Há 20 anos, dois irmãos que ensaiavam em casa da avó deram início aos Galore. Uma tragédia ditou o fim da banda mas, 16 anos depois, Luís Bandeira, Bruno Bandeira e Luís Martinho juntaram-se, e hoje são mais do que uma banda: são uma família.
Luís Bandeira e Bruno Bandeira formaram os Galore no final de 1995. Um ano mais tarde, juntou-se aos dois Miguel Afonso. Como surgiu este projeto? Foi pensado para um duo ou um trio?
Luís Bandeira: Eu, o meu irmão Bruno e mais um amigo tínhamos uma banda e ensaiávamos na casa da minha avó. Éramos talvez, no total, uns seis ou sete músicos! (risos) Na altura, morava com esse meu amigo e ia de boleia com ele, e, no caminho, acabámos por dar boleia a um outro amigo que ia tocar connosco. Só que o João Pedro trazia outro amigo, o Miguel, para tocar connosco também! (risos) Às tantas, éramos três guitarras, uma bateria, um teclado e dois baixos. O ensaio correu muito mal, aquilo foi uma grande salganhada (risos) No meio disto tudo, ninguém tinha gostado do Miguel pela forma de tocar e, talvez, por ser um bocado direto! Só que eu e o meu irmão, o Bruno, até atinámos com o Miguel. Durante a marcação de outro ensaio dessa banda, percebemos que não tinha futuro e pensámos: Porque não fazermos uma cena os três? (risos) Combinámos um ensaio em casa da minha avó e eu e o Bruno estávamos à espera que o Miguel chegasse. De repente, ele entra dentro da sala e eu perguntei: “Então, o que é que se passa?” E ele disse-me: “Bati à porta e ninguém me abriu, então pulei o muro e entrei pela porta da cozinha!” (risos)
Bruno Bandeira: A minha avó nem sequer o conhecia! (risos) E gostámos disso, da atitude dele. E depois foi uma questão de nos habituarmos à forma direta e sincera dele ser e agir.
E passou a ser o vosso baixista. Miguel Afonso morreu em 1999. O que decidiram fazer após este acontecimento?
LB: Tivemos que lidar muito rapidamente com a questão, porque tínhamos um concerto marcado para a semana seguinte. Íamos fazer a primeira parte dos Mão Morta em Alzejur e, tanto como eu como o meu irmão, achámos esquisito não o fazer. Então, decidimos dar o concerto e falei com um amigo, o Luís Martinho, com quem já tinha tocado e sabia que era a pessoa que aprendia mais facilmente as músicas…O Luís, nas cassetes que vendíamos, estava identificado como nosso manager!
Luís Martinho: Era o manager, agente, roadie, técnico de som…O que calhasse! (risos)
LB: Falei com o Luís, ensaiámos e demos o concerto! Depois do concerto, decidimos “arrumar as botas”, relativamente a Galore… Eu e o Luís já tocámos depois disso, toquei com o meu irmão…. Concretizámos aquilo que queríamos fazer, que era dar aquele último concerto e decidimos fazer um hiato, sem sequer pensar que iríamos voltar a pegar nisto outra vez.
LM: E vendo o projeto de fora, o Miguel era aquela pessoa que dava uma alma completamente diferente a uma banda…
BB: Ele furava as barreiras!
LM: Ia completamente contra todas as regras! Fazia com que um concerto de Galore fosse completamente diferente. Era a alma que o Miguel deu à banda, mas que só ele conseguia fazê-lo.
O regresso
Estiveram parados durante 16 anos após a morte do Miguel. O que vos fez voltar a tocar?
LB: Em primeiro lugar, foi o facto de ter voltado para Lisboa. Estive no Porto durante 8 anos e não toquei mesmo nada…Quando voltei, há três anos, para Lisboa, estava a conversar com o Bruno e pensámos: “visto que este ano faz 15 anos que o Miguel morreu, se calhar, era giro darmos um concerto por causa disso”. Mas como tudo é muito mais bonito e mais fácil no papel, esse concerto ficou adiado um ano e meio. (risos)
LM: Ainda tentámos, antes de dar o concerto, tocar quando abriu a ciclovia da Segunda Circular, porque foi lá que o Miguel morreu, e dar um simbolismo diferente àquele momento. Mas depois pensámos que era melhor não.
LB: Houve vários momentos em que dava para acontecer mas, para ser sincero, ainda bem que não aconteceu. Precisávamos desse tempo para madurar mais as coisas. Quando demos o concerto, estávamos muito mais preparados!
Antes de terem feito uma paragem musical deram uma centena de concertos. A sensação de voltar a tocar ao vivo é a mesma ou está mais presente que nunca, por assim dizer?
LB: A ideia é um bocado esquisita e eu não tocava há dez anos, por aí…
LM: Eu não tocava desde o concerto dos Galore! (risos) Ou seja, toquei no último concerto dos Galore como Galore e no primeiro dos “novos” Galore!
LB: Nós estávamos habituados a uma rotina de tocar bastante e foi esquisito parar esse tempo todo. E foi um bocadinho assustador quando estivemos os três em cima do palco, mas não foi nada que não passasse ao primeiro acorde!
LM: Foi voltar a tocar, percebes? Não fazíamos isso há muitos anos. E, no dia seguinte, pudemos sentar-nos e dizer “isto foi assim, esta parte funciona na sala de ensaios, mas ao vivo não”. E esses erros foram corrigidos no concerto a seguir! Esta paragem deu-nos maturidade para perceber os erros e ver-nos, realmente, como uma banda…
LB: A dinâmica é diferente…E temos uma característica ”galoreana”: as músicas nunca saem da mesma forma, o conteúdo é sempre diferente.
