Nascida em Oeiras, Cláudia Semedo, 37 anos, é atriz, apresentadora e locutora. O seu percurso profissional é a prova de que se pode fazer tudo o que se gosta se houver “dedicação e empenho”. Formou-se como atriz na Escola Profissional de Teatro de Cascais e licenciou-se em Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social. É membro da Companhia de Atores e já fez os mais diversos trabalhos.
Entrou na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), nove anos depois de ter terminado o 12º ano. Durante esses anos sentiu, de alguma forma, a falta de algumas competências que viria a adquirir num curso de Jornalismo?
Não. Vejo o ensino de uma forma um bocadinho diferente daquela que nos vão passando. Para mim, o ensino não é um meio para chegar a uma profissão, é uma curiosidade pessoal, e acho que a qualquer pessoa faria bem tirar qualquer curso. Quero continuar a estudar, nove anos depois de ter terminado o curso de Jornalismo, continuo com esta vontade. Gostava de estudar Ciência Política, Direito e Cozinha, mas isso tem a ver com o enriquecimento pessoal.
Tendo em conta que se formou em 2000 na Escola Profissional de Teatro de Cascais, porque decidiu estudar Jornalismo?
Quando estudei Jornalismo, a minha vida já estava em curso. Estava a trabalhar na RTP com um programa de televisão, estava a gravar uma série de televisão, estava a fazer teatro e a abrir o Teatro Rápido, no Chiado. Portanto, estava com uma vida profissional muito preenchida e não foi por sentir que me faltava alguma coisa enquanto apresentadora que tirei o curso. Tirei Jornalismo porque achei que era um curso bastante diverso, que me oferecia disciplinas de história, de sociologia, de português, de inglês, de jornalismo, de rádio, de televisão, achei que era um enriquecimento pessoal. É assim que vejo os cursos, é assim que existe em mim essa vontade contínua de estudar, para perceber um bocadinho melhor o Mundo em que estamos. Quero tirar Cozinha e não é para abrir um restaurante (risos), quero tirar Direito e não quero ser advogada, quero tirar Ciência Política, mas não quero trabalhar, de todo, nessa área. Como a minha existência se cruza com todas essas áreas, acho que quanto mais soubermos, melhor nos saberemos posicionar.
Em 2015, foi a nova estrela do Canal Panda, dando vida à “Dra. Marta”, veterinária no programa “Panda e os Amigos”. Como foi a experiência de trabalhar com crianças?
Não era uma experiência nova para mim. Desde que comecei a trabalhar, com 15 anos, foi para um público mais novo. Na Rádio Renascença, fiz o “Rádio da Malta”, que era um programa para crianças. Na SIC, fiz o “Mega Ciência” para crianças e jovens. Tive uma licença sabática e fui quatro meses para a Argentina gravar um programa da Disney. A minha relação com as crianças já é antiga, não nasceu no Panda. Gosto muito, as crianças surpreendem-nos sempre, não seguem um guião tão bem como um adulto, e isso trabalha em mim o lado do improviso e o de estarmos sempre atentos, porque tudo pode acontecer. Acho que me entendo bem com elas e tenho uma linguagem descomplicada. Foi uma novidade trabalhar no Canal Panda, é muito profissional naquilo que faz, trabalha para crianças, mas não as estupidifica e não as diminui. Trabalha para elas de uma forma muito galvanizadora e pretende formar seres humanos mais capazes, mais pensantes, mais amigos e mais empáticos. Foi um bom casamento e uma nova família muito feliz que arranjei, para felicidade dos meus filhos (risos).
“Os trabalhos vão-nos desafiando à medida daquilo que temos para descobrir e daquilo que temos para dar”
Já fez os mais variados trabalhos em televisão, como “O Crime do Padre Amaro”, “Água de Mar”, “Floribela” … Qual foi o que a obrigou a sair da sua zona de conforto? Esteve em todos eles com a mesma dedicação e empenho?
