O fascínio pelo jornalismo surgiu com apenas seis anos através das histórias contadas pelo pai. Entre países, Ana Filipa Nunes aprendeu o poder da comunicação e de como é importante conhecer outras culturas para compreender o mundo. Em entrevista, a jornalista da TVI reflete sobre a rapidez do jornalismo na era digital, os perigos e as oportunidades que representa.
Deixou Portugal com apenas 17 anos para se mudar para os Estados Unidos, onde abraçou vários projetos e aprendeu que conhecer línguas pode ser um elemento diferenciador. Licenciou-se em Comunicação Social e Cultural, na Universidade Católica de Lisboa, e hoje, aos 36 anos, é jornalista da TVI e da TVI24, profissão que sonhava seguir desde criança. Em entrevista, aborda as mudanças que o jornalismo vive em Portugal e ainda descreve como foi o seu percurso profissional até chegar à TVI.
Quando surgiu o interesse pelo jornalismo?
Queria ser jornalista que me lembre desde os seis anos. Aliás, tenho fotografias em casa com dois ou três anos agarrada às revistas e aos jornais. Sempre gostei muito de livros, de revistas, de jornais e de histórias. Quando era pequena, não comia uma refeição se não me contassem uma história. Depois, também tenho um pai muito comunicador. Apesar de não trabalhar nesta área, ele gosta muito de falar e conta-nos muitas histórias lá em casa. Creio que pode ser daí que surgiu algum fascínio. Desde pequena que percebi que o meu caminho iria passar pela comunicação e dizia que queria ser jornalista. Em pequena, havia duas profissões que dizia gostar de ser: bailarina e jornalista. Desde então, delineei o meu percurso nesse sentido. No secundário, inscrevi-me logo no jornal da escola, onde fui diretora e do núcleo de rádio. Vivia para aquilo. Por isso, é que entrei na Universidade Católica de Lisboa. Hoje que sou jornalista, é giro encontrar as professoras da escola primária e do secundário que me dizem: “Filipa és mesmo jornalista”.
Parte do seu percurso académico foi realizado nos Estados Unidos e na Áustria. O que mais a marcou nesta experiência em que conheceu culturas diferentes e como a ajudou a nível profissional?
Como muitos portugueses, os meus pais viveram em África, mais concretamente em Moçambique, e tenho uma família muito ligada a África, Angola, Moçambique e África do Sul. Estas ligações de sair um bocadinho do ninho são comuns. Desde o início da adolescência que a minha mãe me encaminhava para summer schools, para estudar no Reino Unido, nomeadamente, para lidar com o inglês, e depois na Áustria, onde aprendi alemão. Fiz o 12ºano na Califórnia, onde choco com outra realidade dentro do jornalismo, que é a máquina da comunicação americana.
A experiência foi extremamente enriquecedora e aconselho a qualquer pessoa que o possa fazer, em especial, nos dias de hoje, em que o mundo é cada vez mais global. Mas não é num ano que se aprende a falar inglês ou alemão. Tem de haver mais do que a parte linguística. Tem de se conhecer e identificar conceitos culturais de outro país. Hoje, acompanho as notícias norte-americanas e, apesar de já ter passado muitos anos, vejo uma entrevista de um norte-americano e percebo perfeitamente porque é que ele está a dizer aquilo, não só ligando com a notícia, mas a ideia que eles têm sobre determinados assuntos. É fundamental para qualquer estudante de comunicação ter essa experiência. Hoje em dia, já existem programas que o permitem.
Cheguei a fazer o meu primeiro grande trabalho em jornalismo com a reportagem em alemão com Natascha Kampusch, em que fui a Áustria entrevistá-la, algo que só foi possível porque falava a língua – obviamente com algumas “balizas”, algum estudo por detrás, mas foi possível. Acho que correu bem. As línguas podem ser um fator diferenciador.
Sentiu muita diferença da realidade a que estava habituada em Portugal?
