Em tempos difíceis, o Banco Alimentar teve de se reinventar para dar reposta a milhares de pedidos de ajuda. Quando se entra, percebe-se que não é só mais uma organização. Existe muito esforço e logística para que tudo corra como esperado. Seja em que altura do ano for, faça chuva ou faça sol, os voluntários não param e as carrinhas das instituições estão sempre a entrar e a sair. É assim há 29 anos.
Aos 52 anos, a professora Isabel Rosado sentiu que tinha demasiado tempo e aproveitou para colaborar pela primeira vez com o Banco Alimentar. O mesmo aconteceu com o estudante de Marketing e Publicidade António Quinta, de 25 anos, que se inscreveu para ser voluntário no máximo três vezes por semana. Contudo, já lá vão três semanas a trabalhar diariamente na gestão de feedback a famílias carenciadas. Recorda-se que, ao entrar pela primeira vez no armazém, ficou “incrédulo com toda a logística que é necessária”. Isabel e António garantem que, “quando a vida voltar ao normal”, vão continuar a colaborar com o banco.
“Mesmo em plena pandemia, os armazéns funcionaram todos os dias”, diz Ana Vara, técnica de política social. Apesar de terem mantido os procedimentos com os devidos cuidados, foram vários os voluntários que deixaram de colaborar com o Banco Alimentar por pertencerem a grupos de risco. Em paralelo, surgiram novos colaboradores que tinham ficado desempregados ou em lay-off.
João Penedo foi um dos voluntários que não deixou de colaborar com o Banco Alimentar durante a pandemia. Tal como aconteceu com Isabel Rosado, aceitou participar na reportagem com a condição de falar connosco em andamento porque o trabalho não pode abrandar. É voluntário há quatro anos, trabalha na área do turismo e, como tal, ao contrário dos anos passados, tem muito mais tempo para se dedicar a ajudar o próximo. A sua função é tratar dos cabazes que serão doados às instituições, para que essas os distribuam por famílias carenciadas. Segundo João, “com a pandemia, o trabalho e o movimento no armazém aumentaram bastante”.
Rede de emergência alimentar
Com a afluência de pedidos foi necessário a criação da Rede de Emergência Alimentar, “porque a ajuda não pode parar”.
“A ideia era ter um canal disponível, ao qual fosse fácil as pessoas acederem em caso de necessidade.” Para isso, “tivemos que ser criativos porque, aumentando tanto os pedidos de apoio e sabendo que não podíamos realizar a campanha tradicional, tivemos que nos reinventar porque há mais pessoas a precisar de ajuda”, diz Ana Vara.
Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar, afirma que a criação da rede de emergência foi uma boa solução, visto que “permitiu ter um canal direto para escoar as ajudas para as pessoas mais carenciadas em todo o País”. Para além disso, considera desafiante dar resposta a todos os pedidos e, ao mesmo tempo, evitar fraudes: “procuramos que não falte nada a ninguém, mas também que não haja duplicações”.
A resposta do banco
Tal como Ana Vara, a presidente assume que, com o acréscimo de solicitações, “o banco teve que se reinventar. Temos procurado que todas as pessoas que precisam de ajuda sejam atendidas por uma instituição, por isso, reforçámos o número de instituições. Fizemos parcerias com as juntas de freguesia, mas também reforçámos a quantidade de alimentos que damos a cada instituição, para que todas as pessoas possam ter alimentos.”
Apesar do aumento de pedidos, Isabel Jonet garante que não há redução de alimentos por cabaz. “Num primeiro momento, até tínhamos mais excedentes, porque os restaurantes não vendiam e porque fizemos várias campanhas de angariação de donativos. Essas campanhas permitiram que pudéssemos comprar produtos para completar os cabazes.”
Com a pandemia, “o banco teve que ter muitas cautelas na forma como entrega os produtos às instituições”.
“Os produtos são-nos confiados com a certeza de que os vamos fazer chegar às famílias nas melhores condições”, afirma a técnica de política social Ana Vara.
