Jornalista e comentadora na Eleven Sports, Beatriz Manaia, de 26 anos, tem vindo a desbravar caminho no jornalismo de desporto em Portugal. Queria ser psicóloga, mas agora não se imagina a fazer outra coisa na vida. Um percurso (aparentemente) rápido, mas nem sempre fácil e que poderá servir de exemplo e inspiração a muitos jovens aspirantes a jornalistas.
Licenciou-se em Comunicação Social. Como surgiu o interesse pela área do jornalismo?
Surgiu um bocado por acaso. Não queria ser jornalista, nem trabalhar na parte da comunicação. No secundário, tirei Ciências, queria ser psicóloga, era o meu grande objetivo, só que como acontece com muita gente chegou a hora de fazer a candidatura para a universidade e não tinha média suficiente para me poder candidatar a Psicologia. Tive que ver opções. Vi Comunicação Social, achei giro e entrei. Estudei na Escola Superior de Educação de Coimbra e assim que entrei para a escola acabei por me apaixonar pela área. O meu primeiro estágio foi na Agência Lusa e depois tive a oportunidade de fazer televisão. Acho que despertei aqui um bichinho e, neste momento, não me imagino a fazer outra coisa.
Como chegou à Eleven Sports?
Antes de trabalhar na Eleven, trabalhava numa produtora chamada Movielight, virada para a questão do desporto automóvel. Fiz uma transmissão grande em Portalegre, para o Facebook e para o Youtube. A pessoa que estava em estúdio era o João Carlos Costa que, para quem gosta de desporto automóvel, é a grande voz e referência da Fórmula 1 na Sport TV. Na Eleven Sports é também um nome bastante conhecido e gostou do meu trabalho. Passou o meu nome a pessoas da empresa, que na altura estavam à procura de alguém que pudesse estar dentro do mundo do desporto automóvel e assim fui chamada a uma entrevista. Inicialmente, entrei para fazer mais essa parte do desporto automóvel, mas sempre gostei muito de futebol, até mais do que do mundo dos carros.
O que é que faz num dia normal de trabalho?
Nesta área, todos os dias são diferentes. Neste momento, as nossas semanas dividem-se entre semanas que temos a Liga dos Campeões e semanas em que não temos. Numa semana normal de Liga dos Campeões, o dia começa a organizar alinhamentos, perceber o que vão fazer nos programas e o que vai acontecer durante o dia. Depois de fazer todo o trabalho de backoffice que é inerente a isso, escrevo horários e procuro notícias. Por exemplo, o meu dia de hoje foi fazer um bocadinho trabalho de bastidores, olhar para os portais das ligas, perceber o que é que podemos ‘reciclar’ para usar em canal ou não e tratar de coisas burocráticas.
Tem comentado jogos da liga portuguesa. Como surgiu o comentário?
Foi uma das oportunidades que me deram na Eleven. Nunca achei que poderia passar pela narração de jogos até que o Pedro Maia, o editor chefe, chegou ao pé de mim e perguntou se gostava de experimentar. Fiz alguns testes para perceber se estava apta e aos poucos comecei com jogos de menor risco, como a liga belga. Menor no sentido do olhar do público e, por isso, não sentes tanto essa pressão de errar, uma vez que estás a começar. Ainda estou um bocadinho nessa fase. Estou, sobretudo, nos jogos da liga belga e na segunda liga espanhola. Na Eleven, é muito importante respeitar o silêncio, sentir que não estás sempre a falar porque, no fundo, estás a transmitir um jogo num estádio onde há hinos a serem cantados. Às vezes é muito mais importante ouvir isso do que aquilo que tens para dizer. Mas ainda estou a começar e vamos ver no que é que dá. Mas é algo que gosto de fazer.
“Não acho que exista reconhecimento [no jornalismo de desporto]”
O jornalismo de desporto é reconhecido e apreciado em Portugal?