Nos Estados Unidos, não fazia a mínima ideia. Sabia que ia para um liceu americano, mas lá está não tinha a realidade, estamos a falar do outro lado do mundo. Tinha 17 anos acabadinhos de fazer. E lá vou, para o outro lado do mundo, chego a uma escola na Califórnia, nos arredores de São Francisco. A realidade que conhecia até então era o núcleo de rádio e o jornal da escola. De repente, chego aos Estados Unidos com uma realidade completamente distinta, com diferenças enormes em termos de comunicação social. Eles já estavam com os dot.com, com as revoluções do digital.
Lembro-me que todos os trabalhos da escola eram realizados no computador e cada aluno tinha um, altamente equipado, um estúdio de televisão brutal associado a um canal e um jornal muito bem equipados. Tínhamos uma dinâmica completamente diferente. No jornal da escola, éramos obrigados a passar por todas as secções para perceber o que era arranjar publicidade para manter o jornal e as dificuldades que traziam. Andávamos mesmo no terreno atrás das notícias. Éramos literalmente atirados aos lobos, mas obviamente que fiquei com conhecimentos e tudo em inglês. Para mim, foi ótimo porque escrevia imenso em inglês para além da escola, mas na escrita jornalística como sabem é diferente. Portanto, uma escrita jornalística em inglês deu-me outra bagagem e depois com a televisão lá foi giríssimo. Realizei um curso camara woman. Depois, na parte da passagem para o digital, já se trabalhava com chromas e, a partir daí, foi a loucura.
Quando estava a estudar nos Estados Unidos integrou um projeto jornalístico num canal televisivo norte-americano. Como surgiu essa oportunidade?
Quatro meses depois, o diretor da televisão de cabo, que era um canal pequeno, mas com uma realidade completamente diferente da portuguesa – a cidade tinha 9 milhões de habitantes- chama-me um dia para fazer um casting: “Mas o que é que quer?”. Lembro-me perfeitamente, ele senta-me no platô e diz: “Apresente assim, meta-se assim, ponha-se assim de perfil e eu: mas o que é que quer que faça?” Começo a falar tranquilamente e ele: “Ok ficas tu.” E eu: “fico eu o quê?”. Estava a apresentar um programa cultural e assim foi. Desse canal, passo para outro e os convites começaram a saltar uns atrás dos outros e, se calhar, devia lá ter ficado. Foi um ano realmente brutal. Conheci, inclusive, estrelas de Hollywood.
Percurso na TVI
Começou a sua carreira jornalística em 2005, na TVI. Como surgiu a oportunidade?
Sempre pensei que fosse para fora e a minha ideia sempre foi regressar aos Estados Unidos. Não o fiz por coisas muito básicas. Primeiramente, porque realizei um estágio curricular na TVI, que era um acordo que havia com a Universidade Católica de Lisboa, em que gostei imenso. Eles mandavam-me embora e eu queria lá ficar, queria estar dentro da régie e ver como é que as coisas aconteciam. Estava completamente fascinada. Hoje, já acompanhei vários estagiários que entraram na TVI e percebo logo quando têm aquele entusiasmo.
Entrei em 2005, na TVI em estágio curricular, depois saí e fui fazer comunicação. Passados uns meses, ligaram-me novamente para ir para a parte digital da TVI. E faço quatro anos no digital, aprendi imenso, éramos responsáveis pelos leads, conjuntamente com Victor Bandarra. Ele era o nosso “boss”, mais o José Carlos Castro, que hoje está no ‘Correio da Manhã’. Foram anos também de muita aprendizagem.
Lembra-se da primeira reportagem que realizou na TVI?
Estagiei na área da sociedade. Adorei, aprendi imenso. Lembro-me que, na primeira semana, chego e vou acompanhar uma reunião e, no dia a seguir, vou acompanhar a jornalista Isabel Moiçó, numa reportagem. Chego à tarde e tinha ocorrido um tiroteio. O meu editor manda-me para rua fazer um voxpop e fui. Regresso à redação por volta das seis da tarde. Apresento ao editor o material que tinha, ele vira-se para mim e diz: “ok, tens de fazer uma peça“ e disse “mas só tenho imagens“.
Entretanto, chega o realizador Mário Rui e pergunta:“ Quem é a Ana Filipa Nunes”. Tinha de realizar uma peça com destaque no jornal. Estava em pânico e lembro-me que a Raquel Matos Cruz, que hoje é a minha editora, me salvou a pele e me perguntou se precisava de ajuda. A peça acabou por ir para o ar toda direitinha. A partir daí, surgiram muitos outros trabalhos.
