Entrou na Agência Lusa através de um golpe de sorte e pretende continuar a fazer aquilo que gosta: jornalismo. Numa conversa por videochamada, a jornalista Gabriela Chagas, nascida a 30 de maio de 1970, sustenta que a estrela é a notícia e não o jornalista.
O jornalismo sempre foi um objetivo?
Sim, quase sempre. Foi uma ideia que tive além de outras profissões que gostaria de ter tido, mas hoje vejo que, de facto, não seria nunca uma boa profissional, nem nunca lá chegaria. O jornalismo sempre foi uma área de que gostei, desde pequenina. E tive a sorte de conseguir fazer aquilo que gosto.
A Lusa é uma agência noticiosa portuguesa e a maior de língua portuguesa. Como surgiu a oportunidade de trabalhar nesta agência?
A oportunidade surgiu de um golpe de sorte, no ano em que me estava a candidatar à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, para Estudos Portugueses. Nesse mesmo ano, a Lusa abriu um curso de Jornalismo de Agência. Eu fui e aconteceu que todos os que foram para esse curso entraram na Lusa, e escusado será dizer que a faculdade ficou pendurada. Éramos uma turma de 30. O curso coincidiu com a expansão da Comunicação Social em Portugal, começaram a abrir vários jornais e esses jornais foram buscar jornalistas à Lusa que, de repente, ficou com poucas pessoas. Éramos 30 jovens cheios de energia e, então, a Lusa decidiu absorver os seus formandos. Vínhamos de todo o País, foi um curso muito intensivo e muito rigoroso, com bons professores e com históricos do jornalismo. Foi assim que entrei, num acaso. Sabia aquilo que queria, portanto, aproveitei a oportunidade e foi a melhor coisa que fiz.
Qual é o seu maior desafio enquanto jornalista?
Penso que o desafio de qualquer jornalista é manter a paixão por aquilo que faz. Digo isto porque há muitos casos de jornalistas que se desapaixonam, saem da profissão e vão para outras. Eu tenho uma norma em relação a isso. Todos nós, jornalistas, principalmente de agência, somos convidados para assessores de imprensa e tenho a ideia de que, no dia em que passar para o outro lado, já não posso regressar. Se isso acontecer é porque o jornalismo morreu para mim, porque tenho de manter a minha isenção. Não posso, hoje, estar a fazer assessoria de imprensa e, no dia seguinte, estar a ser jornalista. Não me parece bem. Então, acho que o maior desafio é manter a frescura e gosto pela minha profissão. Ao fim de 30 anos de carreira, mantenho esse gosto e essa frescura e é uma coisa que espero que continue.
“A verdade é uma coisa que tem de estar na tua essência”
A Agência Lusa reporta notícias todos os dias. Como é o seu dia a dia enquanto jornalista?
O dia a dia é determinado pela agenda e pela notícia do dia, como é óbvio. Como jornalista, tive a oportunidade e a sorte de viver momentos históricos em Portugal. Por exemplo, a questão do bloqueio da ponte. Ia para a Lusa às 6:00h da manhã de carro e fiquei parada no trânsito antes da ponte, vinha a ouvir rádio, a TSF, que era a única rádio que sabia do bloqueio. Estava no meio do trânsito parada e pensei que a minha notícia estava aqui. Este era o meu dia, decidi na hora, fui a uma cabine telefónica e liguei para a chefia e disse que ia ver o que se passava. Isto é que é o imediato e o mais giro. Acho que o fascinante do jornalismo é vivenciarmos momentos históricos. É o decidir [rápido], porque, na época, não havia esta facilidade que hoje temos em comunicar e, portanto, tive de decidir na altura o que fazia e assim foi, foi uma coisa muito gira de fazer, que atualmente seria diferente.
Qual é o segredo para o sucesso de um bom jornalista na Lusa?
