Todos os anos, a história repete-se. Peregrinos de todo o mundo reúnem-se com o mesmo objetivo: chegar ao Santuário de Fátima. Vivem de formas diferentes a chegada à meta, mas para alguns o percurso ainda não acabou. É altura de ajoelhar e finalizar o percurso dessa forma, de joelhos até à Capelinha das Aparições.
O dia em Fátima começa cinzento, mas às 11h da manhã o recinto do santuário já se encontra cheio de grupos e de visitantes mais ou menos solitários. Durante a manhã, dá-se um estranho fenómeno: o céu está coberto de nuvens escuras, mas há como que um anel de luz no céu, apontando para a Basílica de Nossa Senhora do Rosário. Um “sinal” diriam os mais crentes.
Estamos no período comemorativo das Aparições de Nossa Senhora de Fátima, celebradas em 12 e 13 de maio. Este é o período do ano em que mais peregrinos o santuário recebe, esta é altura do ano em que os peregrinos mais sentem a responsabilidade de chegar até Fátima.
O peregrino é identificável pela presença do terço, boné, roupa de caminhada confortável, sapatilhas gastas, mala às costas, vara de apoio, e o seu elemento mais característico: o colete amarelo refletor, que é a forma de se fazer mostrar, por segurança, nas estradas portuguesas.
Os últimos quilómetros
Com ou sem colete, nos últimos metros, a dor aguenta-se mais do que nunca. A vara acompanha o peregrino quando as pernas já carregam o peso de todos os quilómetros caminhados. Ao avistar o Santuário, reza-se o último terço e mais algumas orações. A ânsia, o nervosismo e a felicidade conjugam-se numa única emoção.
Familiarizado com as diferentes emoções dos peregrinos está Jorge Ferreira, responsável pelo Acolhimento de Peregrinos a Pé (APP), admitindo que o contacto que o APP mantém com estes católicos é “o contacto direto, é conversa, é o olhar, é o sentirmos aquilo que as pessoas transportam consigo, que muitas vezes é muito emotivo”.
No âmbito da preparação da peregrinação ao Santuário de Fátima, Madalena Jesus, coordenadora do Serviço de Informações e Acompanhamento de Peregrinos, admite haver “um grupo que contacta com esses peregrinos, que marca reuniões com eles e lhes transmite alguns conselhos úteis que eles devem seguir na peregrinação, tanto a nível físico como pastoral”.
Na chegada ao santuário
Vêm de diversas cidades do país, de Valongo e Santo Tirso, mas também da China ou de Espanha.
Chega-se ao mais aguardado recinto desde o começo da peregrinação. Sentem-se “emoções muito fortes… eu não consigo explicar por palavras”, diz Ludovina Alves. Peregrina com 73 anos, funcionária pública aposentada, residente na Póvoa de Santa Iria, esta é a sua terceira peregrinação até Fátima.
Desta vez, iniciou a peregrinação em Santarém, admitindo que a vontade de chegar a Fátima não se consegue explicar. “Parece que há uma força que me puxa, há uma força que nos diz: «És capaz, tu consegues»”. O momento da chegada ao santuário é uma “emoção forte… depois de chegaremos já não há dores nenhumas. [pausa] Há uma alegria e emoção tão fortes que parece que as dores se foram todas embora”, confessa. O Santuário de Fátima é para esta peregrina um “lugar sagrado”. Nunca veio em promessa, vem a Fátima sempre por agradecimento a Nossa Senhora por aquilo que tem.
Carlos Piedade Silva, administrativo reformado de uma repartição das finanças, não vem apenas como peregrino, mas também como coordenador de uma equipa de Tomar. Com 68 anos, residente na cidade dos Templários, já peregrinou a Fátima três vezes. Considera que a organização é essencial, são 400 pessoas ao seu “comando e cuidado”. O que o leva a participar é a fé. Este grupo parte de Tomar com dois objetivos: o de chegar ao Santuário de Fátima e ajudar a Cáritas de Tomar. A peregrinação a Fátima é “uma festa, um sentimento religioso e um sentimento de ajuda”. Durante a peregrinação há pessoas neste grupo que “querem ir recolhidos no seu pensamento, há outros que querem ir na conversa em conjunto… cada pessoa tem um sentimento muito íntimo”. Porém, existe sempre um espírito de partilha de fé. Para este peregrino, a chegada ao santuário é de “sentimentos como uma meta alcançada, com algumas lágrimas”.
