São uma banda portuguesa, com toda a certeza. Estão juntos desde 2002 e, desde então, lançaram cinco álbuns – o mais recente em Março de 2014, – dois álbuns ao vivo e um DVD. Compuseram a banda sonora do documentário “Slightly Smaller Than Indiana”, sobre Portugal contemporâneo, e actuaram em Cannes, na estreia do filme “Cosmopolis”. Recentemente, foram convidados para integrar a banda sonora do filme americano “Focus” e a iniciativa da revista Máxima, “100 Homens Sem Preconceitos”. Senhoras e senhores, sem mais demoras, Tó Trips e Pedro Gonçalves: os Dead Combo.
Como nasceram os Dead Combo?
PG: O Tó tinha umas músicas gravadas e tinha pensado fazer um grupo chamado o “Combo Morto”. Entretanto, cometeu o erro de me convidar para gravar uma música em homenagem ao Carlos Paredes. Sempre trabalhámos à base do instrumental, nunca tivemos vozes próprias. E gostámos imenso de trabalhar juntos!
TT: Começámos a tocar juntos, sempre com as nossas guitarras. Convidámos algumas pessoas para meter vozes, mas nunca as misturámos com os nossos instrumentos. E foi daí que também surgiu o nosso nome, já na altura Dead Combo.
“Aquilo que se nota é que ninguém sabe que há música portuguesa para além do fado…e dos Madredeus!”
Em 2012, Anthony Bourdain veio pela primeira vez a Lisboa com o programa “No Reservations”. Os Dead Combo estiveram à conversa com o chef e a vossa música foi pano de fundo do episódio, transmitido nos Estados Unidos e em Portugal. O que mudou após a exibição? Mais vendas, mais reconhecimento, mais internacionalização?
PG: Foi mesmo tudo isso! Tivemos muito mais pessoas a conhecer a nossa música, a acompanharem-nos através das redes sociais, foi uma explosão de tudo! Abriram-se imensas portas que estavam fechadas ou entreabertas…
TT: Houve muitos preconceitos que ganharam vida, do tipo: “Estes gajos são um bocado estranhos, mas como passam no Bourdain já fazem música a sério!” Passámos um bocado pela fase de conhecimento e depois de integração. Éramos os gajos que tocavam de cabeça para baixo, sem voz nenhuma, e, depois, já éramos uma “banda do caraças”, porque estávamos num programa de tv. Às vezes, é preciso ser aceite lá fora para ser reconhecido cá dentro!
Como se sentiram com esta expansão além-fronteiras?
TT: A questão nem são as vendas, é mesmo a cena de fazeres uma coisa que gostas e dares a conhecer ao maior número de pessoas. Até porque das vendas não estamos ricos, nem tão perto! (risos).
PG: Foi muito bom! E teres reconhecimento nos EUA é óptimo, mas há muita gente de Portugal que também só conheceu a nossa música por causa deste programa, de outra forma de certeza que não chegaria lá, por inúmeros motivos.
Por falar nos States, fizeram há pouco tempo uma digressão pelos Estados Unidos.
A música portuguesa é bem recebida por um público tão ligado ao rock e ao hip-hop? Ou nem sequer podemos falar de música portuguesa no vosso caso, mas de música do mundo (já que, habitualmente, música portuguesa para estrangeiros é sinónimo de fado ou de música popular portuguesa…)?
PG: Fomos super bem recebidos, em todos os sítios onde fomos. As pessoas gostaram, é sempre um espetáculo diferente. Aquilo que se nota é que ninguém sabe que há música portuguesa para além do fado…e dos Madredeus! (risos) Esse é mesmo o grande problema da música do nosso paìs, ninguém sabe que ela existe fora desses parâmetros.
TT: Lá fora, é como se todas as bandas portuguesas tocassem fado. É como se, em Espanha, só houvesse flamenco ou coisa do género! Em todo o lado, há coisas fixes que não se conhecem e, no caso de Portugal, a maioria dessas coisas é a música.
