Além da música, Dino D’Santiago entra no mundo da moda com a marca “d’Santiago”. Em simultâneo com o seu último álbum, “Badiu”, lançado em 2021, o cantor decide apostar nesta indústria para produzir uma coleção de roupa baseada nas suas canções.
À conversa com Dino D’Santiago no atelier da estilista Alexandra Moura, em Lisboa, o UALMedia teve a oportunidade de ver de perto toda a coleção “Badiu” e perceber o que inspirou o cantor, o conceito e os motivos que o levaram a transportar as suas canções e as suas mensagens para peças de roupa.
Porquê investir na produção de uma marca de roupa?
A marca “d’Santiago” surgiu da necessidade de ter uma plataforma que, para além da música, exportasse frases, várias máximas que trago para a minha vida e a “d’Santiago” representa isso: as minhas raízes, a minha forma de sentir e de estar na vida. O aceitar da minha vulnerabilidade enquanto ser, mas acima de tudo a minha predisposição de querer ir além dos meus limites e não poderia ter melhor do que uma marca que representasse as minhas canções. Quem me ouve entende perfeitamente as mensagens que quero passar, temos frases como “os nossos corpos também são pátria”, um exemplo tão simples da canção ‘Esquinas’, que em termos de statement faz toda a diferença nesta narrativa.
Como surgiu a oportunidade desta criação?
Sinto que não foi uma oportunidade, mas sim uma visão de várias pessoas que se iam apropriando positivamente de muitas das mensagens que deixava. Foi perceber a narrativa em todos os concertos e o que as pessoas questionavam: “o que é que significa o batuque? ou o que representa o funaná? o que quer dizer ser badiu? o que significa crioula?” E, então, foi quase como que trazer esses nomes, esses títulos chave de forma indireta para questionar, querer saber o porquê desse motivo, causando essa interrogação. Porque muitas vezes comparamos a verdade que nos é dita como uma verdade absoluta, mas ela é mutável ao longo dos tempos. Ao longo dos anos, mudei toda a minha forma de ver, sentir e de estar, passando para a roupa, para a marca o meu inquietamento, a minha agitação, por querer ver as coisas diferentes com o passar dos tempos. Foi mesmo um impulso (risos), com a necessidade de perceber qual seria a reação de quando se é confrontado com este tipo de frases.
E como se inspirou para, como refere, criar toda esta narrativa?
Inspirei-me, essencialmente, e digo isto com muita facilidade, nas canções. Passa muito por aquilo que escrevo e canto no meu projeto de vida, na minha família, mas também bastante nas minhas raízes de Cabo Verde em concordância com as minhas raízes portuguesas. Entendi que sou 100% cabo verdiano e 100% português sem a necessidade de ser 50 de um e 50 de outro, posso ser 100% de ambas as nacionalidades.
“Badiu” é o nome do seu último álbum. Todas as peças da coleção também se chamam assim. O que significa afinal “Badiu”?
Representa um povo que foi escravizado durante séculos, apelidados pejorativamente de “badius” pelos portugueses que vinham do norte de Portugal e foram para Cabo Verde edificar e construir uma nova nação. Com base nesse crime humanitário, apelidaram de “badius” aqueles que queriam fugir para o interior da Ilha de Santiago. Badiu, “vadio” entre aspas, representa esse povo que utilizou esse nome outrora negativo como símbolo de resistência e resiliência. Fez todo o sentido para mim fazer a capa do álbum assim, bem como as t-shirts e as sweatshirts com o desenho do pano de terra [pano 100% algodão que as pessoas escravizadas traziam], com a palavra “badiu” ao centro.
Onde são fabricadas estas peças?
Quando pensei em criar a minha marca, nem pensei sequer duas vezes onde seria. A primeira opção foi Lisboa, sem dúvida, por aquilo que me transmite. Lisboa é uma cidade de artistas, uma cidade de começos e recomeços. Tenho Lisboa no coração, uma cidade que me acolheu e que acolhe várias culturas aceitando as suas diferenças. Aqui vive-se uma aculturação, as pessoas tratam-se de igual forma, independentemente de que país vêm. Não havia, portanto, sítio melhor para lançar a este novo projeto que esta cidade tão bela exteriormente e interiormente.
Este projeto inclui a colaboração da estilista Alexandra Moura. Porquê esta escolha?
Quando tens uma pessoa como a Alexandra Moura que abraça a nossa história e consegue dar a contemporaneidade necessária que respeita as tradições e sendo uma das pessoas mais vanguardistas do nosso panorama nacional no mundo da moda, esses dois mundos casam-se e a magia acontece.
Quais os desafios que esta coleção vai enfrentar?
Os objetivos fundamentais da marca são, essencialmente, da sensibilização para a questão de sermos uma nação crioula. Uma nação fruto da mistura, uma nação que se aceita igualmente, diferente, onde cada um tem a sua impressão digital e é nessa impressão digital que nós encontramos a nossa diferença. A marca vem com esse propósito, de mostrar a história de um povo africano que se emancipa e traz os seus ritmos, batuque e funaná que foram censurados durante séculos pela corte portuguesa e hoje são dois dos ritmos mais exportáveis da cultura cabo-verdiana a tocar num clube em Berlim, Nova Iorque ou em Londres, com toda a dignidade merecida, a elevar a história desse mesmo povo. Pretendo com a roupa, trazer a essência e a cultura de um povo que se aculturou de forma natural depois de ter começado com uma história tão trágica.
Perfil
Cantor, compositor e ativista português, Claudino de Jesus Borges Pereira, mais conhecido pelo nome artístico “Dino D’Santiago”, nasceu em Quarteira, Algarve, a 13 de dezembro de 1982.
O gosto pela música começou desde cedo no coro da igreja, local onde seguiu as pegadas dos pais, de origem cabo verdiana. A música já lhe corria nas veias, mas durante muitos anos quis ser pintor. Em 2003, tudo mudou na vida de Dino quando decide acompanhar uma amiga a um casting para o concurso da RTP1 “Operação Triunfo”, acabando por ser convidado por Virgul a realizar também a prova, que o levou a finalista. A partir daí, começou a ganhar cada vez mais reconhecimento no mundo da música; Virgul torna-se um grande apoio, dando-lhe a oportunidade de ser voz dos Expensive Soul, onde ficou durante 11 anos.
Em 2008, estreou-se com “Eu e os Meus”, e em 2013 lançou o primeiro álbum, “Eva”, que o levou a vencer dois Cabo Verde Music Awards.
Em 2018, foi convidado a participar na Final do Festival da Eurovisão, que ocorreu em Lisboa, num momento criado por Branko. Ainda nesse ano, começa uma nova etapa com o álbum “Mundu Nôbu”, onde mistura afro-pop com funaná futurista e batuku eletrónico.
Na primeira edição dos Prémios Play, em 2019, foi distinguido nas categorias de Melhor Artista Solo, Melhor Álbum e Prémio da Crítica. No mesmo ano, vence na categoria de Melhor Ritmo Internacional Cabo Verde Music Awards. Já em 2021, foi distinguido pela Câmara Municipal de Loulé com a medalha Grau de Ouro.