Realizado por Darren Aronofsky, “Cisne Negro” é um thriller psicossexual com uma mensagem metafórica acerca da busca pela perfeição e das consequências que acarreta, mergulhando na sanidade e na sexualidade de uma bailarina. Com cerca de 93 prémios conquistados, segundo dados do Imdb, esta é a quinta obra do realizador norte-americano.
Nina (Natalie Portman), uma dedicada bailarina que pertence a uma conceituada companhia de ballet de Nova Iorque, ambiciona conseguir ter um papel mais importante no seio da companhia. A sua mãe, Erica (Barbara Hershey), uma ex-bailarina que abandonou a profissão aquando do nascimento de Nina, controla a sua carreira almejando na filha o sucesso que nunca teve. Quando o diretor artístico da companhia, Thomas Leroy (Vincent Cassel), decide reinventar o famoso “O Lago dos Cisnes”, este precisa de uma nova Rainha dos Cisnes para substituir a sua antiga intérprete, Beth Macintyre (Winona Ryder). Nina aparece como uma das melhores candidatas a assumir o papel, conseguindo na perfeição interpretar o Cisne Branco — uma das duas facetas necessárias – , mas tendo dificuldades em interpretar o Cisne Negro, faceta que a bailarina Lily (Mila Kunis), uma recém-chegada à companhia, demonstra conseguir encarnar. Eventualmente, Nina acaba por ter a confiança do diretor artístico e conseguir o papel, sendo que o seu desafio agora será conseguir encarnar esta faceta negra, algo que a levará a perder a sua sanidade e a quebrar tabus acerca da sexualidade.
Darren Aronofsky traz-nos um perturbante filme baseado num bom argumento co-escrito por Mark Heyman, Andres Heinz e John McLaughlin. O realizador consegue sempre trabalhar de forma genial este género cinematográfico. Já em “A Vida Não É Um Sonho” se viu a sua visão ao contar este tipo de histórias de forma chocante e em “The Wrestler” a forma como consegue transmitir a tragédia. Uma visão que passa muito por saber conjugar os momentos de suspense com sons e jogos de imagens, e que consegue passar esta sensação perturbadora o que, em certa medida, consegue transcender e ser muito mais intenso que certos filmes de terror, mas de uma forma artística e muito bem articulada. Saber ter uma equipa técnica que consiga fazer passar esta visão é também muito importante e percebe-se que o realizador sabe escolher bem com quem trabalha. O filme tem tantos elementos bons que chega a ser arte, desde a fotografia ao trabalho de som.
Outro elemento fundamental que pode determinar tanto o sucesso como o fracasso é ter (ou não) um bom elenco de atores que consigam replicar o trabalho da equipa técnica – e isto é algo que está presente no filme.
Natalie Portman, no grande papel da sua vida (vencedora do Óscar de Melhor Atriz), consegue descodificar na perfeição a frágil Nina que, devido a uma devota vida ao ballet, almeja conseguir a perfeição e, por isso, todos os seus movimentos artísticos são calculados com o intuito de alcançar esse objetivo. Nina é uma criança num corpo de mulher, o seu quarto ainda é de menina com uma decoração cor-de-rosa e vários peluches, e a sexualidade um tabu.
Isto em certa medida chega a ser um grande problema quando lhe é pedido que consiga encarnar o Cisne Negro — uma faceta que no conto é a sedutora e manipuladora irmã gémea do Cisne Branco, algo que chega a ser um paradoxo de personalidades. Esta consequência advém da sua mãe (papel que Barbara Hershey consegue transmitir muito bem), que exerce um grande controlo sobre ela, tanto fisicamente como psicologicamente, em frases como “sweet girl”, chegando ao ponto de ser obsessiva e protetora, talvez por ver em Nina o talento que nunca teve e, assim, querer administrar a sua carreira da melhor forma, de maneira a que esta não cometa os seus erros.
Mila Kunis, no seu papel de Lily, é uma personagem determinante no processo da transformação negra de Nina, bem como Vincent Cassel, no papel do diretor artístico Thomas Leroy, no processo da quebra do tabu da sexualidade.
Nina ao longo do filme vai-se transformando, deixando de ser a menina submissa, dócil, fraca… vai, no fundo, tornar-se mulher, mas a um preço demasiado alto. Demonstrando ter sinais de esquizofrenia, vemos este transtorno mental a agravar-se no meio deste processo, de tal maneira que Nina começa a perder a sua sanidade e em diversos momentos no filme é percetível o deterioramento do seu estado.
A personagem queria almejar a perfeição e, no final, o preço a pagar foi demasiado. “The only person standing in your way is you” é dito por Thomas Leroy numa cena do filme e, no fundo, representa a maior inimiga de Nina… não a sua mãe, nem Lily, nem mesmo Thomas Leroy, mas sim a própria Nina.
“Cisne Negro” é um filme sobre a busca da perfeição e como esta se pode tornar prejudicial a um artista. A perfeição é vista como algo inatingível e tentar querê-la é ousadia. É a transformação gradual de Nina no meio deste processo e a sua trágica decadência. É, no fundo, uma metáfora. É arte cinematográfica apoiada na visão de Aronofsky e, sobretudo, uma maravilha de se ver pela atuação de alma e coração de Natalie Portman.
Veja o trailer do filme ‘Cisne Negro (2010)’