Celebraram-se, no dia 20 de Novembro, 29 anos desde que em 1989 foi adoptada a Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança. Esta Convenção coroou um percurso que vinha a ser trilhado por associações civis e pelo labor de pessoas anónimas que se dedicavam a melhorar a vida das crianças e a sensibilizar a comunidade e os Estados para a necessidade de lhes reconhecer a dignidade devida e uma maior protecção, inclusive contra os que detinham o poder paternal.
De entre todos aqueles cuja actividade deve ser lembrada destaca-se Eglantyne Jebbs, da Save the Children International, que em 1924 elaborou um texto que viria a ser adoptado pela Liga das Nações e ficaria conhecida como a Declaração de Genebra. Texto curto – consagrava apenas cinco princípios -, fundava-se ainda, maioritariamente, numa visão da criança frágil e carecida de protecção.
Em 1959, através da Resolução 1386 (XIV), de 20 de Novembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração Universal dos Direitos da Criança, elaborada a partir da anterior, que amplia para 10 princípios. Não se reconhece, ainda, autonomia à criança, ou uma identidade e voz autónomas, mantendo-se a perspectiva anterior de um ser carecido de uma intervenção essencialmente protectiva.
Apesar de ser elaborada e aprovada por uma organização internacional, trata-se de uma declaração e, por conseguinte, não tem carácter de obrigatoriedade para os Estados, o que lhe retira alguma relevância prática.
Haveria que esperar ainda 30 anos para que, a 20 de Novembro de 1989, fosse proclamado o instrumento normativo que serviria de propulsionador a um movimento de consagração universal de direitos das crianças nas mais variadas áreas: a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das crianças.
O impulso para a elaboração desta Convenção veio da Polónia, país berço de um dos vultos maiores da defesa dos direitos da criança, Janusz korczak. Médico e pedagogo conceituado com vasta obra publicada, dirigia um colégio para crianças órfãs judias quando a Polónia foi ocupada pelos alemães. Aquando da criação do Ghetto de Varsóvia, decidiu permanecer junto às crianças apesar de, em virtude do seu prestígio, lhe ter sido concedida a possibilidade de se manter em liberdade. Esta decisão de se manter como o “anjo das crianças”, como carinhosamente é referido em vários textos, manteve-se mesmo quando foi decidida a deportação, para o campo de concentração de Treblinka, daqueles de que cuidava. Korczak viria a morrer nesse campo.
Pretendia-se que os trabalhos preparatórios da Convenção estivessem concluídos a tempo de o texto ser aprovado no decurso de 1979, proclamado pelas Nações Unidas como o ano internacional da criança. Porém, a discussão de alguns aspectos do texto, como a liberdade religiosa das crianças ou a obrigação de atender à sua opinião nos assuntos que lhe digam respeito, não mereceram a concordância de alguns Estados para quem a consagração de tais direitos significaria a violação de valores nacionais fundamentais de alguns Estados confessionais, ou do poder dos pais relativamente aos filhos. Conseguido o consenso, a Convenção entrou entraria em vigor apenas 10 dias após a sua adopção o que faz dela, não apenas a convenção mais ratificada de sempre (apenas os Estados Unidos da América não a ratificaram ainda), mas também a que mais rapidamente entrou em vigor na ordem jurídica internacional.
Através da Convenção reconhece-se à criança um novo estatuto na cena do direito internacional, agora assumidamente na qualidade de sujeito de direitos, não apenas de protecção e de provisão mas igualmente de participação o que, segundo alguns autores, lhe confere o valor de “verdadeira revolução copernicana”.
A relevância desta convenção prende-se, igualmente, com o facto de se tratar de um instrumento vinculativo para os Estados, sobre cuja concretização prática devem prestar contas ao Comité dos Direitos da Criança, e que cobre as várias áreas de vida dos menores: familiar, escolar, social, política, religiosa, entre outras, incluindo o direito a brincar e a ser criança.
De forma a concretizar e aprofundar os vários aspectos da Convenção, têm sido produzidos inúmeros instrumentos no âmbito das Nações Unidas, Conselho da Europa e União Europeia (circunscrevendo a apreciação às organizações em que Portugal se integra, embora não possa deixar de referir-se o trabalho meritório ao nível dos sistemas regionais africano e americano).
O próximo ano civil será, seguramente, palco de celebrações do 30.º aniversário da convenção que reconheceu à criança a dignidade paritária com o adulto e que forçou os Estados ao abandono da cómoda posição de proclamadores de direitos e lhes impôs obrigações de actuação para que aqueles fossem respeitados e promovidos. Porém, deverá constituir, de igual forma, uma oportunidade de proceder a um levantamento desapaixonado das promessas por cumprir e um estudo sério sobre o modo de compelir os Estados a, definitivamente, cumprirem as obrigações assumidas.