“É muito gratificante saber que conseguimos sair de casa porque, muitos de nós, em Portugal, não conseguem”
Como era o público que assistia aos vossos espetáculos? Mantinha-se sempre na mesma faixa etária ou era diversificado?
PG: Dependia dos sítios onde íamos tocar. Em Seattle, era uma sala mais conhecida e conceituada. Para lá estares, é preciso algum dinheiro. Só o pessoal mais velho é que lá ia. A não ser que fosses um bacano novo que tivesse ganho o euromilhões! (risos)
TT: Passámos por sete cidades diferentes. Estivemos em Portland, Seattle, Nova Iorque, New Jersey, Vancouver, onde estivemos duas vezes, Montreal e Quebec. Mas em Montereal, havia imensa malta nova. Noutras salas também. Dependia sempre muito da cidade e da sala, claro. Era quase como o Tintim! (risos)
Qual foi a cidade (ou sala) que vos deu mais prazer tocar?
TT: A malta tem sempre prazer em tocar, quer seja em Nova Iorque ou no Barreiro, mas claro que há diferenças. A cena de Nova Iorque é muito fixe, é aquela grande cidade e tudo o mais, mas não há nada como tocar em casa!
PG: Tem a sua piada tocar fora, conheces novas coisas e tens a mente aberta para desafios, mas a verdadeira essência das cidades e das salas, a verdadeira essência do prazer, está nas condições que te dão para realizares o espetáculo. Se o palco tiver falhas, então não é tão bom. Se os amplificadores fizerem ruído, então, já vais ter uma série de dificuldades durante o espetáculo.
Lembro-me de um concerto que os Dead Combo deram no CCB, em 2009. A sala era conceituada e o público diversificado, à semelhança do que também encontraram nos Estados Unidos. Se hoje fosse assistir a um espetáculo, iria encontrar mudanças? O que mudou desde essa altura?
PG: Temos sempre o mesmo empenho, isso não nos falta! A vontade de fazer, de mostrar, de partilhar é sempre a mesma, e por curiosidade, é também muito grande. Acho que a única coisa que mudou, realmente, foi o facto de termos encontrado, finalmente, a nossa relação com a música. Acho que finalmente encontrámos o lugar dos Dead Combo musicalmente! E isso faz toda a diferença!
TT: Estamos sempre a descobrir coisas novas, faz parte da nossa profissão. Agora, chegamos muito mais facilmente às coisas do que antigamente. Se calhar, entrámos por caminhos que não eram os nossos, mas estávamos em fase experimental.
Em 2006, compuseram a banda sonora para o documentário “Slightly Smaller Than Indiana”, um trabalho sobre Portugal. Quase dez anos depois, estão integrados na banda sonora de um filme americano, “Focus. A nível de projectos para a 7ª arte, há diferenças muito significativas entre trabalhar em Portugal e nos EUA? Ou a principal diferença tem mesmo a ver com a escala?
PG: Para o americano, nem sequer chegámos a trabalhar.
TT: Neste caso em específico, eles escolheram as músicas, pediram autorização e pronto, estava a nossa integração feita num filme americano! Mas a diferença está nos pedidos que são feitos. O Bruno d’Almeida pediu uma coisa muito específica para o documentário. O que é fixe nesses pedidos, é que te obriga a ir por caminhos desconhecidos que, se calhar, de outra forma, não irias lá chegar!
“Lisboa Mulata” e “Rumbero”, dois dos vossos principais temas, fazem parte da banda sonora do filme de que já falámos, “Focus”, com Will Smith e Margot Robbie. Como surgiu o convite?
TT: Enviaram-nos uma mensagem através do facebook com a justificação de “que seria muito mais rápido” do que conseguirmos falar. Até pediram desculpa por ter sido este tipo de contacto!
Já tiveram oportunidade de assistir ao filme? Acham que a música dos Dead Combo encaixa no enredo?
PG: Sim, já assisti ao filme e acho que está muito bem conseguido. A música encaixa sempre bem, quer seja dos Dead Combo ou de um gajo que o Quentin Tarantino contratou para fazer algo em específico.
