A 17 de junho começou aquele que seria o pior pesadelo de centenas de portugueses. As chamas que assolaram o concelho de Pedrógão Grande não pouparam vidas humanas e deixaram centenas de pessoas reféns da solidariedade alheia. Meses de angústia e de dor de quem perdeu tudo.
O relatório do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), baseado nos dados do Sistema de Gestão de Incêndios Florestais (SGIF), revela que 2017 foi o ano que registou o valor mais elevado de área ardida desde 2007, com mais 500 mil hectares destruídos pelas chamas – 27.364 dos quais em Pedrógão Grande.
Por motivos que ainda estão completamente apurados, neste concelho da zona interior do distrito de Leiria, socorrer as vítimas e controlar os incêndios foram as principais dificuldades encontradas. Mais do que à procura de culpados, Valdemar Alves, presidente da Câmara de Pedrógão Grande, tem consciência que “uma das principais causas para não terem conseguido combater os incêndios ao início foi o despovoamento, uma vez que grande parte da população é envelhecida”. A falta de população jovem e a desertificação são fatores que condicionam uma rápida ação na hora de intervir: “Quando acontece uma tragédia destas, nenhuma cidade do Interior tem capacidade de resposta para um incêndio desta dimensão. Quando o alerta foi dado, em Pedrógão Grande, estavam cinco bombeiros de serviço, seguindo depois mais seis numa outra viatura.”
Medidas anunciadas pelo Governo
Após esta calamidade, o Estado foi obrigado a repensar num conjunto de medidas de combate e prevenção aos fogos. Entre as principais mudanças a implementar está a transferência do combate e da prevenção para Força Aérea, que passa a gerir e a operacionalizar os meios, bem como a profissionalização dos bombeiros, com aposta na formação em escolas de bombeiros. O reforço das corporações com a contratação de cem equipas de sapadores, 50 vigilantes de natureza e criação de um projeto de voluntariado jovem estão também entre as medidas anunciadas pelo Governo. A capacidade da ANP (Autoridade Nacional da Proteção Civil) também foi fortalecida através da criação de uma unidade de missão, no âmbito da esperada reforma dos sistemas de prevenção e combate a incêndios.
Nas zonas afetadas, estão a decorrer projetos de reconstrução de casas e empresas. Já foi estabelecido parte do valor das indeminizações às vítimas e está previsto o pagamento de salários de trabalhadores com emprego em risco. Os reforços sociais às pessoas e instituições afetadas, com redução ou isenção das contribuições à Segurança Social, também foram previstos no plano de combate a incêndios.
O apoio ao setor agrícola e florestal, disponibilizando cerca de 35 milhões de euros, é outra medida para revitalizar a economia e permitir a sobrevivência das populações locais. Após as polémicas falhas do sistema que poderia ter ajudado a poupar o sofrimento a centenas de pessoas, o Estado passou a gerir o SIRESP, onde vai investir em novos equipamentos, como a aquisição de mais quatro estações móveis, enterro dos cabos aéreos de telecomunicações e energia e limpeza nas faixas rodoviárias e ferroviárias até 10m. Outra das apostas do Governo são as bio refinarias e centrais de biomassa para recolher os resíduos florestais.
Burocracias atrasam chegada de apoios
Tendo sido Pedrógão Grande um dos concelhos mais fustigado pelas chamas, foi o que mais se viu necessitado de todo o tipo de ajudas. Contudo, as burocracias foram o principal entrave na hora de ajudar. Valdemar Alves lembra que “o Estado tem sempre um papel extremamente importante, pois é a esta entidade que cabe a declaração de calamidade pública para que se possa beneficiar de um leque de apoios mais alargados”. Na opinião do autarca, “o Estado foi rápido a responder a esse apelo dos autarcas locais e a canalizar as verbas para a reconstrução dos concelhos atingidos”. Os procedimentos do Estado, considera, “mesmo aligeirados, como foi o caso, são sempre demorados”. E exemplifica: “Para se arranjar uma casa destruída, é necessário saber o valor dos prejuízos, conceber um projeto, aprová-lo, submetê-lo à aprovação da Comissão designada para o efeito e depois esperar pelo desbloqueamento da verba para iniciar a obra. Tudo isto demora meses. É muito difícil explicar a uma qualquer pessoa que perdeu tudo, que não tem casa, que tem de percorrer todos estes passos para que lhe deem autorização para começar as obras.”
