Ator, professor, encenador, Adérito Lopes tem dedicado grande parte da sua vida ao teatro. O artista recebeu-nos no Instituto para o Desenvolvimento Social, onde dá aulas, e fala sobre a sua paixão pela representação e de que forma esta teve um grande impacto na sua vida.
A paixão pela representação está presente na sua vida desde cedo. Como surgiu esse interesse e como cresceu até se tornar a sua vocação?
Surgiu por influência da minha irmã mais velha. Foi ela que se interessou primeiro e, a partir de brincadeiras e conversas, fez-me ganhar curiosidade pela área. Havia também na época uma novela brasileira com representações geniais, o Roque Santeiro, com Lima Duarte, Regina Duarte, José Wilker, que também nos influenciava. A composição de personagens que eles faziam era inspiradora. Mas, sim, foi essencialmente a minha irmã que me levou a querer saber mais sobre o meio. Mais tarde, ela teve aulas com a Maria Henrique e começamos a ir regularmente ao teatro. Tinha, na altura, sete anos. Depois, aos 14, decidi colocar este gosto em prática.
O seu primeiro contacto com o meio foi no Grupo de Teatro Independente O Palmo e Meio e, em simultâneo, estava a frequentar um atelier no Teatro da Comuna. Tinha, à data, 16 anos. O que é que isso significa para um jovem dessa idade?
Foi uma decisão de vida. Era um jovem muito rebelde, tive uma adolescência conturbada em que passei por tudo. O teatro e a profissão de ator fizeram com que eu tivesse um foco. No fundo, o teatro salvou-me. Isto é o que todos os adolescentes precisam, ter uma meta que os ajude a selecionar as oportunidades que lhes aparecem. Terem uma motivação faz com que não se dispersem. Através da decisão de vir a ser ator profissional cresci e fiz-me um homem.
Essa experiência levou-o a procurar formação específica na Escola Profissional de Teatro de Cascais? Diria que foi um passo fundamental para a sua carreira?
Sem dúvida. A Escola Profissional de Teatro de Cascais (EPTC) e o Carlos Avilez foram determinantes para aquilo que faço hoje. Eles, juntamente com o Teatro Experimental de Cascais batizaram-me profissionalmente. A partir daí comecei a trabalhar, a viver do teatro e da profissão de ator.
Concorda que os conhecimentos adquiridos na EPTC lhe deram bases sólidas para se aguentar no meio?
Sim. Para ser ator foi o suficiente. Só voltei a estudar quando quis ter mais conhecimentos da profissão, para poder exercer outras funções relacionadas com o teatro. Como por exemplo, ensinar.


“As experiências exteriores são fundamentais para um ator”
Desde 2008 que faz parte do grupo de atores do teatro “A Barraca”. Como é que passado 15 anos ainda se consegue reinventar dentro do mesmo ambiente?
Trabalhar de forma fixa numa companhia e conseguires reinventar-te obriga-te a estudar mais, a fazer mais formações por fora, a acompanhares o trabalho de outros colegas e de outras companhias. Isso faz com que o teatro não seja monótono. Não o podes levar como um emprego normal, ires ali e pegares num papel. Tens de continuar a viver cá fora. As experiências exteriores são fundamentais para um ator. O contacto com pessoas com outras profissões, com outras realidades, com outros problemas, ajuda-me a estar mais perto da vida e a ir buscar a minha inspiração à realidade. Não conviver só com artistas e estar fechado nesse mundo.
Em 2014 “A Barraca” ganhou o Prémio Especial do Júri na Festa Internacional de Teatro da Angra dos Reis (FITA), pela montagem de Menino da sua Avó, onde contracenou com a atriz Maria do Céu Guerra. Como foi essa experiência?
Muito impactante. Era um teatro montado ao ar livre para mil e tal pessoas. Um espetáculo que nós fazíamos numa sala pequena em Lisboa. De repente, estamos ali a fazer aquela peça para tanta gente, onde existiam atores e atrizes que me lembro da televisão, das produções Globo. O prémio foi a cereja no topo do bolo, mas a experiência de todo o festival, dos convidados e daqueles atores tão estimados a fazerem críticas elogiosas ao meu trabalho foi muito mais forte do que o próprio prémio.
