Professor do Ensino Superior, atualmente na Universidade Autónoma de Lisboa, antigo secretário de Estado da Comunicação Social (1995-2020), deputado e jornalista, aos 71 anos, Alberto Arons Braga de Carvalho foi nomeado pelo Governo, em setembro de 2020, para o Conselho Geral Independente da RTP. Em entrevista ao UALMedia, fala do novo desafio na RTP, do percurso que o trouxe até aqui e mostra-se preocupado com a crise do jornalismo e a profissão de jornalista.
Foi nomeado pelo Governo, em setembro, membro representante do Conselho Geral Independente da RTP. O que deve melhorar no serviço da televisão pública, de forma a satisfazer as necessidades do público?
Os serviços públicos de televisão e de rádio deverão ser muito exigentes na escolha da oferta de programação. Esta deverá ter qualidade, diversidade, independência e procurar atingir todos os públicos, ou seja, os diferentes gostos e preferências, as diversas faixas etárias e os diferentes tipos de público. Não deve apenas, como acontece com os operadores privados comerciais, focar-se nos públicos com poder de compra. Importa garantir uma síntese, difícil mas necessária, entre a qualidade e o máximo de audiência possível.
O que representa para si este cargo?
Este cargo é muito aliciante por duas razões. Primeira, porque sou um grande defensor do serviço público de media, de rádio e televisão. Segunda, porque tenho acompanhado os problemas e as questões que se colocam em torno da RTP, a qual é determinante na minha vida. O Conselho Geral Independente (CGI) é um órgão fiscalizador da atividade da RTP, que visa garantir a independência da televisão em relação ao Governo. Em Portugal há uma tradição, que não acabou no 25 de abril de 1974, de a RTP estar muito ligada ao Governo. Por isso foi criado este modelo em que não é o Governo que nomeia a administração, mas sim o CGI que, depois, fiscaliza o serviço público.
O jornalismo enfrenta hoje uma crise de financiamento por receitas tradicionais. Antevia-se ou não se antevia esta crise?
Antevia. Não é surpreendente. À medida que o jornalismo perdia o monopólio da informação junto dos cidadãos e havia formas complementares alternativas de encontrar informações, as pessoas foram tomando consciência que o jornalismo iria também perder receitas publicitárias e as receitas de consumo dos cidadãos.
Mas o jornalismo continuará a ter um papel relevante?
O jornalismo continuará a ter um papel relevante para garantir a informação regulada e fiscalizada. O poder político tem de criar uma política mais ativa, de forma a financiar o jornalismo. Há países na Europa em que essa é uma tradição, como na França, onde todos os anos há cerca de 260 milhões de euros em apoios e incentivos à Comunicação Social, para o jornal nacional e local. Em Portugal, isso não é uma tradição.
Mas como encara o futuro dos jornalistas?
Com preocupação. Há alguns anos, dava aulas a futuros profissionais da Comunicação Social, na Universidade Nova de Lisboa, e lembro-me que as notas de entrada eram muito elevadas. O jornalismo era uma profissão com bastante futuro. Hoje, quando alguém me diz que quer ser jornalista, fico preocupado. A meu ver, é uma profissão que terá sempre de existir, mas coloco um ponto de interrogação em relação ao seu futuro.
Antevê alguma possibilidade de superar a crise da profissão?
Os jornalistas têm os seus próprios sites ou blogues, através dos quais participam no espaço público e são lidos por muitas pessoas. Encontram aí receitas comerciais que lhes garantem o êxito da sua iniciativa. Acho que isso é positivo em si. A questão é que o papel da Comunicação Social, enquanto órgão com mais escrutínio, continuará a ser insubstituível. E o poder político não pode virar as costas.
Esteve na comissão que elaborou a primeira Lei de Imprensa após o 25 de abril. Precisamos hoje de uma nova Lei de Imprensa?
A questão está em saber se os novos media devem ter uma lei própria ou se deve existir uma reformulação da Lei de Imprensa que abranja, não só as publicações periódicas imprensas e distribuídas, como também os chamados novos media. Mas a Lei de Imprensa, mesmo que não integre esses novos media, por serem objeto de uma legislação própria, precisa sempre de atualização, principalmente numa altura em que há novos desafios e novas questões.
Falando em novos media, precisamos hoje, mais do que nunca, de Literacia Mediática?
