Mário Laginha, músico, pianista e amante de jazz, conta com mais de duas décadas de carreira. Com projectos a solo em duos e trios, é na companhia do piano que se sente completo. Tem feito uma viagem de sucesso com músicos de todo o Mundo, mas muito particularmente com a Maria João, com quem já lançou 14 discos.
A sua paixão pelo piano começou muito cedo, aos 4, 5 anos. Quando percebeu que tinha “esse” talento?
Na realidade aos 5 anos, não percebi que tinha talento. Simplesmente, apareceu um piano lá em casa e comecei a tocar. Os meus pais, se calhar, perceberam antes de mim que eu tinha talento, depois fui evoluindo. Evolui com muita facilidade, porque tinha muito prazer em tocar.
Sei que estudou numa escola em Cascais, no Conservatório Nacional, e que terminou o Curso Superior de Piano, com classificação máxima. O que o levou a estudar música?
Fui estudar música, porque em miúdo era o meu hobby. O estímulo dos meus pais também ajudou, porque gostavam e queriam que eu e o meu irmão tivéssemos alguma educação musical.
Desde que começou a tocar piano alguma vez parou? Houve algum período de paragem?
Sim, durante a adolescência não liguei muito ao piano, tocava mais guitarra. Foi aos 17 anos que tomei consciência que tinha capacidades, mas que as desprezava. Nessa altura, percebi que valia a pena utilizá-las e voltei a interessar-me muito pelo piano.
“Os meus pais se calhar perceberam antes de mim que eu tinha talento”
O Mário já subiu ao palco centenas de vezes, ao longo dos anos. Como descreve essa sensação?
É boa (risos). Mas é uma sensação de nervosismo. Normalmente, quando entramos, há sempre imensos nervos e, por muito que passem os anos, isso nunca muda. É um fascínio estar a fazer algo que amamos profundamente e passar isso para os outros. Quando as pessoas gostam, sentimos essa energia. É uma sensação de plenitude.
E a primeira vez? Como foi?
A primeira vez foi há muito tempo. De início, era quase como um jogo, não tinha nervos nenhuns, mas a consciência da responsabilidade e os nervos que se “colam” a essa consciência vieram depois. Maioritariamente, toca jazz.
“Tenho sorte em poder fazer aquilo que quero”
Como é que o jazz entrou na sua vida?
A forma como me aproximei do estudo do jazz não foi uma decisão racional, nem de meditação, foi mais uma imitação. Quando voltei a ter vontade de tocar piano (depois da pausa da adolescência), ouvi um pianista a tocar num programa de televisão e fiquei de tal forma fascinado que o quis imitar. Quando soube que ele estudou jazz, também quis estudar.
Trabalha com outros músicos e trabalha a solo. Como se sente melhor?
Na realidade, gosto de poder fazer as duas coisas, acho que se complementam. Se estiver muito tempo a tocar em grupo, começo a ter saudades de tocar a solo e vice- versa. Gosto muito de partilhar ideias, mas a solo isso não acontece. Estarmos sós, é algo fascinante, mas tem uma nudez que nos deixa mais expostos.
Há momentos na vida que impõem o trabalho a solo?
(Hesitação) Acho que não é a vida que impõe o trabalho a solo, é a minha vontade que o impõe. Fiz um disco a solo porque o quis fazer, não houve ninguém que me impusesse isso. Tenho sorte em poder fazer aquilo que quero (risos).
Trabalha com a Maria João há mais de 20 anos, é uma vida. Como é trabalhar com a mesma pessoa tantos anos (e anos de sucesso)?
É um privilégio, é uma situação muito incomum. Não sei se haverá muitos duos de jazz. Juntos gravámos 14 discos. Temos projectos com a orquestra sinfónica, com o Big Band, quartetos, trios, duos, enfim, com todas as formações e mais algumas. Temos tanta experiência juntos, é uma vida e um privilégio. Actualmente, continuamos a tocar juntos, mas ambos temos outros projectos.
O piano é a solução para os seus problemas?
Não! Embora ajude. O piano é estruturante, é bom ganhar a vida inteira a fazer algo que se ama. Na realidade, é um privilégio, e uma bênção. Penso que não há muita gente no mundo a fazer aquilo que mais adora para ganhar a vida e eu faço-o. É o que me estrutura enquanto pessoa.
Um músico como o Mário tem certamente uma agenda muito preenchida. Como consegue conciliar a vida profissional com a pessoal?
Acho que por milagre (risos). Na realidade, essa conciliação é feita da generosidade de todas as partes, até mesmo da minha família, que percebe o tipo de vida que tenho. Compreendem e percebem que, quando me vou embora, não é por não querer estar com eles, mas sim porque tenho mesmo de ir.
O que pensa sobre o estado de degradação do Conservatório Nacional de Música?
Penso que é uma desgraça. Já toquei em muitos conservatórios de várias cidades do país que são até muito razoáveis ou bons. O da capital é a “coisa” mais miserável. Quer dizer tornou-se, porque não o era. Neste momento, está completamente irreconhecível. O conservatório não tem de ser melhor ou pior, era bom que não fosse tão mau (risos).
“Os sonhos são possíveis, agora as pessoas têm de estar dispostas a dar tudo da sua vida para chegarem a algum lado”
Acha que as crianças e jovens que lá estudam vêem os seus sonhos serem destruídos?
Não diria “destruídos” radicalmente, o que acho é que estão a ser dificultados. As pessoas não foram impedidas de sonhar, o que há é cada vez menos estímulos, menos horizontes e cada vez mais dificuldades para concretizar os sonhos. Há pouquíssimos concertos, há muito menos do que havia há 5 anos. As pessoas até nem sabem se os há, aquilo que vêem são as campanhas dos festivais.
Que conselho dá a um futuro músico?
Havia uma piada dos Gato Fedorento que era muito boa e na realidade acho que é: “O que é preciso para se conseguir, não sei o quê? Trabalho, trabalho, trabalho, trabalho e (pausa) trabalho!” Não há nada mais importante do que aquilo a que nos dedicamos. Muitas vezes, as pessoas habituam-se a pôr a culpa nos outros e depois dizem que não foram mais longe porque o professor não era bom ou porque tinham o tecto da escola a cair.
O trabalho está na base de tudo?
Sem dúvida! Os sonhos são possíveis, agora as pessoas têm de estar dispostas a dar tudo da sua vida para chegarem a algum lado. O talento existe, é preciso é trabalhá-lo. O meu amigo e parceiro Tchéca é um músico cabo-verdiano que já gravou vários discos e toca pelo Mundo. É um músico impressionante. Nasceu numa aldeia pequena, onde não tinha acesso a nada. Mas procurou, lutou e conseguiu…
E agora, a pergunta da praxe, e planos para o futuro?
Principalmente, só gostava de poder continuar a fazer o que faço, estou sempre com muitos planos. Futuramente, quero fazer mais um disco a solo, em trio e quero continuar a cômpor música para vários músicos. O meu projecto é manter vivo este privilégio de ganhar a vida a fazer o que gosto.
O que se imagina a fazer daqui a 20 anos?
(Risos) Não sei o que me espera, mas, se tudo correr bem, gostava de continuar a tocar. Se calhar com menos ritmo, concertos e viagens.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.