. De acordo com este relatório, 95% dos partos de mães adolescentes ocorriam em países em desenvolvimento, onde, todos os dias, 20 mil meninas com menos de 18 anos dão à luz, 200 das quais perdem a vida no decurso de complicações no parto. Anualmente, 7.3 milhões de adolescentes são mães em todo o mundo, das quais 2 milhões têm menos de 15 anos, número que, segundo o mesmo documento, pode aumentar para 3 milhões até 2030, se a tendência atual se mantiver.
Em 2019, Portugal possuiu um total de 2077 partos de mães adolescentes entre os 11 e 19 anos, sendo que as idades mais afetadas nesta situação são as de 18 e 19 anos. Diversos estudos comprovam que, muitas vezes, as adolescentes com baixa escolaridade, que provêm de um meio rural com registos de pobreza são as jovens mais suscetíveis a uma gravidez na adolescência.
As mesmas pesquisas apontam ainda para uma maior incidência de gravidezes prematuras nas jovens pertencentes a grupos marginalizados ou minorias étnicas. Os factos anteriores devem-se, entre muitos outros motivos e segundo o estudo, à escassez de oportunidades de vida devido à posição social e à falta de acesso à saúde e à educação sexual que fornece informações sobre a contraceção. Nos países em desenvolvimento, a alta taxa de natalidade nas jovens deve-se também à desigualdade de género e coerção sexual, ao casamento precoce, às políticas nacionais que impossibilitam o uso de contraceção e à violação dos direitos humanos.
Ser jovem mãe
Rute Dias é testemunho real de uma gravidez prematura associada a tantas outras adversidades da vida. Engravidou com 17 anos, mas apesar da idade, a gestação foi bastante desejada, tendo até feito tratamentos para esse efeito. “Na altura, estava com o meu companheiro há três anos e devido a um problema de saúde que possuo, um tumor na hipófise, tinha muito medo de nunca vir a engravidar. Então, fiz tratamentos e acabei por conseguir”, conta.
A jovem tinha um companheiro de etnia cigana, pelo que adotou a vida desta comunidade, alterando os comportamentos e os hábitos para poder ser aceite pelos outros membros. Desta maneira, Rute Dias foi obrigada a abandonar a escolaridade, tendo completado apenas o 9º ano. Durante algum tempo, manteve-se a trabalhar às escondidas do companheiro e de toda a comunidade, por causa dos valores e tradições defendidas. Ao ingressar neste meio, a jovem passou a fazer parte de uma minoria étnica, sendo, como referido no estudo “Situação da População Mundial 2013”, os grupos que representam mais risco no fenómeno da maternidade precoce.
A jovem viveu com o progenitor do filho durante mais três anos após o nascimento, mas viu-se obrigada a separar-se do companheiro devido à violência vivida. “Trouxe o meu filho, a muito custo, e fui viver com a minha mãe, com quem tinha uma relação muito complicada devido ao facto de ela não concordar com as escolhas que fiz. A minha mãe recusou-se a aceitar que tinha engravidado tão cedo. Dizia que eu era muito nova e não tinha a estabilidade necessária. Para além disso, não concordava com a maneira como me tratavam em casa do meu antigo companheiro. Mas ela acabou por me aceitar de novo e, ainda hoje, passados seis anos vivemos juntas”, revela.
Apesar de, segundo a Associação para o Planeamento da Família, haver um risco de repetição de gravidez precoce – 30% das mães jovens voltam a engravidar até dois anos depois do primeiro nascimento -, Rute Dias contrariou esta probabilidade. Só voltou a ser mãe recentemente e, aos 27 anos, está grávida do segundo filho. Com oito meses de gravidez, a jovem garante que desta vez está a ser muito diferente. “Sinto-me mais cansada fisicamente porque, passado quase 10 anos, o corpo não aguenta tanto. A nível psicológico é algo completamente diferente. Tenho o apoio de todos os meus familiares, do meu companheiro e dos meus amigos. Não me sinto sozinha nem excluída, está a ser, sem dúvida, uma gravidez muito mais feliz.”
Riscos físicos
Associado a este fenómeno existem, muitas vezes, múltiplos riscos físicos que poderão ter bastante gravidade, tanto para a mãe como para o bebé, dada a imaturidade do corpo da jovem. Isaura Martins, ginecologista obstetra do Hospital Cuf Infante Santo, afirma que “a idade mais segura para ser mãe é entre os 20 e os 35 anos, altura em que a mulher tem a máxima fertilidade, tendo desta maneira um menor risco de malformações ou de doenças nos bebés”.