Centenas de animais também foram apanhados pelas chamas. Muitos conseguiram fugir, outros ficaram encurralados não tendo salvação possível. Como forma de ajudar aqueles que sobreviveram a esta catástrofe, o Estado disponibilizou 35 milhões de euros para apoiar a alimentação dos animais. Como refere Graça Mariano, subdiretora-geral da Direção Geral da Alimentação e Veterinária, “o Ministério da Agricultura constituiu cinco plataformas de distribuição de alimentação para animais, dispersas pelo território afetado, através das quais disponibilizou 5 mil toneladas de ração e mais de 100 toneladas de açúcar (destinado à alimentação das abelhas)”.
Onda de solidariedade nacional
Com o prejuízo ainda por calcular, rapidamente se formou uma onda de solidariedade. Todos quiseram ajudar, de instituições governamentais ao mais anónimo dos cidadãos. O Ministério das Finanças ofereceu o valor do IVA das chamadas da linha criada para ajudar as vítimas. Bancos como o Crédito Agrícola, Montepio, Santander Totta e Caixa Geral de Depósitos contribuíram com cerca de 850 mil euros através da criação de donativos e contas solidárias. A Lusitânia Seguros prometeu responder de forma breve às necessidades das famílias suas clientes e a Liberty Seguros deslocou uma unidade móvel de apoio aos locais afetados. O Grupo Ageas Portugal criou uma conta solidária com uma doação inicial de 50 mil euros; a PRIO doou cerca de quatro mil litros de combustível às corporações de Figueiró dos Vinhos e Oleiros; a Uber disponibilizou-se para recolher bens alimentares e material médico, sem qualquer custo para o utilizador; a Fundação Calouste Gulbenkian doou 500 mil euros e, entre outras instituições, a Cáritas Portuguesa ofereceu cerca de 1,769 milhões de euros.
Também os portugueses e o mundo se mostraram muito solidários face a esta calamidade. “Temos que dividir as ajudas em dois segmentos. Ajudas em espécie, como alimentos, roupas, louças para a casa e demais utensílios domésticos, eletrodomésticos, etc., e ajudas em dinheiro. As primeiras vieram essencialmente dos portugueses. Nos dias que se seguiram à tragédia, chegaram aos concelhos atingidos, principalmente, os de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, camiões com todo o tipo de bens, que foram distribuídos pelas pessoas de acordo com as suas necessidades”, recorda o autarca de Pedrógão Grande. A segunda ajuda, acrescenta Valdemar Alves, “foi em dinheiro, da qual a maior fatia virá do Estado. Depois, existem as linhas de crédito a juros bonificados. Apenas as empresas atingidas podem recorrer a estas linhas. Já o dinheiro das ações de solidariedade que ocorreram em Portugal e no Estrangeiro foi mais facilmente posto a circular e, bem gerido, permitiu começar imediatamente a arranjar as casas atingidas, enquanto o processo burocrático do Estado fazia o seu caminho”.
As primeiras casas a serem arranjadas ou reconstruídas foram aquelas cujos proprietários tinham seguros contra incêndio. Depois, prossegue o autarca, “as habitações recuperadas com ajudas solidárias das várias campanhas efetuadas, quer pelos canais de televisão (TVI, RTP, SIC, SIC solidária, CMTV), quer pelos clubes de futebol, pelos artistas, bancos e por cada português”. Apesar de haver ainda um longo caminho a percorrer e de grande parte dos donativos ainda não terem chegado às vítimas, vai valendo as ações de voluntariado da população. “Se fomos atingidos por uma catástrofe terrível e sem memória, fomos de seguida atingidos por um mar de solidariedade tremendo”, conclui.