Gravámos “O Crime do Padre Amaro” em 2003, era muito nova. Foi um marco porque, para além de ter levado imensa gente ao cinema, foi um projeto muito arrojado. Eu tinha uma cena nua, uma cena de sexo, e a minha personagem vivia uma história muito conturbada em que se apaixonava por um criminoso e engravidava muito jovem. A personagem trouxe-me uma série de problemáticas e foi um desafio muito interessante. É muito difícil escolher um trabalho, porque acho que os trabalhos vão-nos desafiando à medida daquilo que temos para descobrir e daquilo que temos para dar. Mas gosto muito de trabalhos que me façam sair da minha zona de conforto, acho que é isso que um ator pretende para si: é pôr-se à prova, descobrir novos condimentos e conjugações de personalidade. Gosto muito de tudo o que me tira da minha zona de conforto e “O Crime do Padre Amaro”, sem dúvida, que me tirou dessa zona. Diria que estive em todos com a mesma paixão. Gosto muito de representar e dar vida a novas personagens, mesmo quando não são um desafio gigantesco, no sentido de mergulhar mais dentro daquilo que eu, naturalmente, já tenho em mim. É óbvio que nos dá um prazer diferente porque nos faz descobrir coisas diferentes, mas encaro todos os trabalhos com a mesma seriedade, a mesma paixão, a mesma entrega. Mesmo aqueles em que, à partida, não me revejo automaticamente, acabam sempre por me conquistar.
Lembra-se de algum momento que se destaque como o mais engraçado da sua carreira?
A primeira vez que apresentei as “Noivas de Santo António”, um direto dificílimo porque são muitas horas dentro de uma igreja, depois mais algumas numa festa de família partilhada e com a presença de um meio de comunicação a transmitir em direto. Tinha 19 anos e acabado de chegar à SIC. Deram-me a responsabilidade de dirigir a emissão com a Fátima Lopes. Eu, muito fresca, à porta da Sé de Lisboa, vejo uma senhora com um ar muito embevecido a olhar para a chegada das noivas, vou direta a ela e digo-lhe: “É com certeza com muita emoção que, a olhar para estas noivas, recorda o dia do seu casamento.” Ela responde: “Não! Eu nunca me casei!”, com um ar muito ofendido (risos). Aí, aprendi uma coisa importante: não é bom presumir, e presumi, porque ela estava com um ar tão derretido que parecia que se estava a recordar. À partida, diria “esta mulher casou-se aqui” (risos), e ela, ofendida, responde em direto, e tive de dar a volta dizendo: “Sim, mas certamente esta felicidade mexe com toda a gente…” Foi muito engraçado porque a minha vontade era rir-me. Ela ficou mesmo com aquele ar de quem queria ter casado e não teve essa oportunidade (risos).
E o mais difícil?
Para mim, foi sempre difícil quando estive em direto e tive de anunciar a morte de pessoas importantes, pessoas em que acreditava no pensamento, pessoas que achei que tinham sido importantes para todas as lutas e posicionamentos. Foi sempre difícil estar em direto e ouvir “morreu não sei quem, tens que dar a notícia em primeira mão”, mesmo nos programas da tarde. Apesar de não sermos da informação, quando nos chega essa informação que interessa a toda a gente, quem está no ar tem de a passar. Lembro-me de estar a fazer o “Portugal no Coração”, na RTP, e ter de anunciar uma morte em direto, para mim foi horrível. Quando morreu o nosso grande cineasta Manoel de Oliveira, estava a apresentar a entrega dos “Prémios Sophia” e foi um momento muito triste para mim.
“Todos nós, para pior ou para melhor, mudamos o mundo no raio de comunicação que conseguimos atingir”
Numa entrevista que deu a um programa da ESCS, em 2016, afirmou que acredita que pode “mudar o mundo através da comunicação”. Sente que nestes quatro anos conseguiu, de alguma forma, fazê-lo?
Claro! O que estamos aqui a fazer é comunicação, as mensagens que vou passando na “Escola do Panda” e que as crianças ouvem e absorvem é comunicação, a questão de ter ido para a manifestação da cultura com os meus filhos é comunicação. Acho que é esta comunicação, o ato de explicarmos o que estamos a viver, o que queremos e o que sentimos, e alguém conseguir entender aquilo que dizemos e, de alguma forma, mudar o comportamento. Quando apresentei o “Desafio Verde”, senti que houve muitas famílias que mudaram a sua postura em relação ao meio ambiente. De alguma forma, a comunicação permite-nos passar novas ideias, mensagens, permite que as pessoas tenham novas perspetivas e novos comportamentos, portanto, diria que sim. Todos nós, para melhor ou para pior, mudamos o mundo no raio de comunicação que conseguimos atingir. Acredito que, em casa, na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade, no nosso país, consoante o nosso alcance de comunicação, estamos todos os dias a mudar o mundo.
