Numa iniciativa inovadora, a Casa de Repouso Solar de Santa Catarina, em Linda-a-Velha, abraça uma abordagem diferenciada que visa melhorar a vida dos seus utentes: a adoção de dois cães. Ozzy e Nana transcendem o papel de meros companheiros, tornando-se uma fonte de estímulos com benefícios significativos para a saúde física e mental dos idosos.
A campainha toca, anunciando mais uma visita. Entramos no lar e somos recebidos por uma funcionária que nos cumprimenta calorosamente e pelo latido dos cães que se aproximam para nos dar as boas-vindas. Nas paredes há pinturas coloridas feitas por cada utente, lado a lado com fotos de momentos de partilha entre os mesmos.
A palavra lar tem, muitas vezes, uma conotação negativa, mas a realidade desta instituição não parece corresponder a este estigma. A sensação de conforto e apoio são evidentes. A Casa de Repouso Solar de Santa Catarina [CRSSC] é uma Estrutura Residencial Para Idosos [ERPI] cuja missão é oferecer felicidade a cada um que ali reside.
À frente desta missão está Ana Cristina Reis, a diretora técnica. A exercer a função desde 2017, tem como principal objetivo melhorar o dia-a-dia de cada utente. “Desde que comecei a exercer funções na casa de repouso procurei perceber os pontos fortes e fracos do serviço oferecido pela instituição”, compartilha. “Queremos que este espaço seja um lar no verdadeiro sentido da palavra, onde cada pessoa se sente apoiada e feliz.”
Adoção responsável
Em 2023, foi colocada a hipótese de dar um passo à frente: adotar um cão. Para tal, foi solicitado ao Intervenção e Resgate Animal [IRA] apoio neste processo. “Quando ouvi, do outro lado do telefone, a Manuela dizer ‘tenho o cão perfeito para vocês’, fiquei com o coração cheio”, confidencia Ana Cristina Reis. “O Ozzy ia tornar-se parte desta grande família.”
A introdução de um cão na rotina diária do lar rapidamente provou o papel crucial que estes desempenham a nível físico e cognitivo nos residentes — reduzindo os níveis de stress, solidão e ansiedade.
Um exemplo concreto dos seus benefícios é a situação de uma utente que enfrentava dificuldades em expressar-se verbalmente [afasia] e que, desde a chegada do Ozzy, passou a construir frases mais completas e de forma mais fluída. “O Ozzy tornou-se um companheiro a sério de todos os nossos utentes, mas com a Dona Áurea houve um clique, tinha mesmo que ser”, relata Carla, a animadora sociocultural da CRSSC, abordando a situação da utente. “Não sei o que aconteceu, mas num espaço de uma semana já dizia frases fluídas de uma maneira que já não víamos acontecer há muito tempo” diz, confiante.
“Apesar de termos muitos utentes numa situação mais fragilizada, sentimos que, desde que temos o Ozzy muitos deles passaram a sentir mais vontade de sair dos seus quartos e ficar mais tempo na sala de convívio. Participam em mais atividades.” A animadora acredita que o Ozzy veio “dar outro significado à vida dos nossos meninos”.
A decisão de adotar cães revelou que, ao contrário de alguns receios iniciais, os utentes aceitaram na íntegra esta decisão e sentem-se mais seguros. “O Ozzy traz uma energia contagiante para o nosso lar, sinto-me feliz por ele estar cá”, confirma, emocionada, Maria do Céu, utente da CRSSC.
Benefícios comprovados
Parece indesmentível que os animais possuem um papel fundamental na melhoria de qualidade de vida dos utentes — poderão, inclusive, ajudar ao tratamento de doenças como Parkinson, Alzheimer e na prevenção de doenças cardiovasculares — a verdade é que são ainda pouco aceites nos lares de idosos em Portugal.
A Casa de Repouso Solar de Santa Catarina já não tem dúvidas quanto aos benefícios. Após uns meses de feedback positivo por parte das famílias acerca da presença do Ozzy, os responsáveis por este lar em Linda-a-Velha tomaram a decisão de adotar uma cadelinha, Nana, não só para aumentar o bem-estar dos utentes, mas também para trazer uma nova companhia ao Ozzy.
Manuel Ricardo, filho de um utente do lar que sofre de demência, transmite o seu parecer em relação à adoção dos animais. “É incrível testemunhar as iniciativas inspiradoras que o Solar tem vindo a tomar ao longo dos anos que já fazemos parte desta família”, refere. “A hipótese de trazerem um novo cão para o lar foi excecional para o meu pai. Desde que o Ozzy e a Nana chegaram que tenho testemunhado melhorias significativas no ânimo connosco, inclusive fala imenso sobre os cães, o que para uma pessoa com demência é um sinal incrível”, finaliza.
Ana Cristina Reis, diretora técnica, sabe que este pode ser um modelo inspirador para outros lares e conclui com um apelo a outras instituições: “Gostaríamos que outros lares também se sentissem encorajados a proporcionar ambientes enriquecedores aos seus utentes e pensassem, em primeiro lugar, no que é bom para eles e o que pode fazer senti-los mais leves na fase de vida em que se encontram.”