Morreu Estrela Novais, atriz com uma longa carreira no teatro e televisão em Portugal. Ela que, ainda há bem pouco tempo, se disponibilizou para (mais) uma entrevista ao UALMedia. Tinha 70 anos.
Quando surgiu o desejo de ser atriz?
Desde miúda. Desde os quatro anos que tenho essa imagem e fazia teatro sozinha. Fechava-me no quarto e não queria que ninguém visse, nem a minha mãe, nem o meu pai. Tendo um irmão, mas estando com a minha avó, não tinha com quem brincar, portanto inventava pessoas, personagens. Comecei a ler muito cedo, porque naquela altura só se ia para a escola para aí aos sete anos e o meu pai insistia que a minha mãe me ensinasse a ler, então comecei a ler muito cedo. Aos cinco anos, adorava ler as bandas desenhadas dos jornais. Esse sonho acompanhou-me. Aos sete anos, estou a viver em Monção e sou batizada. E aí percebo, aos sete anos, que é uma questão de palco, com sete anos já se tem uma ideia. Na escola primária e depois no secundário, já tinha o objetivo de ser atriz, mas só depois de fazer o meu curso de Economia.
Aos 27 anos, conseguiu uma bolsa e foi estudar para a Accademia Nazionale di Arte Drammatica Silvio D’ Amico, em Roma. De todas as coisas que aprendeu, o que é que acha que foi mais importante?
Primeiro que tudo foi importante porque já tinha dez anos de teatro profissional. Já tinha fundado uma companhia [Companhia de Teatro Seiva Trupe], um festival. Então, ia com o objetivo de melhorar como atriz, cheguei lá e não… Puseram-me no curso de encenação e nunca tinha pensado nisso, mas já tinha feito encenação. E foi fundamental. Adorei fazer o curso de encenação com os estágios, etc. E outra coisa que gostei é que não era conhecida, portanto ninguém sabia quem eu era e apreciavam-me. É como nascer de novo, em que nos tornamos uma pessoa nova, temos amigos novos, passamos por ruas diferentes, a maneira de comer é diferente. Portanto é renascer. Eu senti que renasci e depois foi um grande desafio, porque, para mim, havia muita saudade do palco. Mas realizei muitos espetáculos como atriz na Accademico, eles sabiam que havia essa vertente. Mas o meu foco era o curso de encenação.
Também é professora, na Escola Secundária D. Pedro V. Do que é que mais gosta no contacto com o jovens?
Passar-lhes o gosto pela leitura, passar-lhes o gosto pelo conhecimento. Eu também aprendo com eles. Aprendo como é que eu vou chegar a eles, eu entendo-os, não sou muito nova, mas já tive 17 anos. Eu entendo muito as inquietações e dúvidas, julgo eu, portanto essencialmente esse lado humano. Quando passo, deixo qualquer coisa. No outro dia, uma ex-aluna minha veio cá visitar-me e vai casar — com um namorado muito bonito. Tu sentes que ficou alguma coisa.
Que mudanças mais significativas testemunhou na sua área?
Há uma ideia de que, com o tempo e experiência, tudo se torna fácil, o que não é verdade. À medida que o tempo passa, nós temos mais receios, mais medos, não podemos falhar e o público exige mais. Já não é “ah, começou agora”, não. É “ah, já tem muitos anos de teatro”, já te exigem mais nesse aspeto. Isso aí é uma constante avaliação, o constante medo de falhar. É que depois com o tempo, em princípio, como atriz, pensam que és muito fogosa, mas com o tempo eu ia sendo mais contida, mais sólida.
“Gostaria que se lembrassem que fui real. Que sempre tentei ser o mais real possível”
Que conselhos daria ao jovens que desejam seguir a carreira de atores? O desafio é maior ou menor do que quando começou?
Como Jack Lemmon costumava dizer: “Querer ser ator é como usar sapatos de chumbo.” Para ser ator é preciso ser exigente, ter muita paciência, saber ouvir muitos “nãos”, estudar muito e constantemente. Não se deslumbrar com o sucesso do espetáculo e sempre querer ir mais além e mais além. Os desafios que os atores podem enfrentar atualmente são os mesmos de sempre. A cultura é sempre muito maltratada. Existem salinhas de sociedades recreativas, mas teatros existem muito poucos. Atualmente, por exemplo, quando os jovens saem do conservatório para fazer lucro têm de alugar um espaço. Mesmo assim é difícil alugar por causa do dinheiro.
Outra [situação] é a insegurança constante. No meu tempo, quando tinha 17 anos, contratavam-me como profissional, mas no verão não ganhava. Tínhamos de guardar dinheiro para o verão. Hoje faz-se um trabalho duas vezes ou três, e depois fica-se sem trabalho. Estamos sempre à espera que o telemóvel toque, que alguém nos chame, que alguém se reúna contigo. Portanto a insegurança económica é um grande desafio. Quando se faz uma coisa de que se gosta é-se feliz. Há muita gente que tem o ordenado certo, um funcionário público, um bancário, um político que tem o ordenado no fim do mês. Nós não, mas nós ficamos muito mais felizes.
Essa insegurança desse lado nómada é quase um improviso. Não sabemos o que é o amanhã. Há esse encanto, é uma aventura. Há muitos e muitos que desistem, jovens atores que desistem, no terceiro ano, às vezes ao fim de cinco anos, nunca mais os vemos. Jovens atores que apareceram uma vez e desapareceram. É o problema. Portanto, esse é um desafio. Gostava que houvesse outra segurança. Que um ator quando estivesse desempregado tivesse um subsídio, uma coisa que contasse, uma coisa simbólica, pura. Seria melhor.
Foi complicado equilibrar a sua carreira com a vida pessoal?
Ui! Mirabolante. Nem eu sei. Mirabolante. Cheguei a estar a gravar e entre as pausas estava a corrigir trabalhos de alunos, às vezes até nos montes, em dias de exteriores, a corrigir trabalhos. Com muito cansaço, mas também muita paixão e esforço.
Qual foi o papel mais desafiador que já interpretou?
Bom… pode ser o meu primeiro papel, o mais desafiador que já interpretei.
Como é que foram os momentos mais memoráveis da sua carreira?
Foram momentos encantadores. Lembro-me da minha estreia no palco e interpretei diversas personagens ao longo dos anos, mas o mais memorável é o reconhecimento do amor que deixei no palco.
Tem ideia dos seus projetos futuros?
Viver! Nunca gostei dessa pergunta porque há sempre uma tendência de que ator ou atriz tem de dizer “agora vou fazer isto… agora vou fazer aquilo”. Nós não sabemos o que vamos fazer. Quer dizer, por falar nisso, agora vou fazer uma peça, mas a partir de uma certa idade deixa-se de pensar nisso.
Como gostaria que as pessoas se lembrassem da sua carreira?
Gostaria que se lembrassem que fui real. Que sempre tentei ser o mais real possível. Transparecer o real para o público.