A Universidade Autónoma de Lisboa abriu portas à conferência “Os Jovens, o Jornalismo e a Política”, organizada pelo Departamento de Ciências da Comunicação e pela Autónoma Academy, no dia 23 de junho. Esta iniciativa formaliza o lançamento da primeira pós-graduação em Jornalismo Político-parlamentar, coordenada por Anabela Neves e Carlos Pedro Dias, que ficou adiada devido à pandemia Covid-19.
O relógio marca 14:50h e os universitários começam a chegar ao Auditório 2 da Autónoma. Curiosidade e entusiasmo reconhecem-se nos rostos dos alunos de Ciências da Comunicação (CC) – e em mais alguns provenientes de outros departamentos, como Direito ou Relações Internacionais – que se vão instalando e compondo a sala ampla e luminosa.
À entrada, docentes de CC trocam dois dedos de conversa com a coordenadora da pós-graduação. As expectativas de Anabela Neves para a conferência, que está praticamente a começar, são elevadas. “Esta trilogia dos jovens, jornalismo e política precisa de muito alimento. Os jovens gostam de política e de participar na política, mas é preciso terem os estímulos certos.”
Com a chegada do presidente da Assembleia da Républica, Augusto Santos Silva, acompanhado pelo diretor do Departamento de Ciências da Comunicação, Reginaldo Rodrigues de Almeida, e pelo presidente do Grupo CEU, António de Lencastre Bernardo, está tudo pronto para o início da conferência desta tarde.
Democracia e jovens
Para Augusto Santos Silva, a continuação do regime democrático depende de uma participação cívica contínua dos jovens na política. O presidente-sociólogo confessa que é urgente a existência de uma maior independência entre o jornalismo político e a política. “É necessário que exista jornalismo, que o direito de nos informar sobre os outros seja respeitado e que este espaço seja público”, frisa o presidente da Assembleia da República (AR).
Para uma democracia justa é necessária a existência de uma diversidade de órgãos e de conteúdos mediáticos. Para tal, o presidente da AR refere que “tem de haver uma diferença ténue entre interesse público e interesse do público”.
Nas últimas eleições legislativas em Portugal, que ocorreram a 30 de janeiro de 2022, a taxa de abstenção foi de 45,5% e Santos Silva aproveitou para abordar a abstenção jovem, manifestando a sua preocupação por esta se encontrar, atualmente, mais elevada do que a dos idosos. Afirma, no entanto, que se “não devemos ignorar esses sinais de alerta, também não devemos dramatizá-los”.
Quanto ao conceito de “juventude”, questiona os presentes: “Este é um fenómeno ligado a um ciclo de vida ou estarei a referir-me a um fenómeno geracional?” O presidente da AR confessa que o significado destas duas abordagens é “bastante diferente”. Mais: “Será que os jovens que se abstêm hoje serão os adultos que se irão abster amanhã?” é a pergunta lançada por Santos Silva para finalizar esta temática, deixando alunos e docentes em reflexão.
Ao fim de 40 minutos de discurso, Augusto Santos Silva termina a lição, perante uma plateia rendida às suas palavras. O professor não perdeu o jeito para emocionar jovens e menos jovens, naquela que foi uma verdadeira aula de cidadania.
Os jovens, o jornalismo e a política
Após a sessão de abertura, dá-se início ao debate moderado por Paula Lopes, professora e subdiretora do departamento de Ciências da Comunicação da Autónoma, e por Ricardo Costa, aluno finalista da licenciatura.
Desta vez, a mesa encontra-se mais composta: Hugo Maduro e Liliana Borges, jornalistas da SIC e do jornal Público, respetivamente, e o investigador e professor da Universidade da Beira Interior (UBI), Hugo Lopes.
Paula Lopes agradece o empenho aos elementos do Departamento de Ciências da Comunicação envolvidos nesta organização e à “peça fundamental do puzzle”: Anabela Neves. Ricardo Costa apresenta ao público um vídeo onde deputados representantes dos oito partidos com assento parlamentar na Assembleia da República abordam o tema “jovens e política”.
Todos os partidos concordam que é necessária uma maior representatividade dos jovens na vida pública e também um maior investimento na literacia política. Paula Lopes aproveita para sublinhar que “ser cidadão não é apenas votar”, destacando muitas outras formas de participação cívica e política.
Em relação à “não escolha” do direito de voto por parte dos jovens, a opinião dos convidados diverge. Hugo Lopes afirma que “desde 1986, que se fala na mobilização dos jovens na política, não é algo de agora”. O professor da UBI acrescenta ainda que estamos perante “um divórcio entre as gerações jovens e a política, porque os jovens não participam na política não convencional”.
O jornalista Hugo Maduro acredita que a linguagem política e económica utilizada pelos políticos é “por vezes difícil”, sendo essa a causa para o “afastamento entre a política e os jovens”. Refere também que acredita que o poder da mudança está no jornalismo.
Liliana Borges começa por afirmar que tem uma experiência diferente de Hugo Maduro. Para a jornalista, o problema começa no jornalismo, dando o exemplo do termo “jovem-deputado” porque acredita que esta afirmação “cria automaticamente um estigma”, o que faz com que seja necessária uma readaptação do estilo de redação do jornalista.
