Quando partilhou a sua primeira ilustração, Carol Rossetti estava longe de imaginar a transformação que esta traria à sua vida. A artista falou com o ID, via Skype, sobre os seus projetos e sobre igualdade, aceitação e respeito.
Carol Rossetti tem 27 anos e vive em Belo Horizonte, Brasil. Decidida a ser ilustradora desde os quatro anos de idade, quando os pais lhe ofereceram uma caixa de lápis de cor, formou-se em Design Gráfico em 2011. Hoje, dedica o seu tempo ao desenvolvimento de projetos que promovem a mudança social.
A sua primeira ilustração nasce a partir de um comentário de uma amiga acerca de um vestido às riscas e o excesso de peso. Este é um projeto assumidamente anti-preconceito?
Sim, com certeza.
O projeto tem tido visibilidade em todo o mundo. Esperava que as suas ilustrações tivessem tanto sucesso?
Não, realmente, não imaginei isso em algum momento. O projeto surgiu de forma muito espontânea e quando as coisas foram acontecendo as pessoas começaram a conversar comigo sobre isso, foi muito inesperado. Muito giro, claro. Fiquei muito feliz. E mesmo sendo um projeto com dois anos, ainda hoje tenho muitas oportunidades graças a ele.
A Carol recebe, com certeza, muitas sugestões/críticas. Já desenvolveu alguma ilustração a partir de sugestões ou críticas?
Sim, sim! Acredito que o projeto cresceu muito por causa dessa interação com as pessoas. Porque a rede social permite essa interação. As pessoas mandavam-me sugestões, contavam-me as suas experiências e comecei a aprender coisas que vão muito além da minha realidade, do meu quotidiano. Foi muito importante.
Há “personagens” reais a serem retratadas? Ou as “bonecas” são sempre fruto da sua imaginação?
Não, eu diria que são, na sua maioria, personagens fictícias com histórias reais. A figura quase sempre é inventada, mas há histórias que são reais.
Nota diferenças culturais ou geográficas, de país para país, nos comentários que recebe?
Sim, é muito percetível como alguns países têm questões mais resolvidas do que outros. Por exemplo, a ilustração que trata a depilação, aqui, no Brasil, causou muita polémica, enquanto noutros países, especialmente países nórdicos, na Europa, as pessoas nem entendiam do que é que eu estava a falar.
Pensa que apesar destas diferenças culturais, o desenho não tem fronteiras? Que a mensagem é universal?
Sim, acho que o mundo inteiro tem as suas “questões” e os seus preconceitos. Mas essa chamada de atenção ao respeito é universal. Embora algumas [ilustrações] sejam mais relevantes nalguns lugares, do que noutros.
Qual foi a sua ilustração que causou mais controvérsia a nível global, não só no Brasil?
Não tenho uma específica, mas talvez as que causem mais controvérsia sejam as relativas ao racismo, que ainda é um problema muito grande em muitos lugares. E também as que abordam a questão do aborto, que em muitos países ainda não é legalizado ou é legalizado com muitas restrições. Essas são, certamente, as mais polémicas em qualquer lugar.
Teve alguma ilustração que a tenha marcado especialmente?
Eu falo que são todas minhas filhas, que amo todo o mundo da mesma forma. Mas acho que tenho algumas… Por exemplo, a Maíra, que se tornou capa do meu livro, foi a primeira ilustração que teve uma repercussão muito grande na internet. Acabou por ser marcante.
Muito recentemente lançou, em Portugal, o livro “Mulheres”. Este documento aborda temas como a violação, a violência ou a homossexualidade. São estes os temas mais marcantes na sua luta pela igualdade?
São alguns dos principais. Acho que esses são um bom começo, um bom ponto de partida.
No Brasil já existe a discussão destes temas ou ainda são um tabu?
Já foi mais tabu. Hoje em dia as pessoas já conversam bem mais sobre isso.
O seu projeto também se dirige a homens? Tem muitos “seguidores” no masculino?
Sim, sim, claro! Muitos seguidores, muitos comentários, muito feedback… Os homens estão mais que convidados a participar no projeto!
