Histórias com H é uma rubrica onde relatamos as mais belas histórias do desporto mundial. O episódio desta semana fala sobre Boris Becker, o tenista que provou que a idade é apenas um número, mas a qualidade, essa sim, é que influencia o desfecho de qualquer prova.
O desporto congratula o talento, apareça ele de que forma aparecer. Não interessa o género, a proveniência ou, tão pouco, a idade. Se ele existe, o trabalho e o descaramento natural de quem sabe o que vale, irrompe, mais tarde ou mais cedo, ofuscando tudo à sua volta.
Hoje, falamos de um caso onde a idade foi apenas um número, comparado à erupção em bruto do talento de um dos melhores tenistas de todos os tempos. Falamos de Boris Becker, conhecido como “Boom Boom”, o homem que destruiu todos os cânones existentes no ténis, ao ganhar, com apenas 17 anos, a mais famosa competição de ténis mundial, o Wimbledon, em 1985.
Em maior parte dos desportos, um dos atributos mais falados e apreciados é, sem dúvida, a idade. Com ela vem a sabedoria e a experiência, que se provam fulcrais em momentos de decisão. Sem ela, o talento é apenas um espectro, que não derruba as dificuldades vindouras, que demonstra apenas ser um sintoma de algo que ainda é informe e que com os anos – sem certezas contudo – se tornará palpável e estável.
Apesar de tudo, e de vez em quando, existe um exemplo que apoia uma possibilidade: que talvez a idade não possua uma decisão definitiva na qualidade efectiva e prática de um jogador.
Boris Becker aprofundou ainda mais esta questão, e fê-lo duas vezes seguidas, em 1985, com apenas 17 anos, e no ano a seguir, onde com 18 anos de idade repetiu a façanha. A sua imortal campanha ainda sobrevive à erosão resultante da natural passagem do tempo e da memória, e imortaliza um dos momentos mais espectaculares do desporto no mundo.
Boris tinha ganho, uma semana antes, a competição de “aquecimento”, e todos os especialistas apontavam ao jovem uma personalidade desportiva muito vincada, avisando para a qualidade e para a arrogância (saudável) típica de um adolescente. Mas, e como é normal, ninguém imaginava um desfecho tão inacreditável como o que se passou nessa edição inesquecível do Wimbledon.
O primeiro teste do alemão era, nada mais, nada menos, que um atractivo secundário e, como tal, realizou-se num court alternativo, longe da mediatização dos campos principais. Era Becker frente a Hank Pfister. A vitória, essa, sorriu ao alemão, que em 4 sets destruiu o americano. Mais tarde, Pfister disse que tinha jogado contra o melhor jogador jovem do mundo, e que apenas o gigante do ténis, McEnroe ou Connors, poderiam ter apresentado mais dificuldades. Boris engrenava. Através do seu serviço fortíssimo, muitas vezes comparado a um relâmpago (tal velocidade e brutalidade que o alemão impunha às suas pancadas sem perdão), “destruiu” o seu adversário.
O segundo viu-se esfumar tão rápido como o primeiro. Na mesma toada, o jovem germânico eliminou outro americano, o tenista veterano Anger. A partir daqui, a notoriedade mediática começava a ganhar forma: começou com a sua alcunha, “Boom Boom”, que nasceu logo ali e explicava o talento de “copo cheio” de Becker.
O sueco Nystrom era o obstáculo seguinte, agora numa partida mais complicada e que exigia do jovem alemão outras necessidades. Nystrom era um dos melhores do mundo, tendo ganho 13 títulos individuais durante a sua carreira. Por isso mesmo, o jovem encontrou outro “challenge” no sueco, mas mesmo assim, e começando a criar uma história bonita no desporto, o alemão vence novamente.
Agora, nas fases finais, o sentimento era outro. Dava-se o devido valor a um prospecto de extrema qualidade. Mas nada estava ganho. Em jogo estavam ainda John McEnroe e Jimmy Connors e, para além disso, ainda restavam 4 duros jogos até ao tão ambicionado título.
Enfrentou o francês Henri Laconte nos quartos-de-final. Boris protagonizou um jogo quase perfeito, apenas se distraindo no segundo set, mas nada que comprometesse a sua passagem às meias da competição. Boris Becker podia ter perdido nas meias-finais. A história estava, com toda a certeza, escrita! Com 17 anos, sem experiência ao mais alto nível (algo impensável para os principais entendedores e estudiosos do desporto), mas com muita vontade de mostrar o que valia e com um talento sem idade, o miúdo estava perto. Foram estes os ingredientes que construíram a tão bela narrativa.
De um lado, Becker contra Jarryd, do outro, Kevin Curren versus Jimmy Connors.
O jogo mostrou-se complicado para os dois lados. A chuva pouco ajudou, adiando o jogo para o dia seguinte. O cancelamento deve ter perturbado o jogo do sueco, porque o segundo começo de jogo mostrou um Jarryd pouco astuto e muito desconcentrado, enquanto, do outro lado, o jovem estava concentradíssimo. Os dois restantes sets foram inevitavelmente para Boris Becker. Estava na final de Wimbledon! Era o topo do ténis mundial.
A sorte, apesar de tudo, sorriu para o jovem alemão, que viu Curren eliminar os dois maiores gigantes da competição, McEnroe e Collins. A final, no entanto, seria de uma dificuldade ainda não experienciada pelo germânico. Esperava-se um jogo a tender para o lado da experiência e não para a juventude de Boris. Esperavam-se erros infantis de um lado e erros calculados de Curren. Os especialistas encheram horas e horas de antevisão, prevenindo um “breakdown” em alguma altura do jogo para Becker. O que se passou foi diferente. Durante o jogo, o nervosismo estava do lado do americano, falhando imensos serviços e cometendo erros que a qualidade enorme de Boris Becker não deixou passar. Foram três horas e dezoito minutos de combate. Quatro sets muito perto uns dos outros, mas que sagraram Boris como o mais jovem campeão do Wimbledon. Aconteceu mesmo.
No ano seguinte, Boris provou que nada do que tinha feito se devia à sorte e venceu, novamente, agora com mais um ano em cima de si. Não existe maior exemplo para a grande premissa deste texto: a idade é apenas um número, mas a qualidade, essa sim, influencia o desfecho de qualquer prova em que entremos. É uma das narrativas mais bonitas do desporto mundial, que marca o ténis para sempre.