Acredita-se que os vestígios mais antigos da arte de tatuar datem de há 7 mil anos, no Chile. Embora a origem exata desta arte permaneça um mistério, a técnica tem conquistado apreciadores na pós-modernidade e hoje são cada vez mais as pessoas que exibem orgulhosamente a sua “segunda pele”. Partimos à descoberta deste universo repleto de simbolismo, mas que ainda é alvo de algum preconceito.
A tatuagem foi durante muito tempo conhecida como um método de identificação. No caso dos indígenas, criadores das tatuagens conhecidas como tribais, servia para que, entre comunidades, os indivíduos pudessem perceber a que tribos pertenciam. Embora ainda existam grupos sociais que utilizam as tatuagens como meio de identificação, nos dias de hoje, grande parte das pessoas recorre a esta técnica pelo seu significado.
“A tatuagem é arte e como tal depende da interpretação que lhe damos”
João Gonçalves, tatuador
Segundo o sociólogo Vítor Sérgio Ferreira, no livro Marcas que demarcam: Tatuagem, body piercing e culturas juvenis, a tatuagem funciona, essencialmente, como “parte do segredo da biografia do individuo” sendo o corpo, o expositor escolhido como “álbum fotográfico que recorda os momentos que perduram.”
João Gonçalves, tatuador no estúdio Arte & Amor Tattoo, situado no edifício do Atelier do Pedro Crispim, em Lisboa, considera que a tatuagem é uma forma de expressão: “As pessoas procuram tatuar com um significado, mesmo que quando venham fazer a tatuagem acreditem que não significa nada. Se pensarmos bem, significa sempre qualquer coisa porque a escolha do desenho é relevante, o local onde querem tatuar também e a estética, a meu ver, é o mais importante”.
Na opinião do tatuador, especialista em Old-School, estilo conhecido pelas linhas grossas, poucas cores e recurso a elementos como caveiras mexicanas, corações atravessados com punhais, âncoras e barcos, ainda que o simbolismo tenha relevância para quem tatua, “a estética acaba sempre por se sobrepor ao significado, porque se a tatuagem em questão for algo com muito significado, mas o elemento – o desenho – não for apelativo, é sempre pedido que haja um reforço pela mão do tatuador, que o torne mais bonito”.
“Aprecio a tatuagem como uma forma de arte e de expressão criativa que podemos exibir no nosso próprio corpo”
Simão Romão, 26 anos, advogado
Os motivos que levam alguém a eternizar algo na pele são, no entender de João Gonçalves, essencialmente estéticos: “Acredito mesmo que as tatuagens estão na moda. Penso que as pessoas procuram fazê-las porque, ao verem em amigos e em familiares, gostam e associam aquele elemento a um acessório que, para além de simbólico, é portador de alguma beleza.”
Artur Miguel,18 anos, é novo neste ramo. Residente em Queluz, procura ganhar experiência a tatuar em casa. Sem nenhuma especialidade atribuída, o jovem diz que o seu objetivo é aprofundar no realismo. “Como estou a aprender, aceito muitos desafios”, refere. Para este jovem, a tatuagem é também vista como uma forma de expressão e serve para contar uma história. “A beleza da tatuagem é sempre importante. No entanto, penso que cada tatuagem feita representa uma etapa da vida de alguém. Quando a pessoa escolhe algo para tatuar, é porque tenta imortalizar na pele essa etapa, esse momento ou essa história.”
Uma questão de estilos
O sociólogo Vítor Sérgio Ferreira escreve ainda que as tatuagens funcionam como uma forma de os jovens “preservarem alguma originalidade”, numa sociedade que se encontra formatada.
“Aprecio a tatuagem como uma forma de arte e de expressão criativa que podemos exibir no nosso próprio corpo”
Simão Romão, 26 anos, advogado
Os estilos de tatuagem podem ser vistos como uma formatação de tatuagens por géneros, nas quais os desenhos e os elementos são colocados em grupos com base nas suas características. Basta uma pequena pesquisa na Internet para que surjam o Old School/Tradicional , o New School, o Geométrico, o GrayWash, o Aguarela (mais conhecido como Watercolor), o Pontilhismo, o Realismo, o Biomecânico, o Oriental, o Tribal e o Maori. Será que, para o cliente, o estilo de tatuagem é realmente determinante? Artur Miguel acredita que não. O tatuador de Queluz afirma que “para alguns clientes, o mais importante não é o estilo utilizado, mas sim colocar tudo o que se tem em mente na mesma tatuagem”.
João Gonçalves não partilha a mesma opinião: “Parece-me que a maioria das pessoas que vem tatuar comigo sabe diferenciar alguns estilos. E isso é importante porque as pessoas devem procurar bem aquilo que querem tatuar e perceber quais os melhores tatuadores para concretizar a tatuagem. Por exemplo, o meu estilo de trabalho é o Old-School, mas é claro que não sobrevivo só dele. No entanto, não me comprometo com trabalhos que não tenho 100% a certeza que não vou fazer bem.”