TT: Também já assisti ao filme e concordo com o Pedro. A música é um guia, uma ajuda durante as horas que estás ali a ver toda a história. E faz coisas fantásticas, porque, por vezes, consegue colocar-te mesmo lá!
Quando vamos ao cinema, temos tendência para memorizar a trilha sonora que mais nos agrada. “Lisboa Mulata” está associada à cena em que Will Smith troca software por dinheiro, uma cena decisiva no filme. Acham que, por ser algo que marca o enredo, os espectadores podem ir procurar saber mais acerca dos Dead Combo e do seu trabalho?
PG: Acho que não, sinceramente. É que o filme tem imensa música, e música boa! !É algo que está constantemente presente e como disse o Tó, ela guia-te. É a terceira ou quarta coisa em que vais reparar enquanto ali estás. E se gostares e ficar no ouvido, chegas a casa e procuras, mas não quer dizer que vás gostar dos outros trabalhos que a banda tenha feito. Não estamos inseridos na banda sonora. Quando fazes um filme tens duas opções: ou colocas no CD toda a música que o filme tem ou então colocas apenas a que foi feita para o filme, que é o que 99% das pessoas fazem. Daí ter dito anteriormente que não trabalhámos para o filme americano!
TT: Haverá sempre alguém que procura uma ou outra coisa, mas nada mais do que isso. Na maioria das vezes, o Pedro tira-me as palavras da boca! (risos)
“Não há nada como tocar em casa!”
Hoje em dia, a música portuguesa é também dominada pelo chamado “pimba”, estilo que faz furor nas comunidades portuguesas no estrangeiro, nas diásporas. No entanto, é muito raro ouvir falar de uma banda portuguesa com as vossas características, com sucesso no estrangeiro. Sentem-se, de alguma forma, privilegiados por terem conseguido ir além-fronteiras?
PG: Já foi muito mais! Não é uma questão de privilégio, é mais de reconhecimento. Se conseguimos sair foi por alguma razão. Foi porque trabalhámos a sério e, um dia, alguém viu que merecíamos ser recompensados. É muito gratificante saber que conseguimos sair de casa porque, muitos de nós, em Portugal, não conseguem.
TT: Nos anos 90 foi muito mais do que é agora. Tenho até a sensação de que está a desaparecer, apesar de ir existir sempre! O pimba é mais comum porque é o pessoal das queimas e das festas que mete lá esses nomes. Atenção que não tenho nada contra! Só acho que são as produções de espetáculos e de televisões, como os casos dos programas da tarde aos fins-de-semana, são as culpadas. Se não fosse isso, talvez estivesse um pouco mais extinto.
É difícil viver da música em Portugal?
TT: Sim, claro que é, mas nós vivemos. Não há muito tempo mas vivemos! Tudo é difícil, desde que seja uma coisa que queiras fazer à tua maneira. Não somos uma banda Carreira nem temos uma legião de fãs! Fazemos o que gostamos, à nossa maneira. E isso deixa-nos muito felizes, claro! Também é difícil porque o país é pequeno, incluindo no plano económico, e as hipóteses são muito poucas: ou ficas e vives com o facto de ser difícil ou então vais para fora!
Em Julho deste ano, sobem ao Palco Heineken do festival NOS ALIVE, tal como aconteceu em 2013. Acham que devido à internacionalização e ao aumento de vendas dos Dead Combo, deveriam estar no palco NOS, o principal?
PG: Não faz sentido nenhum irmos para o palco principal. O que fazemos não é música de massas, não temos singles, não temos cantores e muito menos canções para as pessoas baterem palmas e cantarem connosco. Nos festivais é isso que querem, e até acho muito fixe, mas os Dead Combo não são assim. Gostamos muito do palco Heineken!
Por fim, a pergunta da praxe: E projectos para o futuro?
PG: Fazer o que fazemos sempre, a mesma música, chegar a mais pessoas e cada vez mais longe. Talvez um disco para o próximo ano, quem sabe!
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.