Apaixonado por contar histórias, Filipe Santa Bárbara conquistou recentemente vários prémios e uma nomeação internacional com o podcast Violeta. O jornalista de política da TSF confessa ao UALMedia o que o apaixona no jornalismo, a ansiedade com a crise no Global Media Group e a rotina desafiante da profissão.
“Este protesto é da TSF, mas na verdade é um protesto pelo jornalismo em Portugal” foi uma das afirmações durante a greve dos trabalhadores da estação de rádio em setembro 2023. Sente que o jornalismo português grita por atenção, mas ninguém o ouve?
A TSF gritou por atenção. Nesta altura, o jornalismo deveria estar a gritar mais do que está, porque a classe encontra-se muito acomodada, mas, ao mesmo tempo, não esconde a crise no Global Media [Group]. Essa crise e o V Congresso dos Jornalistas, que ocorreu em janeiro de 2024, ambos foram gritos de atenção. A situação está a chegar a um limite, no sentido das condições de trabalho que estão cada vez mais deterioradas. Em suma, existe um pequeno grito que vai sendo dado de tempos em tempos, mas deveria ser muito maior do que aquilo que é.
Em entrevista à Escola Superior de Comunicação Social, afirmou que o jornalismo o cativou pela capacidade de contar histórias porque “toda gente tem uma história e tem coisas para contar”. Quantas boas histórias encontra por dia?
Muitas. Sobretudo ao ler, tanto a imprensa nacional como a internacional. O que gosto mais em ser repórter é encontrar boas histórias e isso encontra-se a vir para o trabalho e até nos transportes públicos, mas ter tempo para pegar nessas histórias… isso já são outros quinhentos [risos]. É mais difícil dado o buraco em que vivemos nesta indústria, mas elas existem e continuam a cativar-me todo o santo dia.
Foi graças a essa paixão por contar histórias que venceu o primeiro prémio da categoria de Rádio do Prémio AMI, o Prémio Corações Capazes de Construir, finalista do Prémio Gabo e, recentemente, o Gazeta de Rádio com o podcast Violeta. De onde surgiu a vontade de contar a história de uma mulher trans migrante que procura ajuda em Portugal?
O Prémio Gabo foi sem dúvida a coisa mais sensacional, por ser um prémio internacional. Não ganhei, mas ser finalista foi surreal. O podcast surgiu porque tenho uma forte apetência para histórias relacionadas com direitos humanos. Quando tive conhecimento da história, ou seja, como ela me foi contada, percebi logo que havia ali algo muito importante para ser relatado. Estava longe de saber os contornos que ia ter e como se ia desenvolver [risos]: o facto de haver uma mulher que procura Portugal para tentar fugir de uma situação de violência e tem, logo à partida, uma barreira administrativa. O modo como se desenrolou foi ainda mais fascinante. As coisas que descobri pelo caminho, de forma muito trágica, mas tentei abster-me dos sensacionalismos. Tento evitar isso ao máximo no trabalho. Esta história esteve muito tempo em stand by, mas ela estava sempre lá no fundo da minha cabeça. Eram raras as vezes que não me ia deitar a pensar nela. Tinha todos os ingredientes de uma boa narrativa e, portanto, não dava para me escapar.
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Sente que, atualmente, faltam histórias como esta no jornalismo português?
Faz muita falta jornalismo de profundidade ou, como se diz em inglês, as long forms. O problema é que estamos muito dependentes de recursos humanos. Não temos tempo para nada. Não por falta de vontade dos jornalistas, mas de quem investe nas empresas jornalísticas. Muitos colegas fazem estes trabalhos em conjunto com os [recursos] que têm diariamente e nem toda a gente está disponível para abordar estes temas. Acaba por ser um sentido de missão, porque não temos as condições asseguradas.
Vivemos num mundo em que a desinformação é de fácil acesso, especialmente na área da política. O desafio é maior para conseguir distinguir a informação verdadeira da falsa?
Se as pessoas estiverem a fazer as declarações em on, a situação fica ao encargo da pessoa que as disse, mas, para já, existe sempre um trabalho de fact checking, e conseguimos sempre fazer pesquisas para saber se aquilo é ou não mentira. Quando alguém está a fazer declarações em direto, é fácil recorrer à internet e perceber se aquilo que X pessoa está a dizer é mentira. A situação é mais complicada quando são assuntos da vida interna dos partidos. Imagine que numa reunião da bancada parlamentar, que são à porta fechada, se X pessoa vem falar que o deputado Y disse não sei o quê dentro da reunião, vou confirmar com pelo menos mais três pessoas que lá estiveram para perceber se é verdade. Se tiver pelos menos duas fontes que me confirmem essa informação, tenho legitimidade para poder avançar. Por isso, não digo que é difícil distinguir, basta investigarmos bem.
“Ter alguma coisa por escrito é ouro”
Alguma vez fez um desmentido?
Nunca. Já aconteceu o conteúdo da notícia gerar ‘burburinho’, mas nunca disse “isto que aqui está é mentira”. Principalmente se tiver provas documentais, emails ou declarações. Ter alguma coisa por escrito é ouro.
A TSF é uma rádio de notícias, ou seja, ao contrário dos canais de televisão, não existe a uma imagem para ajudar a demonstrar os acontecimentos. Como se conjuga a função de recolher informação e, ao mesmo tempo, criar a “imagem” para o ouvinte?
