Os incêndios de 2017, que causaram o maior número de vítimas mortais em Portugal, originaram um reforço da assistência médica, particularmente, do acompanhamento psicológico aos lesados. Organizações como a Administração Regional de Saúde do Centro e a União da Misericórdias Portuguesas (UMP) estiveram nos diversos espaços atingidos pela catástrofe com equipas de psicólogos a acompanhar as vítimas. A Direção-Geral da Saúde também promoveu diversas formas de ajuda às pessoas com danos mentais como reação à tragédia.
Sobreviver depois da tragédia
Danos psicológicos causados pelos incêndios em Portugal
Os múltiplos incêndios ocorridos no ano de 2017 obrigaram a um reforço da assistência médica, principalmente, no apoio psicológico às vítimas. Ainda é cedo para perceber a verdadeira dimensão das catástrofes e da eficiência da ajuda
Eduardo Santos, professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, confirma que os danos psicológicos que surgem nas vítimas de incêndio consistem em “stress pós-traumático e de luto”. Uma doença em que a pessoa demonstra “sentimentos de desânimo, de angústia, de perda, de culpa e, por vezes, agressividade.” De acordo com o especialista, o perfil mais predominante das vítimas que são afetadas é a “fragilidade emocional anterior, isolamento familiar e social. Por norma, os mais afetados costumam ser os mais jovens e os mais idosos.” São transtornos que não afetam, segundo o terapeuta, somente as pessoas que presenciaram a catástrofe, mas “também as que não experienciaram, criando-lhes uma imaginação impotente de como não poderia ter acontecido, nomeadamente se estivesse presente”. Para combater possíveis problemas psíquicos, é importante – explica Eduardo Santos – que “seja dado apoio às vítimas para lidar com sentimentos e emoções extremas, de forma a processar as vivências de um modo mais racional possível”.
Há inúmeras vidas que enfrentam um processo de luto doloroso a que a comunidade médica tem de estar atenta. Francisca Graça, 22 anos, perdeu os avós nos incêndios de Pedrógão Grande, a 17 de junho de 2017. “Infelizmente e talvez por obra do destino, posso dizer que os meus avós estavam no sítio errado à hora errada.” Passado pouco mais de seis meses, o sentimento de ausência e vazio tende, como desabafa, a aumentar com o tempo: “Nunca é fácil lidar com a perda de ninguém. Jamais pensei que isto fosse acontecer, porque sempre achei que estas coisas só acontecem aos outros. Pensei que os meus avós e outros parentes iam morrer todos de velhice, mas a vida prega-nos partidas e faz-nos descer à terra e encarar a dura realidade quando menos estamos à espera. Não foi fácil, todos os dias tenho saudades, todos os dias me lembro deles.”
São vários os danos psicológicos que surgiram após a perda dos familiares. “Pesadelos” e o receio de “esquecer os avós” fazem parte do seu quotidiano. Apesar de viver constantemente com o “sentimento de revolta”, Francisca Graça conta com o apoio e os afetos daqueles que lhe são mais próximos, como a família, amigos e colegas”. A jovem também recebeu apoio da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande, que, no seu entender, “veio salvar muita gente”.
Entre os procedimentos para combater a depressão, o stress pós-traumático e outras perturbações psíquicas que tendem a aparecer, depois de uma catástrofe, Eduardo Santos sublinha exatamente “a importância de a vítima não se isolar, partilhar as suas emoções e sentimentos com as pessoas das suas redes de suporte e familiares.” Como esclarece o professor da Universidade de Coimbra, “o apoio dos familiares e outras pessoas próximas da vítima são importantes na recuperação do paciente porque constituem meios seguros para a catarse das emoções, para a reabilitação dos afetos, para a criação de esperança e de otimismo”.
Arlete Bernardo, 25 anos, partilha uma história semelhante, mas ao contrário de Francisca, não perdeu nenhum familiar, mas sim a sua habitação. Recebeu um alerta por parte dos polícias e bombeiros de Seia de que deveria evacuar a sua casa. “Fomos avisados um bocado em cima da hora, apesar de ser um local junto da cidade e de ter bastantes bombeiros no local. No entanto, o número de homens não foi o suficiente e assim tivermos que evacuar as casas. Apesar de uma decisão apressada, tudo foi feito em segurança”, lembra.
A casa de Arlete Bernardo estava localizada num espaço em que era possível ter uma ideia geográfica do local e das chamas. Até ao momento, ainda não recebeu nenhum apoio monetário por parte do Estado. A única ajuda do Governo foi o acompanhamento psicológico, logo após a tragédia. “O INEM tinha ao dispor ajuda psicológica para todos os que se encontravam no local, apesar de, no momento, serem poucas as pessoas que estão preparadas para falar. Até agora, foi o único contacto que tive com ajuda do Estado”, revela.
Após a destruição da sua antiga habitação, Arlete Bernardo confessa que está longe de recuperar de tudo o que acontece: “O trauma e a tristeza profunda de perda são enormes. Fica um sentimento de vazio e de impotência perante tudo e não se pode fazer.” A jovem sentiu-se ainda mais revoltada pelo facto de ter visto a sua antiga casa ser consumida pelas chamas, enquanto “os bombeiros tinham como prioridade preservar um dos principais monumentos de Seia, o Museu do Pão”.
Quanto tempo irá demorar a superar os traumas dos incêndios ainda é uma incógnita para toda a comunidade médica. Depende da resiliência de cada pessoa, do apoio e das próprias motivações individuais. Eduardo Santos considera que “ainda é cedo para perceber a verdadeira dimensão das catástrofes e da eficiência da ajuda”. O melhor a fazer, de acordo com o terapeuta, é aguardar porque é “uma situação muito complexa onde só o tempo poderá trazer frutos.”