Com o lançamento da TVI24, aparece muitas vezes a apresentar o noticiário. Prefere estar a trabalhar em estúdio ou em reportagem?
Acho que é complementar. Gosto muito da reportagem, da investigação, mas também gosto da adrenalina do direto, de comunicar frontalmente com as pessoas. Quando somos jovens, a reportagem faz parte, ou seja, é importante e acho que também é a reportagem que nos dá força enquanto pivot, pois as pessoas reconhecem o nosso trabalho quando andamos no terreno e percebem que não é um papagaio que está ali, quando apresenta. São desafios diferentes. Gosto de ambos. O ideal era ter as duas, mas um pivot gosta sempre de fazer reportagens, pois é a alma do jornalismo.
Quais foram as mudanças sentidas desde que começou a trabalhar em televisão, nomeadamente as novas tecnologias?
A comunicação está a mudar rapidamente porque todos temos smartphones e acesso à Internet. Estamos num processo e numa mutação: a revolução do digital. Estamos a fazer experiências, mas é mesmo assim. Há uma grande diferença, uma maior rapidez, sobretudo, nas hard news, nas notícias diárias, com agendas a mudar constantemente. A essa rapidez há perigos associados, como lançar uma notícia e depois perceber que a informação não era correta e temos de corrigir. Ao passo que antes, tínhamos o dia inteiro para a verificação dos dados. Muitas vezes, estamos em direto a receber a informação. Por exemplo, num ataque terrorista, estamos a assistir em direto, tal como as pessoas que nos estão a ver. Obviamente que somos profissionais treinados e estamos a fazer o melhor com a equipa de profissionais que nos apoia. Se recuarmos dez anos, esta situação não acontecia, logo, mudou a forma de comunicar.
Num trabalho de investigação, a mudança não foi tão significativa porque não é em direto. Temos mais tempo para cruzar as fontes, filmar, olhar para os dados, confirmar. A investigação é um trabalho muito moroso, mas muito gratificante. É do interesse público e essa é a nossa premissa.
Qual foi a notícia que preferia não ter dado?
Muitas. Acompanhei o período da Troika toda como jornalista. Foi muito difícil e cheguei várias vezes a casa em que era complicado dormir, pois ia a constantes manifestações onde as pessoas estavam a ficar sem nada, sem casa, sem trabalho com graves situações de carências sociais, pessoais, económico e era difícil. Tive de criar uma capa num determinado momento, pois já me questionava se estava insensível às coisas ou não. Mas custou muito, sentimos as coisas, sou humana e há notícias muito complicadas de dar. Essas foram as que me tocaram particularmente porque não podia fazer nada. Não podia abrir uma fábrica, nem injetar capital e as coisas estavam a acontecer de uma forma galopante. As pessoas agarravam-se a mim a chorar, a pedir ajuda e não sabia o que lhes dizer. Essa parte da crise foi complicada. As pessoas não têm muita noção, mas, para os jornalistas, por estes motivos todos, foi uma altura particularmente exigente.
Ninguém gosta de dar os ataques terroristas e mortes. A morte de colegas, de pessoas que conhecemos também é sempre um momento complicado. Temos de gerir muita emoção. Lembro-me da morte de Eusébio, costumava ir com o meu pai a um restaurante em Sete Rios e encontrava o Eusébio muitas vezes, para além das memórias que todos temos de o ver a jogar.
Quais as suas referências no jornalismo?
Não tenho uma pessoa que admire e que me tenha levado ao jornalismo. Henrique Garcia. Nasci com ele na televisão, lembro-me de Ana Sofia Vinhas e do Pedro Pinto ao entrar na TVI. José Alberto Carvalho e Judite de Sousa, naturalmente. Recordo-me de quando eles chegaram à TVI. De Manuel Moura Guedes, quando também entrei na TVI.
Vejo muitos canais internacionais, gosto muito da linha americana, da CNN e identifico-me muito com os pivots, gosto do Wolf Isaac Blitze. Eles não são tão formais. Agora, também estamos a ficar mais assim. Prefiro a proximidade com que eles comunicam e identifico-me mais do que aquele distanciamento que tínhamos demasiado formal. Claro que também tem de existir formalismos.