Esse é um desafio dos profissionais da rádio, mas acho que é uma das coisas mais “fixes” que esta área tem. Todos os detalhes são importantes. Em direto o trabalho é muito mais stressante e rápido e podemos não conseguir assimilar tudo. Mas, por exemplo, vamos imaginar que estamos a acompanhar um debate quinzenal com o primeiro-ministro, em que diz algo grave. É importante dar ao ouvinte essa nota, de como o primeiro-ministro está a dizer aquela informação, se está a sorrir ou se está sério. Quando estamos a fazer reportagem radiofónica, temos de perceber os questionamentos que estivemos a fazer, mas, principalmente, ter esse cuidado com o ouvinte. Dar-lhe todas as informações que precisa.
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O acontecimento mais mediático da política, atualmente, é a aprovação do Orçamento de Estado. Como é o ambiente no terreno e na redação?
Na redação existe uma grande confiança por parte das equipas. Se a equipa de política está a dizer que é assim, faremos assim. Claro que existem situações em que pode haver declarações que vão gerar discórdia entre os políticos e temos de documentar isso tudo, porque pode gerar uma crise política. Existe uma adrenalina, mas é como qualquer dia no Parlamento.
Diariamente, está em contacto com várias opiniões no Parlamento. Pode concordar com muitas e outras nem tanto. É fácil manter a imparcialidade que a profissão exige quando se cobre a atividade política?
Tento desligar, mas não é fácil. É o meu trabalho e tenho de o fazer. Posso ser mais afoito no que toca a assuntos sobre os direitos humanos. Não sou parcial, mas quando a temática é essa sou mais incisivo nos meus textos e quando faço as peças.
“É difícil desligar”
Vários jornalistas aplicam a metáfora do canivete suíço para descrever o jornalista de hoje: versátil e eficaz, com a pressão que sente em que a notícia tem de ser imediata. Com tanta velocidade pode a qualidade estar em causa?
No meu trabalho depende muito do caso, porque existe sempre margem para ficar melhor. Acredito que a qualidade está muito em causa. Na rádio, nas televisões, nos sites essa rapidez pode ser perigosa.
O que faria se tivesse mais tempo?
A questão não é ter mais tempo. Na minha situação, tomo a atitude de, se não estiver confortável para dar uma notícia ou para fazer uma reportagem, dizer à pessoa que está a editar que não a vai ter agora, mas isso depende sempre de onde trabalhas e dos anos em que estás no meio.
Referiu em entrevista ao programa E2 que só sabe a sua agenda na noite do dia anterior. Como se concilia a vida pessoal com a profissional dado este cenário?
É horrível [risos]. Tenho a sorte de ter uma equipa em que nos aparamos uns aos outros. Se precisar de faltar, porque tenho uma coisa qualquer, a minha equipa consegue conciliar e equilibrar os afazeres uns dos outros. Sabes que acordas e depois logo vês como acaba. Por exemplo, quando a Marta Temido se demitiu era de madrugada, estava acordado e levantei-me logo para escrever uma peça, mas se não tomarmos cuidado situações como estas podem ser viciantes. É difícil desligar.
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“Se estamos melhores? É discutível que sim”
No ano passado, o Global Media Group (GMG), empresa a que pertence a TSF, atravessava um período complicado. Várias pessoas foram demitidas, outras saíram e existiu um grande atraso no pagamento dos salários. Teve medo de ficar sem emprego?
Neste momento, já se concretizou o negócio, por isso a TSF já não é 100% detida pelo Global Media [Group]. Nessa altura, não houve pessoas a ser demitidas. Não renovaram contratos. Houve esse risco. Houve pessoas que saíram pelo próprio pé. Passou-me muito pela cabeça que poderia ficar sem o meu cargo, mas como faço parte da Comissão de Trabalhadores estou protegido por algumas legalidades, ou seja, ficaria sem emprego só se a TSF fechasse.
A situação do GMG foi bastante discutida no V Congresso dos Jornalistas, onde expôs a sua revolta. Sente que quase um ano depois as coisas melhoraram ou ainda existe um longo caminho a percorrer dentro da empresa?
Temos um longo caminho a percorrer. Já não temos salários em atraso. Agora, houve uma grande destruição do valor da marca e muita gente saiu. Se estamos melhores? É discutível que sim.
Dentro do congresso foi discutida a profissão. Uma profissão com ordenados precários e sem horários fixos, o ritmo alucinante. Sendo que está diariamente na Assembleia da República, onde grandes decisões são tomadas, a profissão de jornalista é abordada nestas discussões?
Acho que uma das coisas que se pode tirar de positivo da crise do Global Media Group e, agora, da Visão foi que, finalmente, o poder político começou a olhar para os media de forma diferente. Ganhou uma certa preocupação, que antes não existia.
Na conferência ‘O Futuro dos Media’, o primeiro-ministro Luís Montenegro fez declarações provocatórias sobre a comunicação, nomeadamente, a situação dos auriculares. Alegações como esta podem levar a que os cidadãos percam a confiança nos jornalistas?
Podem. Essas declarações foram um pouco infelizes. Não acredito que tenha havido total maldade do primeiro-ministro. Vivemos numa sociedade em que temos de ter cuidado com o que dizemos e em que contexto o dizemos. Quando não se está dentro do meio e não se sabe e se tenta opinar… podemos ajudar a perda de credibilidade.