Rosa Carreiro, jornalista da Lusa, fala via e-mail, sobre o jornalismo, a Lusa e os estudantes universitários.
Estudou jornalismo na Universidade Nova de Lisboa. Se fosse hoje, e tento em conta a conjuntura que o país atravessa, voltaria a escolher ingressar nesta carreira profissional?
A crise tem condicionado a prática jornalística, sobretudo pela crescente imposição de critérios economicistas na gestão das redações. Isto consegue deixar os jornalistas desmotivados e frustrados e, apesar de não trabalhar há mais de uma década, consigo perfeitamente ver a diferença face à altura em que comecei. Admito um dia trocar de área profissional, mas também por ter curiosidade em fazer coisas novas. Não é só por estas dificuldades, que sinto agravadas pela minha função de editora adjunta, já que tenho de gerir pessoas. Ainda assim, jamais teria deixado de entrar em Jornalismo. Mesmo que a ideia com que entrei na faculdade tenha entretanto sido confrontada com a realidade, tinha este sonho desde os seis anos e tenho um orgulho enorme na profissão. Sinto-me parte de uma classe com uma enorme responsabilidade e que consegue provocar mudanças na vida das pessoas, que pode mesmo fazer a diferença.
“Ainda assim, jamais teria deixado de entrar em Jornalismo. Mesmo que a ideia com que entrei na faculdade tenha entretanto sido confrontada com a realidade.”
Quando acabou o curso, foi difícil conseguir um estágio?
Não foi complicado porque dependeu de uma ‘bolsa’ de estágios disponibilizados pelos órgãos de comunicação social. Disseram que tinham x número de vagas para a Nova e escolhemos por ordem, em função da nota final do curso. A Lusa não era a minha primeira escolha – era o Público, já que não havia vagas para a Visão, mas quando fui escolher já as duas vagas estavam tomadas -, apesar de ter uma boa imagem da agência e noção da sua dimensão. Um pouco mais difícil era ficar a trabalhar lá. Mesmo assim, entrei três meses depois de acabar o estágio, ainda que não tivesse logo ficado com contrato. E não fui a única, na minha altura ficaram a trabalhar mais três estagiários. Hoje, infelizmente, é muito mais difícil, pela redução das despesas, ficarmos com os estagiários.
É editora na Agência Lusa. Como é composto o seu dia?
Há uma série de rotinas que não podem ser esquecidas. É preciso estar muito atento à atualidade, incluindo ver as notícias dos outros órgãos, embora nem sempre se consiga fazê-lo com o tempo desejado. Na maior parte dos dias quando entro de manhã, já chego à redação com os principais temas lançados, o que implica começar logo a bom ritmo, a editar notícias e a processar muita informação em e-mails. Diariamente, recebo e mando dezenas de mails. Chegam comunicados de imprensa, recados de colegas e da chefia, marcações de agenda, pedidos de folga. No País temos de gerir a rede nacional de correspondentes, o que aumenta imenso o número de comunicações, para estarmos sempre todos ligados. Por exemplo, se no parlamento surge um assunto do Algarve que não se estava à espera, temos de avisar o responsável pela região, não vá alguma fonte local contactá-lo para noticiar o mesmo assunto. É preciso evitar sobreposições de trabalho e acompanhar o trabalho da rede de correspondentes. Precisamos de estar disponíveis para os vários telefonemas que nos fazem. Diariamente, além de entregarmos à chefia de redação uma lista com temas novos ou que estão a marcar a atualidade, temos duas reuniões de agenda com todas as secções e a chefia. Na primeira, tratamos da agenda dos três dias seguintes. Às 18h acertamos o dia seguinte com o que apareceu de novo ou faltava limar, combinamos se há outros meios a utilizar além de texto, cruzamos todos os dados. Uma vez por semana há uma reunião mais demorada com todos para tratar de trabalhos extra-agenda, reportagem, temas dominantes que queremos explorar e aprofundar. E, claro, há a tarefa primordial, a edição dos textos, que requer rapidez, por estarmos numa agência que trabalha 24 horas.
“É preciso estar muito atento à atualidade, incluindo ver as notícias dos outros órgãos, embora nem sempre se consiga fazê-lo com o tempo desejado.”
A Lusa é a única agência noticiosa em Portugal. Ser jornalista da Lusa, facilita o acesso a fontes?