Sente que também se revêem nas suas ilustrações?
Sim… Ainda que sejam protagonizadas por personagens femininas, eles podem identificar-se com as situações. Costumo dizer que as mulheres estão acostumadas a identificar-se com personagens masculinas. Então, as meninas lêem Harry Potter tanto como os meninos, enquanto os meninos não vêem os filmes de princesas da Disney tanto como as meninas. Então eu gosto de incentivar que eles também se identifiquem com personagens femininas. Isso é importante.
Recorda-se de alguma situação em que um homem se tenha identificado com as suas ilustrações?
Já aconteceu em vários momentos. Aconteceu com a Samanta, uma mulher que tem o cabelo colorido. Um homem começou a falar comigo porque tinha o cabelo colorido e também se sentia daquela forma.
Considera que os homens também “sofrem” de discriminação?
Sofrem. Eles sofrem discriminação de outras formas geralmente menos violentas do que as mulheres. Mas existem várias consequências disso para os homens. Por exemplo, toda a questão de falar para as crianças que os homens não choram e que não usam cor-de-rosa, que não podem gostar de determinadas coisas… Das princesas da Disney, por exemplo. Existe uma repressão que tem consequências graves.
Também tem um novo projeto: as tiras de BD “Cores”, onde as crianças são protagonistas. Qual considera ser o papel das crianças na mudança social? São atores chave?
Acho que é muito importante trabalhar os temas que desenvolvi no projeto “Mulheres” para crianças. É uma maneira de mudarmos o nosso pensamento de uma forma muito mais natural. Porque é muito difícil, nós, já adultos, desconstruirmos tudo o que aprendemos ao longo de tantos anos. Então, este tipo de iniciativa, dirigida a crianças, é muito importante. As crianças são muito mais abertas. Elas querem ser criativas, querem brincar e estão muito mais preocupadas com isso do que com as convenções sociais. Como costumo dizer, é um projeto para todas as idades. É para as crianças, mas os adultos também vão gostar com um olhar diferente.
Os seus trabalhos contribuem claramente para a igualdade de género, aceitação e respeito para com o próximo. Acha que esta aceitação/igualdade ainda assusta muita gente?
Acho que sim. Isso ainda assusta muita gente, com certeza.
A discriminação e as desigualdades ainda são demasiado frequentes. Porque é que acontecem?
Acho que é a cultura. Não é fácil mudar a cultura, porque é preciso mudar o senso comum. E o senso comum é profundamente enraizado na cultura, na cabeça das pessoas, e é muito difícil mudar isso. São precisas muitas pessoas empenhadas. São precisas campanhas do governo, filmes, livros e histórias que comecem a retratar isso. É preciso trazer um novo conjunto de valores porque, enquanto forem só iniciativas individuais, é muito mais complicado.
Estamos muito longe de alcançar essa aceitação, essa igualdade ou é uma clara utopia?
Não… Acho que ainda temos um longo caminho a percorrer mas está a ser percorrido. Hoje, esses temas estão sendo mais falados do que nunca. As pessoas estão a conversar sobre isso. Não é uma mera utopia, é algo real.
Quais são as principais situações que nota terem mudado, graças a este desenvolvimento da aceitação e da igualdade?
Acho que as pessoas estão a falar. E essa é a principal diferença. Houve uma época em que ninguém falava sobre nada disso. Não se falava sobre assédio, não se falava sobre feminismo. Existia um medo muito grande da palavra feminismo. Ainda existem problemas, mas já estão diminuindo muito. E através desse diálogo, as coisas estão ficando mais claras para as pessoas e, então, é mais fácil informarem-se.
O seu projeto surgiu, assim, como forma de contrariar a falta de diálogo e de abertura para estas temáticas?
Com certeza! Eu tentei com o meu projeto aproximar estes temas de quem não estava dentro dos movimentos ativistas. Pessoas leigas como as minhas tias, as minhas avós… Pessoas que não estavam necessariamente a querer conversar sobre um movimento mais sério de mudança social. Mas o diálogo precisa de chegar a essas pessoas também e foi isso que tentei fazer.