O teatro é uma arte que transcende idades, profissões e experiências de vida. Uma poderosa ferramenta de crescimento pessoal que promove a criatividade, fortalece laços interpessoais e ajuda a lidar com os desafios do dia a dia, oferecendo a todos a oportunidade de redescobrirem e superarem limitações. Acompanhámos uma sessão da 3ª edição do Laboratório Criativo de Teatro, no Hub Criativo da Mouraria, liderado pela atriz e professora Alice Medeiros.
Chegamos ao coração da Mouraria, a um espaço renovado e acolhedor que recebe, todas as segundas-feiras, a 3ª edição do Laboratório Criativo de Teatro liderado pela atriz e professora Alice Medeiros. Nestas sessões, pessoas de diferentes idades e profissões, desde designers a trabalhadores da Câmara Municipal de Lisboa e até a dona de um restaurante local, encontram no teatro um refúgio criativo para explorar a comunicação, o autoconhecimento e a confiança. Entre exercícios de improviso, imaginação e trabalho corporal, descobrem como a arte teatral transforma não só a sua expressão, mas também as relações interpessoais e a vida quotidiana.
“O teatro é uma arte transversal”, afirma Alice Medeiros, atriz e professora de teatro, com 40 anos e uma vasta carreira em ambas as vertentes, sempre em simultâneo. Segundo Alice, o teatro permite que pessoas de todas as idades explorem novas linguagens e saiam da sua zona de conforto. “Muitos vêm com a vontade de superar aquilo que é a sua vida quotidiana, ao experimentar uma coisa diferente.”
Alice diz que o impacto varia consoante a idade. Nos adultos, permite resgatar a capacidade lúdica perdida ao longo dos anos, incentivando-os a “saber brincar ao faz de conta”. Este processo ajuda não só a compreender melhor as suas emoções, mas também a descobrir novas formas de expressão, essencial em tempos de constante mudança social e profissional. Promove o trabalho em equipa, cria laços entre os participantes e tem uma natureza intrinsecamente coletiva mesmo num monólogo. “Um ator em palco é um trabalho criativo que implica várias pessoas.” Num mundo cada vez mais digital, as aulas são também um espaço para o contacto humano e para o desenvolvimento de competências interpessoais. “A vontade de não perder totalmente a capacidade de nos relacionar uns com os outros” é um dos fatores que leva as pessoas a participar.
Se nos adultos há um foco na recuperação do lado lúdico e no desenvolvimento de competências como a comunicação, no caso dos seniores é “uma injeção de vida”, promovendo a memória, a imaginação e o contacto com os outros. Para as crianças é um prolongamento “desta capacidade muito natural de brincar ao faz-de-conta”. Já nos adolescentes, pode ajudar na construção da identidade e do sentido de pertença.

“O teatro expõe as nossas fragilidades e ensina-nos a ser humildes”
O teatro amador tem conquistado pessoas de várias idades e contextos profissionais, transformando-se num espaço de crescimento pessoal e coletivo. Para Patrícia Ribeiro, de 45 anos, assistente social, representa uma oportunidade de aliar a curiosidade pessoal à profissional. “Quero aplicar técnicas de teatro, como o teatro do oprimido, no trabalho com pessoas em situação de sem-abrigo, migrantes e refugiados”, afirma. Já Manuela Ferreira, com 63 anos, funcionária do Departamento de Economia e Inovação da Câmara Municipal de Lisboa, vê nos ensaios uma forma de aliviar tensões do dia a dia. “É um desafio criativo e uma maneira de me manter ativa e de aprender, mesmo depois dos 60”, partilha.
Os benefícios são sentidos em várias dimensões. Graça Moreira, de 53 anos, proprietária de um restaurante na Mouraria, considera que estas aulas são uma “fuga necessária ao stress do quotidiano”. Aos olhos de Sérgio Correia, designer de moda de 28 anos, o teatro é um processo de autodescoberta: “Descobri coisas dentro de mim que não sabia que existiam. É fascinante perceber capacidades que antes achava impossíveis de desenvolver. Aqui, descobrimos quem realmente somos.” Para Sofia Pinheiro, de 28 anos, que atualmente trabalha numa ONG, ajuda a gerir emoções e ansiedade, permitindo uma reconexão consigo mesma: “Saio de cada sessão com uma sensação de alívio e felicidade.” Além disso, o trabalho em equipa e a improvisação promovem a autoconfiança e uma maior fluidez na comunicação.
Apesar dos desafios, como a exposição num espetáculo final ou a necessidade de sair da zona de conforto, os participantes destacam as aprendizagens. Manuela refere que “o teatro expõe as nossas fragilidades e ensina-nos a ser humildes”. Sofia acrescenta que o teatro “obriga a desacelerar, a estar presente e a ser mais empática”. Graça, por sua vez, destaca o caráter colaborativo: “Aqui não há lugar para individualismos, tudo depende da ligação entre todos.”
A paixão e o impacto por esta arte são evidentes nas palavras das pessoas envolvidas neste projeto, que incentivam outros a experimentarem. “É um espaço transformador, que nos permite redescobrir quem somos”, conclui Patrícia. Para Manuela, o teatro é também uma oportunidade de se reinventar: “Nunca é tarde para explorar algo novo.” As aulas não são apenas um escape, mas um convite à criatividade, à empatia e à autossuperação.
As competências adquiridas são aplicáveis em múltiplas situações quotidianas, como falar em público e entrevistas de emprego. A professora Alice explica que “há técnicas, como a abertura da voz, a articulação da audição e a articulação da voz”, que ajudam profissionais de diversas áreas. Além disso, melhora a autoconfiança ao ensinar a lidar com o medo do ridículo e do erro. “Aprender a pôr-se em causa sem ter medo e saber errar” são competências essenciais desenvolvidas neste contexto.
A arte como processo criativo e não terapêutico
Embora o teatro possa ter efeitos positivos na saúde emocional, Alice alerta para os riscos de o encarar como uma solução terapêutica. “Tendo o teatro uma capacidade de induzir coisas muito boas, não lhe pode ser dada essa responsabilidade”, sublinha. O foco deve permanecer na criação artística, um processo que explora o corpo, a imaginação e a empatia. Ainda assim, estas experiências enriquecem os participantes ao prepará-los para desafios do quotidiano, ajudando-os a enfrentar o futuro com maior criatividade e confiança.
No contexto educacional, pode também ser uma ferramenta para enfrentar um futuro incerto. “A educação tem o desafio de munir os alunos do maior número de instrumentos possível”, explica Alice, destacando o valor dos processos criativos. Competências como criatividade, opinião crítica, capacidade de escolha e comunicação eficaz são intrínsecas ao teatro e essenciais num mundo em constante mudança. “Hoje em dia, a educação está a chamar as artes para ensinar alguns dos nossos recursos, porque vão ser necessários a toda a gente”, sublinha, reforçando o papel do teatro na formação destas competências úteis em diversas situações da vida.