Tenho uma máxima que não é minha, é de um chefe meu, que é “não há bons profissionais de mau carácter”, ou seja, o principal é nós termos uma boa essência, termos bom senso e sermos boas pessoas. A partir daí, conseguimos ser bons profissionais. Na equipa com que trabalhava, preferia sempre ter uma pessoa que tecnicamente era mais fraca, mas que sabia que tinha boa essência. É muito mais fácil trabalhar assim. O jornalista é o guardião da verdade e, portanto, a verdade é uma coisa que tem de estar na tua essência. Se não fores uma pessoa de verdade, não consegues escrever verdades.
Em que secções trabalhou?
No início da carreira, estive no que se chama o ‘piquete’. É aquele arranque do dia e acho que todos os jornalistas, no início, devem começar por aí, porque dá ferramentas para o resto. Aprendemos a fazer tudo, todas as áreas. A maior parte da minha carreira foi passada na Sociedade, na área da Educação. Quando saí e comecei a fazer Solidariedade, especializei-me na área da Proteção da Criança. Depois, fui para a área da Economia, onde não sou propriamente feliz. Tenho sempre forma de encontrar felicidade mesmo em terrenos que não são felizes, é uma forma de sobrevivência. Quando fui, percebi que gosto de escrever sobre pessoas e não sobre coisas. Dentro da Economia, tive a sorte de me colocarem a fazer a área de Trabalho, porque diz respeito a pessoas e ao bem-estar das mesmas. Agora, sou um bocadinho polivalente. Ao longo dos anos, vais aprendendo e estando em várias áreas e ficas com capacidade para conseguir fazer tudo.
“Muitos dos nossos correspondentes estão habituados a fazer teletrabalho”
Teve mais ou menos trabalho com a Covid-19?
Em tempo de Covid-19, a Lusa trabalhou muito bem, mas também trabalhou muito! Vejo os meus colegas a trabalharem muito e sem horário. Como jornalistas, estamos habituados, mas temos um horário de trabalho como toda a gente. Neste momento, estamos a trabalhar muito mais. Não sei se se passa em todas as redações, mas na nossa tem sido assim.
Sei que a Lusa é composta por imensos jornalistas, é uma redação com um grande número de pessoas. Qual tem sido o método de trabalho na Lusa em tempo de pandemia?
Nós temos uma vantagem: a Lusa está distribuída por vários pontos por todo o País. Na sede, temos muitas pessoas e já estamos um bocadinho habituados a trabalhar em teletrabalho, é a nossa forma, por vezes, de trabalhar na vida. Em relação à vantagem da Lusa é que temos estes jornalistas na sede, mas depois temos outros distribuídos por todo o País. Muitos dos nossos correspondentes estão habituados a fazer teletrabalho, porque eles trabalham em casa. Portanto, isto não lhes mudou muito a vida, na verdade, colocou todos no mesmo patamar. Agora os delegados que estão espalhados pelo País e pelo Mundo já estão habituados a trabalhar assim, por isso, não há muita diferença.
“Quando se tem paixão por aquilo que se faz, os caminhos abrem-se”
Quais os conselhos que gostava de dar aos recém-licenciados em Comunicação?
Saberem se é isso que querem porque não é fácil, não é um mundo fácil, não é um mundo cor de rosa e depende muito daquilo que se quer. Confesso que não gostaria de estar numa área em que eu tivesse visibilidade. Para mim, a estrela é a notícia, não é o jornalista. O nome estar lá, ou não, é absolutamente indiferente, mas isto é uma coisa muito de agência. Não tínhamos os nossos nomes nas notícias, porque era um trabalho coletivo e isso a mim agrada-me, porque a estrela é efetivamente a notícia, não somos nós. Por isso, digo: saber exatamente o que se quer! Na verdade, é como em todas as profissões. Se se gosta mesmo [de jornalismo], o conselho que dou é que lutem, porque quando se gosta e luta, as coisas acontecem, mas não é fácil. Passaram por mim muitos estagiários e eu dizia sempre isto: o importante é mesmo a paixão que se tem pelas coisas e, quando se tem paixão por aquilo que se faz, os caminhos abrem-se. É ter persistência e muito trabalho.
Quais os seus projetos para o futuro?
O meu projeto para o futuro é continuar na Lusa, a fazer aquilo que faço e espero que continue a ter a frescura e o gosto pelo jornalismo, como tenho tido.