Paula Magalhães, Pedro Mourinho…Lembro-me perfeitamente do ‘Caderno Diário’. Clara de Sousa…Sei lá. Existem tantos bons profissionais em Portugal. Gosto mesmo do jornalismo em geral e não foi um pivot que me levou a ser jornalista, foi mesmo a profissão em si.
Trabalhar com empenho
Consegue “desligar” do jornalismo ou, como muitos profissionais de informação defendem, é um modo de estar?
Nos últimos anos, tenho aprendido, por diversos motivos que não vale a pena enumerar, a “desligar”, e fez-me bem. Essa foi a minha melhor aprendizagem, nomeadamente para ter vida pessoal, o que antes não acontecia, pois era muito agarrada à minha profissão. Percebi que existem outras coisas para além do jornalismo e que, acima de tudo, era possível conciliar com outras partes da minha vida. Foi um processo que demorou porque estava tão focada naquilo, porque, lá está, gosto. Há fases que consigo estar mais ligada e outras não. Mas sim, consigo desligar. Mas, por exemplo, se estou a jantar e passa uma ambulância, posso tentar ir perceber o que aconteceu. Se for uma coisa muito grave, ligo logo para a redação a perguntar se precisam de ajuda. Já aconteceu várias vezes. Noutras ocasiões, se o telefone não toca, é porque não precisam, mas naturalmente que fico atenta, faz parte.
Pratica kickboxing. Como encontra tempo para si?
Ultimamente, tenho andado mais desleixada. Durante muitos anos, fui jogadora de ténis, pratiquei vólei, fiz atletismo. Sempre fui muito ativa e o exercício faz parte do meu bem-estar. Andava naqueles ginásios habituais, a fazer uma reportagem de boxe e kickboxing para mulheres, em que entrevisto uma rapariga que é nossa maquilhadora, a Madalena. Como a reportagem tem o cheiro, o contacto, começo a visualizar aquilo de bater no saco. Pensei que, para aqueles dias em que não me tolero a mim, em que estamos tão passados, chateados connosco mesmos, devia funcionar para aliviar a tensão. E assim foi, fui experimentar e adorei. Não sabia dar um murro sequer, mas aprendi com muita paciência dos instrutores. Para mim, o exercício é fundamental, em especial para quem lida com muito stress, serve para descarregar. Não é só uma questão física. Vemos a silhueta a estar em forma e gostamos, mas mais do que o lado físico, o mais importante é a questão emocional.
Que conselhos gostaria de partilhar com os jovens que sonham ser jornalistas?
Se gostam mesmo, não desistam. O digital vai criar e está a criar um conjunto de novas profissões associadas naturalmente à comunicação e ao jornalismo que podem ser trabalhadas. A vossa geração vai ter um grande in put nisso. Os jovens estão muito mais ligados às redes, à facilidade do digital e da comunicação digital, do Youtube, do que as antigas. Através dos mais jovens, podem surgir novas ideias e formas de comunicar.
Experimentem, façam, invistam em vocês. Se é esta a área que querem seguir, não desistam. Quando colocamos o coração em algum projeto que gostamos, a tendência de funcionar ou a probabilidade de funcionar é grande, dependendo do nosso empenho. Não minto que possa ser difícil, não é fácil. Mas conseguimos criar situações para que as oportunidades aconteçam, mas temos de estar focados, não é um trabalho das 9h00 às cinco.
Qual era o grande projeto que gostava de concretizar?
Nunca pensei. Estou sempre a saltar de um projeto para outro. Gostava de, pelo menos, continuar a trabalhar naquilo que mais gosto. Quero que o meu trabalho seja útil para que as pessoas se sintam informadas. Para mim, é o meu melhor reconhecimento. Se me perguntarem se gostava de ter um programa, acho que toda a gente gostava, mas as oportunidades constroem-se. Nesta profissão, tem de se caminhar de forma sólida e é isso que tenho tentado fazer, nem sempre é fácil, mas o tempo é um bom aliado e, se as coisas forem para nós, acabam por acontecer.