Padre vigário em Tomar, Mário Farinha Duarte, 58 anos, peregrina em conjunto com o resto do grupo. Considera que a chegada ao Santuário de Fátima é um “alívio, mas sobretudo gratidão”. Nos grupos que acompanha, “muitos hesitam [no percurso] em chegar, mas ao chegar o alívio é redobrado”. Enquanto peregrino, Mário faz sempre questão de ser o último, e de “dar alento aos que estão a desanimar e, ao mesmo tempo, encaminhar aqueles que já não conseguem”. Nos grupos que acompanha, há peregrinos que o fazem com o objetivo de promessa, há os peregrinos que “acham que o devem fazer enquanto têm forças, outros fazem-no por acompanhamento, outros fazem por arrastamento, porque têm um amigo que os convida”.
O rosto do santuário
São disponibilizados inúmeros guias, itinerários, programas e plantas do recinto pelo santuário para que a receção do peregrino seja a mais completa possível. Os funcionários do santuário cuidam do peregrino para que este se sinta em casa: a “casa” do peregrino.
Madalena Jesus chefia uma equipa com cinco elementos, fora os voluntários que se disponibilizam. A equipa funciona “como o rosto do santuário de Fátima, o que acolhe o peregrino no momento da chegada”. Há, por isso, que ter uma especial atenção com o peregrino, visto que este serviço é “o primeiro ponto de contacto com o peregrino no santuário”.
Jorge Ferreira, do APP, admite que o contacto que o santuário estabelece com o peregrino para a sua receção no santuário passa por três valências. “A primeira é o acolhimento, onde se faz a inscrição com os peregrinos; outra face é as dormidas, bastando os peregrinos fazerem os registos que o santuário oferece gratuitamente. Ainda o serviço de uma simples refeição, que se baseia numa simples sopa, dada gratuitamente.” Porém, Jorge afirma que “nem sempre conseguimos dar resposta a todos os peregrinos que acorrem, principalmente no mês de maio, que é o mais complicado. Então, o santuário faz reserva em tendas militares”.
O responsável pelo Acolhimento de Peregrinos a Pé considera que o que leva um indivíduo a tornar-se peregrino e percorrer a pé tantos quilómetros para o encontro com Nossa Senhora de Fátima é “a devoção a Nossa Senhora. Muitos será o cumprimento de promessa”. Jorge Ferreira assume ainda os diversos riscos a que um peregrino está sujeito até ao santuário: “nessa viagem de riscos, há riscos emocionais, mas está sempre presente o motivo, que é a chegada a Fátima e o encontro com Nossa Senhora”. E explica: “há gente que faz o percurso a pão e água, há gente que faz o percurso em silêncio, há gente que faz com dor física…. é a caminhada espiritual de cada pessoa”.
A peregrinação de joelhos
Após a chegada ao Santuário de Fátima, alguns peregrinos decidem continuar esta viagem de uma forma diferente até à Capelinha das Aparições. Decidem baixar-se, ajoelhar-se e percorrer desta forma a passadeira de mármore existente no recinto do santuário. A passadeira de mármore auxilia aqueles que decidem fazer este percurso de joelhos. No início da passadeira de mármore está um lembrete: “Oração antes da peregrinação de joelhos.” A peregrinação de joelhos é considerada uma bênção do perdão sob o mal dos pecados. Alguns fazem este percurso em silêncio, outros em oração.
“Eu penso que, na mente de muita gente [que cumpre a peregrinação de joelhos], há uma questão de mortificação”, explica o padre Mário Duarte. Admite ainda ter conhecimento que alguns peregrinos consideram que se fizerem algum tipo de “asneira”, ao fazerem tal promessa de joelhos pedem o perdão a Nossa Senhora, que o padre considera estar errado: “Nossa Senhora não quer que soframos mais do que aquilo que sofremos no nosso quotidiano.” Segundo o Padre Mário Duarte, este ato “não se justifica… é uma daquelas práticas devocionais que deveria ser catequisada”. Nos grupos que acompanha, alguns são os peregrinos que mostram a sua vontade em chegar à Capelinha das Aparições de joelhos.
Ao chegar à Capelinha das Aparições, a jornada de joelhos continua e estes peregrinos fazem a volta em oração. Há um corrimão que acompanha e dá a volta a toda a capela. O peregrino leva o terço na mão e faz esta promessa joelhada a joelhada, alguns com caneleiras, outros com uma sobreposição de meias para agasalhar os pés, já esgotados.
Veja a fotogaleria do UALMedia