Ricardo Costa questiona os convidados se estamos perante um Politicotainment, termo que representa a junção entre política e entretenimento, e que gerou algumas gargalhadas na plateia, aliviando de certa forma a seriedade da temática. Hugo Maduro começa por dizer que este conceito “tem sido um grande desafio para a sua geração e continuará a ser para as restantes”.
Em contrapartida, Liliana Borges dá o exemplo de que muitas vezes as pessoas apenas leem os títulos das notícias, ficando sem perceber do que se trata. “O hábito de procurar tem de ir além do título e do excerto que vai para as redes sociais”, frisa.
Hugo Lopes faz referência a um formato de comunicação cada vez mais próximo dos jovens, o podcast, referindo que os jovens podem consumir este novo formato, por exemplo, nos transportes, enquanto se deslocam para universidade e também nas redes sociais.
No intervalo, enquanto se reconfiguram as mesas para nova sessão, Isabel Damásio, docente do curso de Ciências da Comunicação e antiga jornalista parlamentar da RTP, faz um balanço muito positivo da iniciativa: “é interessante que se consiga juntar jovens a pessoas mais velhas e a políticos. É através destas discussões que pode ser possível encontrar algum caminho onde a mensagem política chegue aos mais jovens”.
Lança ainda uma pergunta aos jovens alunos: “serão as decisões políticas anunciadas as mesmas decisões que os jovens querem ver ser discutidas ou será a comunicação política que está mal feita?” Conclui que o problema está na oferta política e não na oferta comunicacional.
O jornalismo político-parlamentar e a maioria absolta em debate
São 17:40h e o que se estranha é ver um painel só com mulheres. Na mesa, as jornalistas parlamentares Judith Menezes e Sousa (TSF), Inês Timóteo (SIC), Rita Tavares (Observador) e Graça Picão (TVI/CNN Portugal) e a moderadora, a coordenadora da pós-graduação, Anabela Neves, que também já desempenhou esta função no Parlamento
Num ambiente descontraído e interativo, as convidadas relataram experiências profissionais, sublinhando como é trabalhar com governos de maioria relativa e de maioria absoluta.
A primeira intervenção foi da jornalista mais antiga no Parlamento, Judith Menezes e Sousa, que compara a forma de trabalhar na maioria absoluta de Cavaco Silva, que decorreu entre 1987 e 1995, com a atual maioria absoluta de António Costa, duas épocas com gerações distintas.
A evolução tecnológica foi dos temas mais abordados pelas jornalistas. Para Rita Tavares, um dos grandes desafios para exercer a profissão de jornalista parlamentar é “noticiar antes dos outros, pois existe uma grande pressão nos dias de hoje devido à era digital em que vivemos”, acrescentando ainda que “necessitamos de olhar mais à nossa volta do que estar sempre a olhar para um ecrã”. Este é um ponto que as quatro convidadas afirmam vivenciar todos os dias.
A jornalista Graça Picão nota que, em relação à mais recente maioria absoluta, “vamos ter que nos adaptar todos a esta nova forma de trabalho e nós [jornalistas] vamos ter de escrutinar esse trabalho”. Inês Timóteo reforça que “a missão do jornalista é a desconstrução”.
Anabela Neves deu espaço ao público para colocar questões às jornalistas. Alexandre Albuquerque, aluno de Relações Internacionais, questionou Judith Menezes e Sousa se “não deviam dar lugar no Parlamento a jornalistas mais jovens”. Na ótica da jornalista, o Parlamento “nunca teve jornalistas tão jovens”, algo com que as restantes colegas concordaram.
O aluno aproveitou ainda para questionar a relevância dos debates quinzenais, afirmando se estes não seriam apenas entretenimento. Judith confessa, em jeito de resposta: “Custa-me muito ouvir que os debates quinzenais só servem para espetáculo!”
Sobre os maiores desafios desta legislatura, enquanto jornalista parlamentar, Inês Timóteo confessa que, “com o partido Chega, o nosso filtro tem de ser a triplicar”. Rita Tavares aproveita para rematar com uma reflexão sobre a maioria absoluta: “uma democracia não é envergonhada por uma maioria absoluta porque foi a democracia que a escolheu”.
O Parlamento como espelho da sociedade
São 18:58h e já se sente o entusiasmo nos corredores por receber na Autónoma Ana Catarina Mendes, ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares. Após a entrada no auditório, a ministra desloca-se à plateia para cumprimentar os jornalistas presentes, numa forma bastante descontraída e despida de formalidades.
A primeira intervenção nesta sessão de encerramento da conferência fica a cargo do Magnífico Reitor da Autónoma, José Amado da Silva, que num discurso breve parabeniza a iniciativa.
Ana Catarina Mendes termina esta tarde de intenso debate com o testemunho do que é ser político. “Em primeiro lugar gosto de ser política, da atividade política e da militância política”, começa por dizer. Afirma ainda que “o Parlamento é o espelho da sociedade ou, pelo menos, devia ser”, destacando que a discordância política é importante e necessária.
As sua palavras geram sorrisos e até algumas gargalhadas na plateia ao confessar não ser próxima dos jornalistas por “não responder e não dar notícia”. Apesar destas afirmações, a ministra vê o jornalismo como algo nobre. “Um bom jornalismo faz uma sociedade democrática mais forte para todos nós” e é através da política “que podemos transformar essa sociedade”.