Não acho que exista reconhecimento. Somos vistos ainda um pouco como os vilões, tanto para o público em geral como muitas vezes para os próprios protagonistas. O que se poderia fazer para mudar essa imagem? Se calhar também nos cabe a nós concentrarmo-nos no que é importante, que é o jogo. Aqui tentamos muito fazer isso. O desporto ainda é um meio muito fechado. E quando os meios são fechados, não existe muito entendimento sobre aquilo que se passa internamente, as pessoas têm tendência a especular. Se houvesse mais abertura e transparência nesta área, acredito que se calhar o jornalismo de desporto e os jornalistas de desporto fossem vistos de outra forma.
Já se sentiu inferiorizada por comentários de pessoas que acreditam que a área desportiva está mais direcionada para homens?
Nesse aspeto, tenho muita sorte. Entrei nesta área numa altura em que começa a ser exigido que as mulheres entrem neste ramo e acho que beneficiei disso. A realidade há uns anos era completamente diferente, era um mundo muito regulado por homens, mas, dada a evolução, há a necessidade de ter em antena mulheres capazes de fazer este trabalho. Por outro lado, é mais difícil para te afirmares e mostrares que mereces efetivamente essa oportunidade. É uma luta diária. Tenho a sorte de estar numa casa em que isso não é questão, mas sei que é uma realidade. É importante haver mulheres nesta área para a questão da representatividade porque, se calhar, meninas que tenham o sonho de comunicar e que gostem de desporto verem mulheres na televisão começam a perceber que é algo normal e possível. Foi assim que achei possível chegar aqui, a ver outras a fazê-lo bem. Não digo que é um mar de rosas, porque ainda continuamos a ter que trabalhar o dobro para mostrar que estamos no mesmo nível, mas o caminho está a ser feito.
Até aqui, quais foram os maiores obstáculos que teve que enfrentar?
A pandemia acabou por afetar muito. Lembro-me que, quando começou, estava na Movielight e a situação ainda não estava muito assegurada, ou seja, acabei por ter que ser dispensada. Uma vez que não sou de Lisboa, tive que voltar para casa dos meus pais por não ter hipótese de continuar aqui. Lembro-me desse período ser complicado porque não via uma luz ao fundo do túnel. Na altura, em que terminou o meu estágio curricular também foi difícil, estive três meses na Agência Lusa gostei muito de lá estar, aprendi muito. Mas não havia trabalho na área. Enviei vários currículos, mas não obtive resposta. No ano e meio que se seguiu, estive a trabalhar numa pastelaria na minha zona, uma experiência espetacular onde ganhei bom dinheiro que me permitiu, quando surgiu a oportunidade de ir para a Movielight, voltar para Lisboa de forma independente. Mas acho que não posso olhar para isso e dizer que foi um obstáculo. Tive que passar por isso e foi uma consequência natural.
Que sonhos pretende alcançar?
As coisas caminharam de uma forma muito rápida. A Eleven era uma casa que eu respeitava muito e ainda hoje quase que me belisco, nem acredito bem que tenho a oportunidade de fazer aquilo que faço, mas obviamente que a minha ambição me pede sempre mais. Quero melhorar profissionalmente, continuar a fazer reportagem e crescer acima de tudo no mundo da televisão. Quem sabe se um dia possa narrar uma Liga dos Campeões masculina. Não sei se alguma mulher já o fez em Portugal e acho que seria um bom upgrade chegar lá. De resto, continuar a crescer. A Eleven agora foi adquirida por um grupo chamado DAZN , por isso quem sabe explorar Espanha e Itália, mas acho que, acima de tudo, viver um dia de cada vez.
Tem algum conselho para futuros jornalistas?
É importante criar uma boa rede de contactos desde cedo. Essa rede de contactos pode começar na universidade. É, acima de tudo, criar bons contactos e boas relações, perceber que a pessoa que hoje em dia é colega, no futuro pode ser alguém que nos pode dar a mão. É difícil para as pessoas mais introvertidas perceber que isto tem de ser uma coisa normal, que essas conversas têm de ser normais. O teu carisma e a tua personalidade pode ser aquilo que tem influência. Bons profissionais seremos eventualmente todos, é para isso que estudamos, mas infelizmente nem sempre o mérito é reconhecido.