Amor e serenidade
A função de Carla Fernandes, secretária da direção, “é dar amor”. Carla foi uma das funcionárias destacadas para atender os telefonemas de pedidos de ajuda no pico da pandemia. “Ninguém estava preparado para falar com pessoas que estavam a precisar de ajuda de imediato. Tivemos muitos telefonemas, muita variedade de pessoas que nunca pensaram vir a pedir apoio alimentar. Mães desesperadas que não tinham o que dar de comer aos filhos.”
Além disso, admite que tudo foi muito intenso e que a sua função naquele momento era tranquilizar quem estava desesperado: “Sentimos que o Banco Alimentar estava a desempenhar a sua missão em pleno. Uma das coisas que disse a todas as pessoas que estavam a atender o telemóvel foi que tínhamos que passar muita serenidade e amor para quem estava do outro lado. Fazê-las sentir que íamos ajudá-las.”
Inês Valdoeiros, de 23 anos, assistente social de formação, trabalha no banco há dois anos. A sua função passa por prestar apoio às instituições e fazer a ponte entre as instituições, o Banco Alimentar e as famílias. Sente que a maior diferença antes da Covid-19 e a atualidade é, sem dúvida, o grande aumento de pedidos. Contudo, aquilo que mais a impressionou foi “ver famílias inteiras que passaram de ter os filhos nas creches, onde faziam as refeições, a ter os filhos em casa. Houve uma grande aflição por parte dessas famílias, não tinham como sustentar os filhos”.
Apesar do problema estar longe de ser resolvido, assume que “é bom ver os pais voltarem aos trabalhos e as crianças à escola. Ver as famílias a voltarem a ganhar a sua autonomia. Mas ainda temos um longo percurso a percorrer, foi um embate muito grande…”
Campanha ‘vale’
“Se uma rua vazia impressiona, imagine um prato vazio, todos os dias.” Foi este o mote que deu início à campanha de recolha de alimentos. Ao contrário de anos anteriores, não foi possível contar com voluntários nos supermercados.
Ana Vara afirma que a campanha tem por base “o que cada um de nós pode fazer pelo outro”. Refere que “foi necessário uma diversificação na procura de fontes de recolha de alimentos, visto que é muito mais impactante os voluntários estarem no supermercado”.
A presidente do Banco admite que, apesar da campanha em modalidade ‘vale’ ter corrido muito bem, houve o dobro das doações, se se comparar com o ano anterior: “nada substitui os voluntários, eles têm uma alegria e uma motivação que é contagiante, fazem-nos falta”.
Rotura de stock
Isabel Jonet não tem receio de uma possível rotura de stock, visto que o banco fez “várias campanhas de angariação de donativos e teve uma resposta extraordinária da população, através das campanhas que foram feitas com a RTP e a TVI”.
Sendo uma das missões do Banco Alimentar lutar contra o desperdício, para além de contarem com apoios individuais, recolhem alimentos tanto em supermercados como em indústrias agroalimentares.
Apoio às instituições
A nível nacional, o Banco Alimentar apoia 2.400 instituições que chegam a 380 mil pessoas, tendo este número aumentado em 60 mil com o surgimento da pandemia.
Com a Covid-19, o Banco Alimentar começou a apoiar mais instituições, como é o caso da Solfraterno, de Oeiras. Inicialmente, apoiavam 80 famílias, contudo, com a crise provocada pelo coronavírus, atualmente, apoiam 400. Maria Vanda Berlgior, de 66 anos, uma das voluntárias do Banco Alimentar, afirma que recebem “pedidos de todas as zonas do País, mas chegamos a falar com as juntas de freguesias de todos os pontos de País para evitar fraudes”.
“Chegam até nós pessoas desesperadas, pedem-nos pão duro porque não têm mais nada para comer.”
Organização do armazém
O Banco Alimentar funciona de segunda-feira a sexta-feira, das 9:00h às 18:00h. Está dividido em dois armazéns: um onde são entregues os produtos frescos às instituições e outro os bens não perecíveis. Diariamente, os voluntários preparam os cabazes que, ao longo do dia, vão ser entregues às famílias. “Por dia, cerca de 75 instituições levantam alimentos no Banco Alimentar”, afirma Ana Vara.
Existem dois tipos de cabazes, um com bens não perecíveis e outro com produtos frescos. Um é entregue mensalmente e outro semanalmente. A quantidade e diversidade de produtos em cada cabaz está relacionada com as características de cada instituição.