Sabe-se que é uma mulher de causas, amiga do próximo e grande defensora das mulheres e do feminismo. Alguma vez se sentiu discriminada enquanto mulher ao longo da sua carreira?
Sou uma mulher de todas as causas, abraço-as a todas com a mesma crença ainda que, sobre as causas que sentimos na pele, falemos em nome próprio. Diria que sou mais humanista do que feminista, mas sou feminista e as mulheres têm um longo caminho a percorrer. Ainda há uma série de preconceitos que temos de destruir, hábitos de uma sociedade machista. Também terei alguns, e faço o possível para os eliminar, mas é óbvio que fomos educados de forma machista e que há um caminho enorme para as mulheres, seja nas questões salariais, nas tarefas domésticas, nas relações amorosas. Já terei sido discriminada por ser mulher, e sou, sempre que sou contratada para fazer um trabalho que um homem também faz e recebe mais do que eu. Sou, sempre que vou ao mecânico e me tentam enganar porque olham para mim e acham que me podem cobrar mais por coisas que não preciso. Isso acontece sempre que mudam o comportamento por sermos mulheres, somos vítimas dessa educação machista da nossa sociedade. Acho que nós, mulheres, temos de lidar com isso da melhor forma e, quando se tornar um ato criminoso, denunciar.
“Sou um mundo de coisas em mim”
Trabalhou na Antena 3, com várias caras conhecidas da rádio. Entre elas estava Nuno Markl e, ao que consta, a vossa relação não esteve bem, devido a uma publicação por parte do próprio, onde dizia: “presto a maior homenagem de todas a uma pessoa que está na origem deste filme, e que foi tão injustamente maltratada no processo”. Como lida com o racismo?
Lido com ele diariamente. Acho que todos os preconceitos, todas as desigualdades e injustiças se resolveriam com educação. É o que tento fazer todos os dias: educar melhor os meus filhos, os meus amigos, educar-me melhor para perceber mais de toda a minha história. É engraçado como sou portuguesa, nasci cá, mas também sou goesa, sou africana, guineense, mas é engraçado como a minha cor de pele é automaticamente levada para África, quando sou um mundo de coisas em mim. Isto significa que a cor da pele ainda é tida muito em consideração para um sem número de coisas, o que é ridículo, mas ainda acontece. Com o racismo lido assim, porque todos os preconceitos têm por base a ignorância, um desconhecimento muito grande… por isso, acho que a forma de combater a ignorância é educar as pessoas.
E agora a pergunta praxe: que conselho pode deixar aos alunos de Ciências da Comunicação que queiram trabalhar em comunicação, nomeadamente na televisão, tal como a Cláudia?
Os conselhos são para qualquer pessoa que queira terminar um curso e seguir uma profissão, ou seguir só uma profissão sem fazer um curso. Tenham a certeza de que estão a fazer o que vos deixa felizes. Se estamos a trabalhar no que nos deixa felizes, acaba por ser uma necessidade, atingimos a felicidade através da nossa profissão, então, deixa de ser um trabalho, passa a ser a concretização daquilo que somos. Escolham uma área que vos dê prazer e, ao fazerem isso, trabalhem as vossas paixões para serem grandes amores, com dedicação, aprendizagem constante. Estejam sempre atentos, queiram saber sempre mais. Na vossa área, leiam as notícias, percebam como é que podem fazer um trabalho de jornalismo sério e melhor do que aquele que recebemos atualmente. Há muito jornalismo “lixo”, que não respeita direitos fundamentais dos seres humanos, a deontologia e a ética do jornalismo. Quando partirem para uma entrevista, uma entrega de currículo, não o façam como toda a gente, tentem ser o que leva a “galinha dos ovos de ouro”. Se conseguirem, imprimam nos vossos currículos a vossa personalidade. Tentem fazer a diferença, não sigam modelos, acrescentem coisas que achem que vos definem.