LM: E um dos lemas do Miguel era “tocar ao lado tanto faz, o que interessa é que estejas a sentir aquele momento”.
BB: E a transmiti-lo ao público, também!
LB: Atenção que não é a questão de nos estarmos a borrifar se sai bem ou não, mas tem a ver com a atitude “meio punk”… e as pessoas não sabiam lidar com isso!
BB: E, em parte, acho que é por isso que o nosso público não é tão abrangente, porque as pessoas têm dificuldade em compreender-nos.
LB: É a questão de, como não te encaixas em lado nenhum – e a ideia é mesmo essa –, é mais difícil as pessoas identificarem-se à primeira com, entendes? Mas o que é giro é que ninguém fica indiferente, seja bom ou mau! (risos)
Os Galore têm uma série de temas que decidiram reajustar quando voltaram à música. Porquê esta necessidade?
BB: Uma das coisas é o baixo, obviamente…
LB: Porque decidimos não o ter!
LM: E numa banda de baixo, bateria e guitarra, faz muita diferença não ter baixo. Os acordes para outra guitarra são sempre diferentes.
LB: Pegámos naquilo que tínhamos gravado e fizemos as alterações necessárias. E depois foi naquela de “vamos ver se isto resulta. Ok, não dá. Faz isto e aquilo”, até chegar ao som pretendido. Temos músicas que não tocamos há um ano e tal, mas estão lá na mesma. Músicas novas, temos duas e uma versão, mas o resto são tudo reinterpretações.
BB: Tens músicas que já foram punk autêntico, jazz, blues e agora são o que são! (risos) Mas os reajustes sempre foram uma característica dos Galore! (risos)
LM: As letras são mais maduras, mais encaixadas, digamos assim. Aos 40 anos, a maturidade e a vivência são outra coisa comparadas com a vida de há 20 anos atrás!
Na primeira pessoa
Luís Bandeira, dás voz aos Galore e és dono e senhor de uma das guitarras. No entanto, sei que, em 2001, terminaste o curso de Ciências da Comunicação. Como é que isto aconteceu? Ciências da Comunicação porquê?
O meu primeiro sonho foi ser veterinário! (risos) E o segundo foi comprar o Blitz! (risos) E juntaram-se duas coisas que gostava muito: a música e ler sobre música. O facto de ter começado a tocar, ajudou-me, ainda mais, a ganhar interesse na música e a escrever sobre isso. E descobri que queria ser jornalista musical e que, para isso, ia tirar Ciências da Comunicação! Experimentei de tudo na faculdade (risos): rádio, televisão e imprensa. Mas acabei por fazer imprensa.
E, já agora, como nasceu o amor pela música?
O amor à música sempre foi uma constante. Segundo o que sei, eu e o meu irmão éramos adormecidos a ouvir música. Lembro-me de estar ao colo da minha mãe e estar a cantar “As Baleias”, do Roberto Carlos! (risos)
Agora para o Luís Martinho: és a outra guitarra e dono de uma loja de música. Como é que nasceu o amor pela música?
Desde pequenino, cada vez que ouvia música, que ia ver o que era, como é que soava, o que é que estava a acontecer. Lembro-me de ser pequeno, ir para a frente da televisão, pegar em qualquer coisa que fizesse de batuta e fazia de maestro! (risos)
E, já agora, como é que chegaste à guitarra?
Na minha infância, aprendi órgão e acabei por aprender a tocar guitarra sozinho… Quando fui morar para Santo André, não havia ninguém que soubesse tocar guitarra, a não ser uns velhinhos do grupo de baile da terra! Então comprei um livro de acordes, uma guitarra e pronto!
Bruno Bandeira, és a alma da bateria. Como é que a música chegou à tua vida?
O meu interesse pela música começou através do meu irmão. Comecei a interessar-me pelo género musical que ele ouvia, acompanhei o processo dos projetos que ele teve e fui começando a ganhar uma nova visão da música. A minha abordagem com a música vem muito das influências do Luís. E, lá está, como ele disse, éramos adormecidos ao som de música e isso também quer dizer alguma coisa! Antes do Miguel chegar aos Galore, eu e o Luís passávamos seis ou sete horas por dia a construir as nossas músicas, que mais tarde se tornaram dos Galore. Ligava muito ao futebol nessa altura, mas foi quando comecei a ganhar uma química musical e uma cumplicidade entre irmãos que a música ganhou outro sentido para mim.
E o gosto pela bateria?
Tudo aquilo que não tenho é coordenação, então fui um bocado contra isso! (risos) E até estranho saber tocar bateria, porque sou mesmo muito descoordenado, mas apaixonei-me mesmo pelo instrumento. Ao início, tive umas aulas com o baterista de um projeto que o meu irmão teve com o Luís. Quando as aulas começaram a escassear (risos), tive de me virar sozinho!
Que projetos têm para o futuro?
LB: O primeiro é tocar no próximo concerto, tocar bem e fazer uma grande festa! (risos) Nesse concerto, vamos fazer uma versão do Tricky, mas com um baixista. As pessoas estão sempre a dizer “ah, porque é que não têm um baixista?” e, então, decidimos dar esse rebuçado, mas tirá-lo logo a seguir. (risos) A seguir, o plano é tirar umas férias para tentar limar as músicas, fazer qualquer coisa nova…
BB: Se houver oportunidade para estrada, ótimo! Se não, ficamos a trabalhar em coisas novas e a melhorar o que já existe!