O tatuador do estúdio Amor & Arte Tattoo defende que “cada profissional tem o seu toque especial para determinado estilo.” E conclui: “Eu e outro colega podemos realizar exatamente o mesmo desenho e garanto-vos que não vai ficar igual. A tatuagem é arte e, como tal, depende da interpretação que lhe damos. Podemos todos olhar para a mesma imagem e vamos ter interpretações diferentes sobre ela e sobre como passá-la para a pele, seja o lugar onde achamos que fica bem, seja o modo como vamos preenchê-la com cor.”
Sandra Figueira, 22 anos, trabalha como subgerente numa loja de retalho feminina. É portadora de duas tatuagens (ambas com significado) e defende que o estilo de tatuagem não foi a sua prioridade: “Quando fui tatuar, o meu principal objetivo era homenagear um ente querido. O desenho e a estética importavam claramente no sentido em que queria que direcionassem para aquilo que queria representar no meu corpo.” Por sua vez, Simão Romão, 26 anos, advogado, residente em Sintra, reconhece que das quatro tatuagens que tem nem todas têm significado. No entanto, admite que, no seu caso, o estilo foi importante. “Escolhi lettering para uma e maori e tribal para as restantes. Para mim, tatuar não é só sobre significado. Aprecio a tatuagem como uma forma de arte e de expressão criativa que podemos exibir no nosso próprio corpo.” (Veja a fotogaleria abaixo)
O estigma “sente-se!”
No estudo “Há, ou não, um estigma associado às tatuagens?”, realizado na Universidade Autónoma de Lisboa, concluiu que existe sim um estigma associado às tatuagens.
“Três das primeiras entrevistas a que fui, perguntaram-me sempre se tinha tatuagens, onde as tinha e qual o tamanho.”
Sandra Figueira, 22 anos, logista
A pesquisa revela que, apesar de as pessoas tatuadas serem as que aparentam ser mais simpáticas, mais espontâneas, ter mais amigos e serem as mais escolhidas como companheiras de trabalho e como chefes, pela maioria dos inquiridos com faixas etárias compreendidas entre os 20 e os 79 anos, as pessoas sem tatuagens são consideradas mais responsáveis, de maior confiança e melhores profissionais.
O tatuador João Gonçalves considera que a necessidade de ter um trabalho e uma vida profissional tira a liberdade de escolhermos o que ter no próprio corpo: “As pessoas, às vezes, chegam aqui informam-me que adoravam fazer determinada tatuagem na mão, por exemplo, mas não fazem e a resposta ao porquê é simples: porque trabalham.” Como artista, garante que não influencia o cliente a mudar o sítio. “A tatuagem até podia ficar brilhante na mão, como dei o exemplo, mas se isso vai prejudicar a pessoa a nível profissional, para quê arriscar? Infelizmente, em Portugal é assim e mesmo que as pessoas não digam nada, sente-se!”.
Simão Romão afirma que ter tatuagens não influenciou de maneira nenhuma o seu percurso profissional, mas reconhece que “só não há problema porque estão escondidas”. E acrescenta: “No meu caso é assim, mas tenho consciência que, em Portugal, ter dificuldades em arranjar trabalho, com tatuagens, é um facto.” A mesma experiência não foi vivida por Sandra Figueira, que diz nunca ter sido confrontada com qualquer tipo de problemas no seu local de trabalho devido às tatuagens.
Ainda assim, reforça que tal como acontece com o jovem de Sintra, as suas tatuagens não estão visíveis. “Senti que as minhas tatuagens podiam ser um problema na hora de arranjar trabalho, pois em três das primeiras entrevistas a que fui, perguntaram-me sempre se tinha tatuagens, onde as tinha e qual o tamanho.” A jovem reconhece que “eles estavam preocupados porque não queriam que elas fossem visíveis”, termina.
Arrependido? Existe solução
Ter uma tatuagem geralmente é sinónimo de “eternizar algo na pele”. No entanto, surgem cada vez mais soluções para quem se arrepende. Em Portugal, existem, por exemplo, dois centros da Tattoo Clinic, uma rede de clínicas especializadas em remoção a laser de tatuagens, com 19 anos de experiência. Mas para aqueles que não confiam no laser, muitas vezes associado à criação de outras patologias na pele, Alec Falkenham, um patologista da Universidade de Dalhousie, encontra-se a trabalhar num creme que remove tatuagens. Segundo o patologista, em entrevista ao canal de televisão canadiano CBC, o creme ataca apenas as células que têm tinta, o que permite minimizar a inflamação provocada pelo tratamento, ao contrário do que acontece com o laser que ataca todas as células na zona em questão.
Para quem só deseja escondê-las por algum tempo, a indústria da maquilhagem já criou vários tipos de base e cremes com duração de 24 horas, que procuram tornar a pele o mais natural possível, durante esse período de tempo, ficando a tatuagem tapada, sem resquícios de que sequer exista.