Julgo que, apesar de também termos as nossas limitações, conseguimos o reconhecimento da nossa seriedade entre as fontes mais institucionais, o que nos abre portas, mas talvez o fator mais importante seja a nossa dimensão e capacidade de enviar informação para muitos órgãos, incluindo estrangeiros. Um assessor de imprensa percebe essa importância, logo o acesso fica facilitado. O que não quer dizer que seja fácil. Entre as fontes não institucionais podemos ter alguma dificuldade acrescida por muitas pessoas sem ligação à comunicação não nos conhecerem realmente. Já ouviram falar, mas num jornal ou na televisão, na prática não sabem bem o que nós fazemos. Ainda assim, recebemos uns quantos telefonemas de cidadãos a dar conta de acidentes ou a denunciar crimes, por exemplo.
O estilo de escrita da Lusa tem algumas restrições, de forma a poder ser adaptada a vários órgãos de comunicação. Sente que é redutor escrever dessa forma?
Quem gosta muito de escrever geralmente não fica totalmente satisfeito com o registo mais comum da Lusa. É o meu caso. O hábito faz esquecer isto no dia-a-dia, mas com o tempo podemos sentir a falta, como já sinto. Como disse acima, quis trabalhar na Visão, precisamente por poder escrever de uma forma mais criativa, com textos maiores. A editoria País é uma das secções em que se consegue aligeirar mais facilmente esta questão, porque sempre que possível fazemos os chamados features, reportagens um pouco mais ‘além’, onde há mais liberdade no texto, a peça até pode vir assinada com o nome do jornalista (nas notícias costumamos usar iniciais apenas). Nesses casos, como editora, confesso que permito mais ‘fugas’ ao nosso estilo se o texto estiver bem escrito, não gosto que determinadas regras nos impeçam de contar melhor uma história. Mas a minha idade e a minha ‘escola’ contribuem para isso. O problema é que ser editora deixa muito pouco tempo para escrevermos os nossos textos, sobretudo estas reportagens. É uma coisa que se tenta compensar com outras coisas.
O “novo” Jornalismo
“Teremos sempre novas crises, mais cedo ou mais tarde. Contudo, a falta de emprego obriga a esforços extra. A concorrência é muita, por isso há que marcar a diferença.”
Hoje em dia, existem duas ideias sobre a evolução do jornalismo português ao longo dos anos. Há quem defenda que o jornalismo piorou, mas também quem discorde e admita que o jornalismo está somente num processo de renovação. Qual a sua opinião?
Não consigo tomar partido por uma delas, taxativamente, embora haja com certeza uma renovação, nem que seja pelo avanço tecnológico. Tal como disse anteriormente, a gestão das redações está, na minha opinião, pior. Isso tem reflexos no trabalho, naturalmente. Com a sensação do “estou farto e estou a ser explorado” vem também algum desleixo e vontade de despachar, com consequências no tratamento da informação. Mas ainda há muita gente com vontade de trabalhar e a trabalhar bem, que consegue fazer vir ao de cima o seu gosto pela profissão. As mudanças custam sempre, mas são necessárias e inevitáveis. Desde que não se perca a essência do que é o jornalismo, da sua missão. As tecnologias obrigam-nos a adaptar, a lidar com este ‘jornalismo cidadão’ que deixa fotografias e relatos nas redes sociais. O que é nos distingue, então? Não podemos ficar pela superficialidade e pela ligeireza. Por outro lado, admira-me que o ensino ainda falhe tanto. Os estagiários chegam agora a saber editar um vídeo, é certo, mas a maior parte não é informada, não tem prática de ver/ler notícias e, pior, quando não sabe não consegue tentar saber por si. Há alguns bons exemplos de cursos, que conseguem melhor estabelecer o equilíbrio entre o saber pensar e o saber fazer, mas muitos outros não exigem o suficiente dos alunos. Não consigo compreender como uma pessoa que escreve com erros tem boas notas num curso de Jornalismo.
Para terminar, que conselhos chave daria a um jovem que ingressou agora no mundo do jornalismo?
Em primeiro lugar, não desanimar perante todo o discurso sobre a crise. Teremos sempre novas crises, mais cedo ou mais tarde. Contudo, a falta de emprego obriga a esforços extra. A concorrência é muita, por isso há que marcar a diferença – é preciso atitude, disponibilidade, capacidade de desembaraço, não ter medo de dar ideias. É obrigatório acompanhar a atualidade, ler/ouvir/ver em diferentes registos para saber fazê-lo também e aprender a ver o mundo sob diferentes ângulos. É bom apostar em formações que sejam úteis – uma nova língua, uma boa especialização em determinada área -, envolver-se em projetos que possam dar experiência. Não é uma profissão fácil, mas pode recompensar-nos muito.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.