Segundo a especialista, existe uma grande probabilidade das gravidezes precoces desenvolverem sérios riscos como “maior probabilidade de aborto, partos prematuros, maior risco de cesariana, quadros de má nutrição”. Existem ainda outros riscos que se podem associar a este tipo de gravidez. “O desenvolvimento de síndromes hipertensivas, anemia, pré-eclâmpsia, desproporção feto-pélvica, restrição do crescimento fetal, transtornos de desenvolvimento, malformações, entre tantos outros”, indica a ginecologista. Isaura Martins afirma que “é importante lembrar que estas gravidezes possuem também graves riscos psicológicos para a mãe, sendo que as jovens progenitoras são aquelas que são mais propensas a depressões pós-parto”.
Rute Dias, mãe jovem, garante que no seu caso não ocorreu nenhum imprevisto durante a gravidez ou no parto: “Não houve nenhuma complicação. O meu filho nasceu através de parto natural, depois do tempo, com um peso normal e continua saudável até aos dias de hoje. Durante a gravidez, desenvolvi apenas diabetes. Porém, não foi uma situação grave.”
Na sua longa carreira de ginecologista obstetra, Isaura Martins diz ter acompanhado muitas mães jovens, sendo que a mais nova tinha 15 anos. Segundo a médica, “poucas procuraram a solução do aborto, preferindo assim seguir com a gestação”.
Vulnerabilidade psicológica
Para além de todos os riscos físicos inerentes à gravidez precoce, existem sérios perigos psicológicos que acabam também por ser bastante prejudiciais para a mãe e até para o bebé. Lígia Manuel, psicóloga clinica e educacional, afirma que “as jovens adolescentes que engravidam cedo têm uma enorme probabilidade de desenvolver riscos psicossociais, nomeadamente as depressões, algumas delas profundas, as crises de ansiedade e de pânico, transtornos de bipolaridade, que podem levar ao suicídio ou ao abandono do bebé”. A psicóloga explica também que “estes transtornos surgem devido à falta de apoio por parte da família e de amigos, pelo estigma da sociedade, e pelo facto de estas serem bastante jovens para possuir uma responsabilidade tão grande. Sendo que se trata de meninas muito jovens que ainda não aprenderam a cuidar delas próprias, veem-se com uma responsabilidade brutal nas mãos, muitas vezes, sozinhas, que é cuidar de um bebé”. Para evitar esta situação, Lígia Manuel refere que é importante todo o apoio por parte de familiares durante e depois da gravidez.
Apesar de existir, segundo aponta Lígia Manuel, “uma tendência para que filhos de mães adolescentes sejam também pais muito jovens”, a médica obstetra considera que “não haverá mais qualquer tipo de consequência negativa para filhos. Antes pelo contrário, o facto de terem idades próximas faz com que a relação entre eles seja muito melhor, o que é algo positivo”.
Rute Dias confessa que, depois de ter engravidado com 17 anos, passou a ter bastantes transtornos. “Fiquei com uma depressão bastante grave que dura até aos dias de hoje e comecei a ter também ataques de ansiedade e tendências suicidas.” A jovem garante ainda que continua a ser acompanhada por especialistas e medicada com o antidepressivo fluoxetina. Em relação ao filho, Rute Dias sabe que há tendência para que o ciclo se repita. Porém, esta garante que, para evitar tal situação, quer ter conversas abertas em casa. “Exatamente por já ter passado por isso, se o ciclo se repetir, nunca deixarei de o apoiar”, garante a jovem mãe.
Prevenir através da sensibilização
Os números de gravidezes prematuras têm vindo a descer bastante nos últimos anos, em Portugal. De 2011 a 2018, houve uma redução de 44% nos casos de mães adolescentes. Em 2011, registou-se um total de 6021 casos e, em 2018, de apenas 3390. Esta evolução de dados deve-se bastante ao esforço permanente para a sensibilização dos jovens através da educação sexual e das consultas de planeamento familiar. Lígia Manuel refere que “para evitar este tipo de gravidezes, é necessário falar com os jovens, abertamente e sem tabus, mostrando-lhes as várias opções de meios contracetivos que têm à sua disposição”.
Preconceito sem fim
As gravidezes precoces continuam a ser encaradas com bastante preconceito por muitas pessoas. Como consequência, estas jovens sentem-se, muitas vezes, rejeitadas e excluídas da sociedade. Isolam-se no seu mundo, ficando vulneráveis às depressões. Lígia Manuel adverte que este preconceito está longe de acabar: “Ainda temos muito caminho por percorrer neste tema, porque, de facto, a sociedade estigmatiza bastante este tipo de gravidezes. Na minha opinião, isso não vai acabar. Relembro também que, generalizando, a população portuguesa ainda tem a mente bastante fechada para estes temas. Então, será mais difícil combater este preconceito.”