Trabalha com a Maria do Céu Guerra há vários anos. Qual o ensinamento mais importante que esta lhe transmitiu?
A necessidade de lidar com a profissão com seriedade. Sustentá-la por conhecimento, não ser uma coisa de “habilidade”. É necessário pegar no trabalho por via de uma investigação, com base em matéria e fontes. É isso que nos distingue dos amadores. Não estarmos a brincar à profissão, pensarmos e estudarmos aquilo que estamos a fazer. A Maria do Céu Guerra é uma pessoa que estuda muito os papéis e os textos que trabalha, não parte para eles superficialmente. Aprendi muito com ela.
“Cada vez há menos companhias de teatro e menos mercado de trabalho para a continuidade”
Desde 2018, é Professor Coordenador do Curso Profissional de Intérprete – Ator/Atriz, no Instituto para o Desenvolvimento Social (IDS). Como surgiu essa oportunidade?
Por sugestão da Maria do Céu Guerra. O antigo coordenador demitiu-se e ela sugeriu-me. A escola acabou por me convidar, aceitei e aqui estou.
Era algo que pensava para o seu futuro?
Pensava em lecionar, não em coordenar um curso imediatamente. São duas responsabilidades completamente distintas. Coordenar nem pensava, não era uma ambição. Mas é interessante, porque já não és só responsável por aquilo que ensinas, mas também pelas pessoas que sugeres para virem trabalhar contigo e por toda a construção do curso. Às vezes acertamos, outras vezes não. É como tudo na vida.
Ao estar em constante contacto com parte das próximas gerações de atores, quais são as suas perspetivas para o futuro da representação em Portugal?
Acho que o país é muito pequeno para a qualidade profissional que forma. Não há espaço para receber tanta gente qualificada, talentosa e com ideias. Portugal é muito pobre, a vários níveis e isso é um problema. Cada vez há menos companhias de teatro e menos mercado de trabalho para a continuidade. Existem mais oportunidades para pessoas terem uma experiência, mas menos possibilidade de teres um sustento fixo através desta profissão. Isso não tem nada a ver com o teu talento nem com a qualidade de trabalho. Há coisas que estão mal construídas de raiz e que eu também não sei resolver. Uma companhia com história está instável, ela pode ter um subsídio para os próximos quatros anos, depois passado esse tempo vai ter um novo subsídio que pode ser inferior ao que já tinha, ou não ter de todo. A realidade é que uma companhia para pedir um subsídio tem de dizer qual é o elenco que vai ter em todas as produções nesse período, incluindo o último ano. Logo restringe. É tudo muito estranho, mal pensado, ou pensado de uma forma incoerente e pouco humana. Isto faz com que esta profissão corra o risco de se tornar num hobbie.
Atualmente também é encenador. Em que momento sentiu a necessidade de aliar a representação à encenação?
Quando estive doente. Para ocupar o tempo que estava de baixa li vários livros e veio-me parar uma peça às mãos, “Os Pintores de Canos”, do dramaturgo Heinrich Henkel. Geralmente, quando leio uma peça de teatro, leio-a e penso nela como ator, mas neste caso como não me foi atribuída comecei a olhar para aquelas personagens como encenador. Vi que a obra se enquadrava muito bem no reportório e no historial do grupo onde trabalhava e em conversa com a Céu ela propôs que a encenasse.
Acabou de encenar a peça Frei Luís de Sousa, que estreou a 16 de novembro no Centro Cultural Franciscano. Na sua opinião, onde é que a sua encenação se destaca de outras já antes feitas da obra?
Acho que é, sobretudo, no ritmo. Na nossa dramaturgia não cortamos personagens nem cenas. Fizemos uma “cirurgia” no texto, para o encurtar e evitar aquela toada mais arrastada que a época poderia eventualmente ter. Era necessário existir ação/reação. Tinha de ser uma atuação cativante e dinâmica, mais direcionada para os jovens.