Sim! As pessoas têm de ser ensinadas a aprender a defender-se em relação às notícias falsas e em relação ao rigor informativo. A literacia mediática tornou-se um termo corrente e conhecido nos meios de comunicação, precisamente porque os cidadãos devem ser preparados no sentido de perceberem o que é fiável e o que não é. Esse é um tema importante porque, enquanto que a comunicação social tradicional tem várias formas de escrutínio à participação dos cidadãos, nas redes sociais não é assim. E há outras coisas desagradáveis que me preocupam.
O que é que o preocupa em relação às redes sociais?
Há difamação gravíssima em relação às pessoas. Portugal tem de criar uma legislação própria para este fenómeno. Por exemplo, se alguém difama outra pessoa no espaço público, seja qual for o meio, acaba por ser punido. Basta que a vítima se queixe e mostre a prova. Abre-se um processo crime e a pessoa poderá ser punida. O facto de difamar através de uma rede social não a torna impune Não estamos no reino da impunidade, embora às vezes, passando pelo Facebook, veja coisas horríveis sobre determinadas pessoas e constate a facilidade com que alguns cidadãos acusam os outros das maiores tropelias. E isso preocupa-me!
Por que razão decidiu ingressar na política numa altura em que estava ligado à comunicação social?
Não foi uma decisão. O meu pai foi militante político, clandestino. A minha mãe foi refugiada da Alemanha em Portugal. O meu pai esteve isolado em Paris e no Brasil. Os meus pais eram muito amigos da família de Mário Soares. Era inevitável que não estivesse associado. Digamos que a política entrou na minha casa desde sempre, mesmo antes do 25 de abril. O contexto familiar influenciou-me bastante.
Foi o candidato titular da Oposição Democrática Portuguesa nas eleições legislativas de 1973. Posteriormente, tornou-se deputado na Assembleia Nacional. Como conciliava a carreira jornalística e política naquela altura?
Fui jornalista profissional, logo a seguir ao 25 de abril, no jornal “A República” e, logo depois, no jornal “A Luta”. Depois, fui para a Assembleia Constituinte. Regressei novamente ao jornalismo e, depois, voltei a sair (risos), embora nessa altura não houvesse incompatibilidade entre as pessoas serem jornalistas e estarem na vida política ativa.
Na sua perspetiva, o jornalismo político tem hoje menos importância do que tinha antes e no pós-25 de abril?
Sim. Antes do 25 de abril as pessoas tinham o jornalismo como uma atividade partidária. Havia uma luta contra a censura prévia, todos os dias, e tentava ultrapassar-se essa censura, por vezes com metáforas, com hipérboles, ou encontrando formas diferentes de dizer o que se pretendia dizer, para tentar enganar o censor. A seguir ao 25 de abril, essa relação entre o jornalismo e a política permaneceu. Hoje já não é assim. É inevitável que o jornalismo político não seja tão importante nos órgãos de comunicação social. Mas os jornalistas que tratam das questões políticas precisam de ter um conhecimento e uma especialização. Isso é evidente.
Foi secretário de Estado e deputado, hoje é professor universitário com contato permanente com jovens. Como é que lê este afastamento dos jovens em relação à política?
Os jovens continuam a intervir no espaço público, a votar e a participar, a preocuparem-se com a política. A estabilização do regime democrático em Portugal levou as pessoas a terem menos preocupação com a saúde da democracia, provavelmente antes, ou logo a seguir ao 25 de abril de 74. Hoje, as pessoas dirão que a democracia está consolidada e que isto é para os políticos. Gostaria de ter dados sobre a percentagem de eleitores e de abstencionistas, para saber se é maior ou menor entre os jovens, comparando com eleições anteriores. Mas não tenho dados que me permitam comprovar o desinteresse dos jovens pelo panorama político.
O cientista e político americano Thomas Patterson afirmou: “O jornalismo e a política mantêm uma relação de amor e ódio. O jornalismo tem que falar sobre política porque é uma área importante da sociedade e a política precisa do jornalismo para ter voz no público, como propaganda”. Como comenta esta citação?
O jornalismo, relativamente à política, cumpre a função de ‘cão de guarda’ por um lado, mas também a de ser um porta-voz do espaço público. Quando os jornalistas abordam os temas políticos estão a dar visibilidade e conhecimento ao público do que se passa no panorama político, as opiniões contraditórias, as críticas, os sucessos e insucessos da vida política e dos governos. Por outro lado, quando exprimem opinião, os jornalistas estão também ou a criticar ou a defender esta ou aquela corrente política. Por exemplo, em Portugal há uma imprensa que é relativamente independente do poder político e há outra que contraria este poder. Como diz a velha expressão, “se há governo, eu sou contra!”